Época
O que Lula vai levar na mudança
O negro da pele das noivas contrasta com o branco de suas vestes em uma fotografia que conserva cores tão vivas quanto há quase oito anos. O registro de casamento é um dos primeiros presentes que o presidente Lula ganhou. Foi durante a excursão que fez com seus ministros, em janeiro de 2003, ao Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Ali, numa das regiões mais pobres do Brasil, alguém deu ao presidente o que tinha de mais valioso. Na última terça-feira, o quadro repousava no subsolo do Palácio do Planalto, onde fica todo o acervo com os mais de 8.500 presentes, as 356 mil cartas e outros tantos documentos acumulados pelo presidente ao longo dos dois mandatos. A fotografia esperava pelo momento em que um dos homens em uniformes azuis da transportadora Granero a colocaria dentro de uma das centenas de caixas de papelão que vão encher os 11 caminhões da mudança presidencial. Até o dia 29 a mudança, orçada em R$ 19.499, partirá de Brasília para São Paulo. Será um dos últimos atos do festival de despedidas de Lula da Presidência, que incluiu, na semana passada, um balanço dos dois mandatos e o registro em cartório de todas as obras de seu governo (algumas nem começadas) perante uma plateia de ministros e ex-ministros no Palácio do Planalto. Na noite do dia 28, Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco, deverá oferecer no Estado natal de Lula a maior festa de adeus.
José Eli da Veiga: “Se abolimos a escravidão, podemos resolver o aquecimento global
É opinião comum que a escravidão acabou só porque não fazia mais sentido econômico. Para o economista José Eli da Veiga, a história não é bem essa. A escravidão acabou também porque os valores da sociedade mudaram. Ele acredita que algo similar pode estar ocorrendo agora – em relação à defesa do planeta. Eli da Veiga, um dos mais influentes estudiosos do meio ambiente no Brasil, ajudou a formular o programa de governo da candidata Marina Silva, do Partido Verde. Em seu novo livro, Sustentabilidade – A legitimação de um novo valor, ele compara a preocupação com o ambiente a um valor igualmente difícil de definir, a justiça. Segundo ele, a adoção de valores assim é sinal de grandes mudanças. Mas, para que isso ocorra, é preciso encontrar outras formas, além do PIB, para medir o desenvolvimento econômico, dando importância a esses novos interesses da sociedade. Mas não venha falar do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano. Ele o considera “tosco”. Nem do FIB, o indicador de Felicidade Interna Bruta, que diz ser “equivocado”.
Economistas ainda tentam medir a felicidade
Como o processo de desenvolvimento pode se tornar sustentável, se ainda não sabemos direito como medir a qualidade de vida, nem o grau de cuidado com a natureza, nem o próprio crescimento econômico? Esse tipo de preocupação está no cerne das pesquisas do economista José Eli da Veiga, um dos principais pensadores brasileiros no campo do desenvolvimento sustentável, participante da formulação do programa de governo da candidata a presidente Marina Silva (PV) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Eli da Veiga lançou em novembro seu livro mais recente, “Sustentabilidade – A legitimação de um novo valor”, pela Editora Senac. No livro, ele afirma não se preocupar com a falta de uma definição muito precisa para “sustentabilidade”. O economista argumenta que outro valor fundamental para a humanidade, a justiça, também desafia definição muito precisa. Mesmo assim, afirma ele, é razoavelmente fácil identificar o que é injustiça, assim como o que é uma prática insustentável.
A luta entre o porto e a praia
A Costa do Cacau, do sul da Bahia, famosa por suas praias de areias brancas e pelo verde dos remanescentes da Mata Atlântica, poderá ganhar a cor avermelhada do minério de ferro nos próximos anos. A mudança na paisagem é um projeto conjunto dos governos federal e da Bahia. Eles pretendem instalar um complexo que incluirá um terminal de minério, uma ferrovia, um aeroporto e talvez até uma siderúrgica. O primeiro passo foi dado pelo presidente Lula. No dia 10 de dezembro, ele assinou em Ilhéus a encomenda da ferrovia de 537 quilômetros, orçada em R$ 5 bilhões, que ligará Caetité, uma mina no interior do Estado, à Ponta da Tulha, uma praia paradisíaca onde o empreendimento deverá ser instalado.
