Época
Os segredos do mensalão de Arruda
A operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, revelou ao país um esquema de caixa dois e pagamentos de propinas a políticos em Brasília que movimenta milhões de reais e funciona, sem interrupção, há dez anos. Em três dezenas de vídeos divulgados até agora – há centenas de outros ainda inéditos – foi possível ver o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), receber R$ 50 mil em caixa dois; o presidente da Câmara Legislativa, deputado Leonardo Prudente (DEM), guardar dinheiro nas meias; deputados orando a Deus em agradecimento pela propina; e empresários, ora colocando maços de dinheiro na cueca, ora pagando propinas em troca de contratos com o governo de Brasília. O balanço dessas revelações parciais é devastador: além de Arruda, o vice-governador Paulo Octávio Pereira (DEM), pelo menos oito dos 24 deputados distritais de Brasília e a maioria dos secretários do governo do Distrito Federal são suspeitos de se beneficiarem do esquema. Estão sendo investigados também desembargadores do Tribunal de Justiça e promotores públicos.
Ao começar o governo em 2007, Arruda tentou imprimir a sua gestão a marca de um administrador moderno. Anunciou corte de despesas, a revisão de contratos e a suspensão de pagamentos. Arruda também pretendia deixar o ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa de fora do governo. Começaram aí, segundo os relatos obtidos por ÉPOCA, as ameaças de Durval a Arruda. Durval fez chegar a Arruda a informação de que tinha material para denúncias capazes de causar sérios embaraços. Arruda cedeu e nomeou Durval para a Secretaria de Relações Institucionais, cargo que ele ocupou até a deflagração da Operação Caixa de Pandora e lhe dava a prerrogativa de responder aos processos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Lá, apoiando-se em uma suposta influência de Arruda sobre os desembargadores, Durval esperava contar com uma proteção nos processos em que é réu. Seu maior receio era ser condenado à prisão por um juiz de primeiro grau.
De acordo com pessoas próximas a Durval, entrevistadas por ÉPOCA sob a condição de não serem identificadas, a nomeação para a Secretaria de Assuntos Institucionais não foi a única vez em que Arruda se s dobrou às pressões do auxiliar. No início do governo, com as medidas tomadas por Arruda para cortar gastos, Durval não pôde cumprir compromissos assumidos na campanha eleitoral com empresas de informática que fizeram grandes contribuições para o caixa dois. Num primeiro momento, Durval teria esbarrado na resistência de Arruda em autorizar pagamentos às empresas de informática. Durval contou a amigos que resolveu, então, usar seu trunfo. Ele teria levado um laptop para a residência oficial de Arruda e mostrado partes dos vídeos. Só então o governador teria liberado os pagamentos.
Apesar de estar com bens e contas bancárias bloqueados pela Justiça há um ano, Durval só decidiu denunciar Arruda quando se separou da mulher, Fabiani Barbosa, em junho deste ano. Durval soube que emissários de Arruda – entre eles, a primeira-dama Flávia Peres Arruda – estariam tentando convencer sua ex-mulher a fazer uma delação premiada contra ele. Ele ficou transtornado e decidiu que iria divulgar os vídeos. Jornalistas chegaram a ser contatados. O tom das ameaças subiu. Nos últimos dias de junho, a pressão se concentrou no vice-governador, Paulo Octávio. A primeira reação de Paulo Octávio, segundo apurou ÉPOCA, foi de aparente frieza. “Se esses vídeos forem divulgados, o Durval será o maior prejudicado, vai ser preso. Nós, políticos, sempre conseguimos sobreviver”, afirmou Paulo Octávio a emissários de Durval. Paulo Octávio se dispôs, porém, a fazer uma peregrinação em busca de apoio para Durval. Ele teria falado com desembargadores, advogados e com o chefe do Ministério Público do Distrito Federal, Leonardo Bandarra. O promotor Bandarra nega ter recebido qualquer pedido do vice-governador em favor de Durval. A ÉPOCA, Paulo Octávio disse que não se lembra de ter conversado sobre Durval com integrantes do Tribunal de Justiça.
