Veja
O dia em que o mundo acabou
Quando o mundo acabou no Haiti, às 4 e 53 da tarde de terça-feira, o mais terrível foi que, por algum tempo, os mortos viveram. Com a força infernal de trinta bombas atômicas, o terremoto aconteceu no pior lugar possível. Seu coração de terrível poder, o epicentro, praticamente coincidiu com as ruas e encostas esquálidas de Porto Príncipe, a capital. Pouca coisa resistiu. Os casebres, os prediozinhos precários, os escassos edifícios mais imponentes. O topo da catedral, com suas duas torres, desapareceu. O arcebispo morreu. O Congresso ruiu, com o presidente do Senado lá dentro. Hospitais, escolas, hotéis. Uma universidade inteira tragou 1 000 viventes. No palácio presidencial, em pomposo estilo francês, foi como se uma foice gigante tivesse ceifado o prédio, na horizontal, e ele se reacomodasse, alguns metros mais abaixo. “Estou andando sobre corpos”, disse Elisabeth Préval, a mulher do presidente, depois de escapar do choque mortífero que tudo engolfou. Zilda Arns, uma campeã da humanidade na luta para salvar crianças da desnutrição, não conseguiu escapar, da mesma forma que quase duas dezenas de militares brasileiros da força da ONU no Haiti. O prédio de cinco andares ocupado pelos funcionários civis da ONU também veio abaixo, com mais de 200 pessoas dentro, entre as quais o segundo no comando, o carioca Luiz Carlos da Costa.
A tragédia dos heróis brasileiros
O Brasil enfrentou sua própria tragédia nacional em solo haitiano. Foram confirmados, até sexta-feira passada, dezesseis mortos brasileiros no terremoto: Zilda Arns, da Pastoral da Criança, o diplomata Luiz Carlos da Costa – que ainda não havia sido encontrado, mas cuja morte era dada como certa pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim – e catorze integrantes do Exército que participavam da força de paz da ONU. Nas próximas páginas, há um perfil de cada um deles. São histórias de homens idealistas, apaixonados pela carreira das armas e cheios de planos para proporcionar, com o soldo reforçado que receberam durante a missão, melhores condições de vida a suas famílias.
Viveu como santa, morreu como mártir
Nascer mulher em Forquilhinha, Santa Catarina, nas primeiras décadas do século passado significava ser, no futuro, professora ou religiosa. Zilda Arns, 13ª filha de uma família descendente de alemães, contrariou esse destino por amor. Aos 21 anos de idade, apaixonou-se pelo futuro marido, o então marceneiro Aloysio Neumann, que, chamado para um conserto na casa dos Arns, encantou-se com a jovem que viu na sala tocando piano. Foi também em nome de outra forma de amor, aquele mais sublime que se devota ao próximo, que Zilda enfrentou a resistência paterna e insistiu em estudar medicina, num tempo em que ser doutor era coisa de homem. O apoio do irmão, o hoje arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, foi fundamental para dobrar a família. “Ele havia estudado na Sorbonne e convenceu o pai de que estavam começando a formar mulheres médicas lá fora”, conta Rogerio Arns Neumann, de 39 anos, um dos seis filhos que Zilda teve com Neumann, morto em um acidente no mar aos 46 anos de idade. Desde que alterou o curso do próprio destino, Zilda Arns não parou mais de mudar o dos outros, a começar por aqueles que a miséria e a ignorância haviam fadado a ter curta duração.
Não existe exame grátis
No Brasil, o direito de acesso universal e gratuito aos tratamentos médicos é assegurado pela Constituição. A precariedade do sistema público, no entanto, praticamente obriga as famílias que podem fazê-lo a contratar um plano privado. Ao fim, paga-se dobrado para ter acesso à assistência: primeiro, na forma de impostos; depois, na mensalidade dos planos. Hoje, o custo médio desses planos é de 120 reais. Em uma família de quatro pessoas, isso representa um gasto anual expressivo – de 5 760 reais. Ainda assim, dois em cada dez brasileiros possuem seguro médico. Em São Paulo, estado em que a cobertura privada é mais disseminada, mais da metade da população tem um plano. Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a tarefa de regular e fiscalizar esse mercado, buscando o equilíbrio entre a qualidade do atendimento e o valor pago pelos segurados. Entre as suas atribuições está listar o rol de tratamentos e procedimentos mínimos que devem ser cobertos, obrigatoriamente, pelos planos de saúde. A cada dois anos esse rol é revisto e ampliado.