A intenção é criar um novo eixo de desenvolvimento para a região, empobrecida desde a decadência da indústria cacaueira nos anos 90. Os empresários do cacau e do turismo se opõem. Dizem que o minério vai matar a vocação natural do lugar, que já geraria mais empregos com as fazendas e o turismo e que pode enriquecer mais com resorts de luxo e chocolates de grife do que com a indústria pesada e poluidora.
O primeiro tropeço político
Durante o primeiro turno da eleição presidencial, a então candidata Dilma Rousseff leu uma biografia do presidente americano Abraham Lincoln (1861-1865). Um dos principais temas tratados no livro é a habilidade de Lincoln em governar com os adversários. Mas, na semana passada, Dilma teve de lidar com problemas gerados por seus próprios aliados. Em um lance surpreendente, a bancada de deputados federais do PT escolheu Marco Maia (PT-RS) como seu candidato à presidência da Câmara dos Deputados. Maia derrotou Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Casa, que era o preferido de Dilma para ocupar o cargo.
Dono da futura maior bancada da Câmara com 88 deputados, o PT estabeleceu um acordo com o PMDB, que terá 79 deputados. O PT ficará com a presidência nos primeiros dois anos de governo e o PMDB com os dois anos seguintes. Há meses, Vaccarezza era considerado o favorito ao cargo. Mas suas chances diminuíram quando ele defendeu o adiamento do aumento salarial de 62%, autoconcedido pelos parlamentares na semana passada. O aumento eleva de R$ 16 mil para R$ 26 mil por mês os ganhos de 513 deputados e 81 senadores, a um custo adicional de cerca de R$ 136 milhões por ano para os cofres públicos. Mais ligado ao baixo clero, o exército de parlamentares de pouca expressão pública, Maia, atual vice-presidente da Câmara, se declarou favorável ao aumento e conquistou várias adesões a sua candidatura.
Esta mata não precisa de proteção?
A pedido do presidente Lula, a comissão mista do Congresso aprovou um crédito de R$ 150 milhões para o Ministério do Meio Ambiente indenizar o governo do Piauí pela futura ampliação do Parque Nacional da Serra das Confusões, um dos maiores do país, no sul do Estado, com 502.000 hectares. Seria razoável supor que ambientalistas, ongueiros e outros defensores da natureza estivessem comemorando a decisão, pois a medida deverá incorporar 336.000 hectares aos limites atuais da Serra das Confusões. A iniciativa, porém, tem causado muito mais revolta que festa. O motivo é que uma região próxima, ambientalmente mais rica, preservada e sob ameaça de devastação, a Serra Vermelha, foi excluída do plano de proteção.
Derrapagem no governo do Ceará
Numa festa para mais de 1.000 convidados em Fortaleza, em 2008, Fernanda e Arialdo Pinho celebraram o casamento da filha Aline. Políticos do Ceará encheram o salão da casa de espetáculos Siará Hall. Os irmãos Cid Gomes, governador do Ceará, e Ciro, deputado federal, ambos do PSB, estavam entre os padrinhos. Arialdo é o principal assessor de Cid e comanda a Casa Civil do governo do Estado. O pai da noiva também foi prestigiado por muitos empresários locais, alguns deles donos de grandes contratos com a administração pública cearense. Um dos convidados presentes à festa foi José Carlos Pontes, sócio do Grupo Marquise. Estiveram também na cerimônia o tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet e o filho Nelson Ângelo Piquet, outro padrinho dos noivos.