As causas da decadência do DEM
O DEM perdeu o rumo outra vez. O escândalo em torno do governador José Roberto Arruda empurrou o partido um pouco mais para o fundo de uma longa ribanceira. Fora da administração federal desde 2003, o DEM pretendia usar o discurso da ética para combater o PT em 2010. As referências seriam as denúncias de mensalão no primeiro mandato do presidente Lula, que sustentam a oratória oposicionista desde 2005. A divulgação de imagens da farta distribuição de dinheiro entre integrantes da cúpula do governo Arruda fez os democratas repensar a estratégia e chamou a atenção para a trajetória de decadência do partido.
Ainda é difícil medir as consequências do dinheiro encontrado com a turma de Arruda, mas é possível fazer pelo menos duas previsões. Primeira: vacilante, Rodrigo Maia perde espaço para o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que tem mais visibilidade e é afilhado político de José Serra. Segunda: enlameado em Brasília, o DEM tem agora muito menos cacife para indicar o vice na chapa dos tucanos.
E agora, Itamaraty?
Após meses de impasse, a situação política de Honduras começou a ganhar contornos de volta à estabilidade na semana passada. No dia 29, os hondurenhos elegeram o direitista Porfirio Lobo como novo presidente do país, a tomar posse no fim de janeiro. Três dias depois, o Congresso vetou a restituição do poder ao ex-presidente Manuel Zelaya, deposto em 28 de junho. Esses acontecimentos colocaram em xeque a posição do governo brasileiro, inflexível em defesa da recondução de Zelaya. É difícil ir contra uma eleição limpa, mesmo uma organizada de forma tão incomum. Como o povo hondurenho deu mostras de aceitar o novo governo e querer superar meses de caos, vale a pena obstinar-se na direção contrária?
Veja
Poder, dinheiro, corrupção e…
No dia 4 de setembro de 2006, no auge da eleição para o governo do Distrito Federal, José Roberto Arruda encaminha-se até o escritório do delegado aposentado Durval Barbosa, então secretário do governo e seu coordenador de campanha. Num lapso de 23 minutos e 45 segundos, com o equipamento de gravação de video do ladino Durval e a desfaçatez de Arruda, produziu-se o primeiro capítulo da mais devastadora peça de corrupção já registrada na história do país. Até o início da crise, o ex-delegado era secretário de Relações Institucionais – uma espécie de embaixador da corrupção do governo de Brasília. Cabia à turma dele coordenar as fraudes nas licitações do governo, achacar os fornecedores e repassar o butim a Arruda e Paulo Octávio, distribuindo o restante da propina aos deputados da base aliada na Câmara Legislativa do DF. Ou seja, uma versão brasiliense e democrata do mensalão petista.
As gravações demonstram que Durval era o gerente da quadrilha, intermediando negociatas entre a cúpula do governo e as empresas que sobrevivem de contratos públicos. Num dos vídeos inéditos, gravado no dia 14 de outubro deste ano, Geraldo Maciel, assessor de Arruda, encaminha a Durval as determinações do governador. Maciel conta que Arruda ordenou a contratação da Brasif, empresa ligada ao DEM. “Esse pessoal vai assumir os compromissos com você”, explica o assessor de Arruda. “Compromissos”, na linguagem da quadrilha, significa propina. “Ele (Arruda) é quem decide”, responde o delegado. Em seguida, os dois acertam como será direcionada a licitação para contratar a Brasif – e como será o rateio. “O que ficaria livre para ele?”, pergunta Maciel, numa referência a Arruda. “Um e duzentos”, esclarece Durval. Um milhão, claro.
A implosão do esquema de corrupção montado no governo do DF provocou um abalo sísmico no DEM. Diante das cenas chocantes, os democratas concluíram que a única saída para minimizar o prejuízo eleitoral do partido com o escândalo seria a expulsão imediata do governador. A estratégia, porém, precisou ser alterada após uma reunião na qual Arruda ameaçou revelar segredos que aparentemente não podem ser expostos à luz do sol. “Se vocês radicalizarem comigo, eu radicalizo com vocês”, avisou o governador. Nem todo mundo entendeu. Não parece ter sido o caso do presidente do DEM, o deputado Rodrigo Maia, amigo de Arruda e padrinho de algumas nomeações em seu governo. Além da suspeita de que Arruda possa ter colocado sua máquina de desvios a serviço do partido, um detalhe ainda desconhecido liga a cúpula do DEM ao epicentro do tremor. Maia é íntimo do publicitário Paulo César Roxo Ramos, arrecadador informal da campanha de Arruda e acusado por Durval de operar a engrenagem de achaques que funcionava no governo do amigo.
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