Alguns personagens daquela noite de festa que se estendeu até o nascer do sol agora aparecem juntos em circunstâncias bem diferentes. Eles são citados numa investigação da Polícia Federal que desbaratou um golpe com contratos fictícios de patrocínio para a Federação Cearense de Automobilismo (FCA). O inquérito tramita sob segredo de Justiça na 11a Vara Federal do Ceará. ÉPOCA teve acesso a detalhes da apuração. As autoridades afirmam que os patrocínios firmados pela FCA acobertaram o desvio de milhões de reais de empresas para a formação de um caixa dois destinado ao pagamento de propinas a agentes públicos e ao financiamento de campanhas eleitorais.
Na última semana de novembro, a PF realizou a Operação Podium e prendeu sete pessoas envolvidas nas irregularidades. Foram recolhidos documentos em residências e escritórios no Ceará, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre os presos estava o empresário José Hybernon Neto, ex-presidente da FCA, apontado como um dos mentores do golpe. As ligações telefônicas de Hybernon foram monitoradas pela polícia. A PF encontrou dificuldades para reconhecer alguns interlocutores, mas identificou outros. Um deles é “Arialdo Pinho, chefe da Casa Civil do governo Cid Gomes”, segundo um relatório policial.
Joseph Stiglitz: “O capitalismo sem controle é perigoso”
O economista americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001 e ex-comandante do departamento econômico do Banco Mundial, ganhou destaque com a explosão da crise global, em setembro de 2008. De figura marginalizada, em razão de suas críticas ao “fundamentalismo do livre mercado”, ele passou a ser ouvido com atenção até por financistas que torciam o nariz para suas ideias. No livro O mundo em queda livre, recém-lançado no Brasil (editora Companhia das Letras, R$ 66), Stiglitz diz que a crença na eficiência dos mercados morreu com a crise. Para ele, o melhor sistema econômico é o dos países escandinavos – a carga tributária é elevada, mas o governo oferece “boas políticas” de proteção social. Para horror dos economistas mais ortodoxos, Stiglitz afirma que o Brasil deveria se preocupar menos com a inflação e o tamanho do Estado. “A inflação é importante, mas é apenas uma variável.”
Ele está curado
O microbiologista francês Louis Pasteur costumava dizer que a sorte sorri para as mentes preparadas. O incrível caso do americano Timothy Ray Brown, de 44 anos, parece confirmar a tese. Tim, como é chamado pelos amigos, viveu vários anos com o vírus HIV. Tratava-se com o coquetel de drogas e trabalhava como garçom num café de Berlim. Era mais um de tantos soropositivos que, graças ao avanço do tratamento, levavam uma vida praticamente normal. Em 2006, no entanto, ele descobriu que também tinha leucemia, um tipo de câncer que ataca o sistema de defesa. Tim procurou o médico Gero Hütter, um jovem oncologista que entende de leucemia, mas nunca havia atendido um doente de aids. Foi aí que a sorte começou a conspirar a favor dos dois. Tim precisaria passar por um transplante de medula. Hütter decidiu escolher um doador especial, com uma mutação que o torna naturalmente resistente ao vírus HIV. O resultado surpreendeu o mundo.
Carta Capital
A diplomação de Dilma, sem o ministério completo
Dilma Rousseff e Michel Temer recebem nesta sexta-feira 17 seus diplomas de presidente da República e vice, em cerimônia celebrada no auditório do Tribunal Superior Eleitoral sob o comando de seu presidente Ricardo Lewandowski.
Ao contrário do que pretendia Dilma não terá todos os nomes de seu futuro ministério definidos. Nos últimos dois dias, ela oficializou mais sete indicações, todas já anteriormente informadas pela imprensa: Nelson Jobim (Defesa), Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), Antonio Patriota (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Educação), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Carlos Lupi (Trabalho).
Se ela mantiver a atual composição ministerial, com 37 cadeiras, faltarão ainda 14 cargos a serem preenchidos.
Entre eles, alguns casos continuam complicados. O da Cultura parece ser o mais indefinido, com novos nomes a surgir cada dia para substituir Juca Ferreira, o atual ministro, que gostaria muito de continuar em Brasília.
Corte Interamericana não é bananeira como imagina Jobim. Suas decisões obrigam o Brasil
A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de condenaro o Brasil. Isto por ter conferido, — pela sua lei de autoanistia de (Lei n.6683, de 1979)–, um “bill de indenidade” aos responsáveis por assassinatos e desaparecimentos de 62 pessoas, entre 1972 e 1979, na região do Araguaia e em repressão a grupo de contraste à ditadura militar.
Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito dos estados- membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que a aceitaram, como é o caso do Brasil.
O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Essa referida Corte é composta por sete juízes, eleitos e entre “nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos” (OEA).
Os seus juízes são eleitos a “título pessoal, dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos”.
O financiamento de grandes obras
O governo anunciou, na quarta-feira 15, uma série de medidas de estímulo ao crédito de longo prazo. O objetivo é que o mercado de capitais forneça ao menos 350 bilhões dos 650 bilhões de reais necessários para financiar os investimentos previstos entre 2011 e 2014. O pacote prevê uma série de incentivos tributários. O governo baixou para zero a alíquota do Imposto de Renda para os investidores brasileiros e estrangeiros que adquirirem debêntures vinculadas a projetos específicos, como a usina de Belo Monte ou o Trem de Alta Velocidade. Os estrangeiros também foram beneficiados com uma redução no IOF, de 6% para 2%, na aquisição desses papéis.
Luciano Coutinho, presidente do BNDES, disse que o banco vai aplicar até 10 bilhões de reais na compra das debêntures de longo prazo, com o objetivo de estimular o mercado. O governo vai liberar ainda 2,2 bilhões de reais dos depósitos compulsórios retidos no Banco Central para formar um fundo, gerido pelo setor privado, que vai comprar e vender os novos títulos.
Um Brasil amedrontado
Quase metade da população se sente insegura na cidade onde vive. Essa é uma das constatações da pesquisa “Caracterização da vitimização e do acesso à Justiça”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quarta-feira 15. São mais de 76,4 milhões de brasileiros (47,2% do total) que vivem com medo. Um em cada cinco entrevistados afirmou não se sentir seguro nem mesmo em casa. No próprio bairro, o sentimento de insegurança atinge 32,9% dos habitantes.
Motivos para justificar o temor não faltam. Ao menos 11,9 milhões de brasileiros foram roubados ou furtados no último ano. O total corresponde a 7,3% da população com mais de 10 anos. A pesquisa revela ainda o descrédito das forças de segurança pública. Somente 48,4% das vítimas de roubo e 37,7% dos alvos de furtos recorreram à polícia. Entre as razões mais citadas para não registrar queixas estão a ausência de provas e a percepção de que o problema não era importante para acionar a polícia.
Falsa surpresa, outra verdadeira e a revelação
Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é de amplo raio. O WikiLeaks demonstra apenas no plano mundial o baixo QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo. Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria verificar que Washington, como informa o WikiLeaks, faz lobby contra a lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?
O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos, passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Interação virtuosa
Um ministério da Cultura em um governo democrático e progressista tem o dever de equilibrar duas tendências aparentemente opostas. A salutar isenção política em face da diversidade das manifestações culturais, que devem guardar independência na medida em que emergem da sociedade civil. E a capacidade de apoiar efetivamente a difusão dos bens materiais e espirituais na medida em que o Estado é responsável pela sua democratização no interior dessa mesma sociedade.
Uma interação virtuosa de liberdade e responsabilidade vem a ser, portanto, o ideal de um Ministério da Cultura que deverá integrar o governo de Dilma Rousseff.
*As revistas Veja e IstoÉ não haviam divulgado suas edições da semana na internet até a publicação deste material.
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