Eles têm outros planos
Existem algumas obsessões que perseguem o governo Lula desde seu início e, ao que tudo indica, continuarão a existir até o fim. Em dezembro passado, o presidente assinou um decreto lançando o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos – um calhamaço de propostas com o nobre objetivo de pautar ações oficiais para proteger minorias e grupos em risco, como índios e quilombolas. O plano, porém, foi concebido nos moldes de um cavalo de troia. Escondida no corpo das medidas de apelo humanitário, há uma série de propostas que, de tão absurdas, provocaram desentendimentos e protestos de vários setores da sociedade, incluindo uma crise dentro do próprio governo. Os ministros militares, por exemplo, ameaçaram renunciar aos cargos diante da possibilidade de revogação da Lei da Anistia, de 1979, um pacto político e social que permitiu a transição da ditadura militar para a democracia sem maiores confrontos. Diante das pressões, Lula decidiu alterar o trecho do decreto que previa a criação de uma comissão com poderes para apurar e punir os militares envolvidos em crimes durante o regime dos generais. A decisão contornou a revolta na caserna – e apenas isso. O restante do plano continuou intacto.
Época
Por dentro da caixa de pandora
A Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, revelou em novembro um esquema de caixa dois e pagamentos de propina a políticos e outras autoridades em Brasília que movimentou milhões de reais. (…) ÉPOCA agora teve acesso ao conteúdo do material apreendido pela PF no dia da operação.
(…)
Na pilha de papéis, chama a atenção o material encontrado na casa e no gabinete de Domingos Lamoglia, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Distrito Federal por causa do escândalo. Lamoglia foi o assessor mais próximo de Arruda nos últimos 20 anos. Até outubro de 2009, era seu chefe de gabinete e tinha o privilégio de ser o único auxiliar com escritório na residência oficial do go-vernador. Na casa de Lamoglia, num setor de mansões em Brasília, a PF apreendeu um livro-caixa, agendas e papéis com nomes e iniciais de políticos sempre relacionados a números que, para os investigadores, se referem a valores da suposta propina.
Numa agenda de 2009, na data de 24 de agosto, os registros de possíveis pagamentos foram separados em dois grupos: “Pessoais” e “Política”. Entre os “Pessoais” aparece a anotação “Severo=450”. Seria referência a Severo de Araújo Dias, dono do haras Sparta. A PF investiga a denúncia de que o proprietário oculto do haras seja Arruda. Em um depoimento à subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, prestado em 9 de dezembro, Durval Barbosa afirmou que o haras foi comprado pelo governador como um presente para sua mulher, Flávia Arruda. Durval diz ter ouvido a confirmação do negócio de Heraldo Paupério, padrasto de Flávia e advogado do delator antes da deflagração da operação da PF.
Um país inteiro para reconstruir
Uma nuvem de poeira encobriu Porto Príncipe, a capital do Haiti, às 16h53 da terça-feira 12. Quando ela se dissipou e foi possível ver a cidade de novo, não havia mais uma cidade.
Casas e barracos transformaram-se em um amontoado de entulho. Aos gritos de “Jesus, Jesus!”, milhares de pessoas perambulavam pelas vielas da cidade mais populosa do miserável Haiti, o país mais pobre das Américas. Com 1,2 milhão de habitantes, Porto Príncipe acabara de ser atingida em cheio por um terremoto devastador, que aniquilou o que havia da precária infraestrutura. Ao anoitecer, os haitianos estavam sem luz, sem água potável, sem telefone, sem hospitais. Desesperados, muitos saqueavam lojas em busca de comida. Boa parte das construções veio abaixo com o tremor de 7 graus na escala Richter – até o palácio presidencial foi parcialmente destruído. Os trabalhos de resgate se davam em meio a vários pequenos tremores secundários. Ainda é difícil ter uma dimensão dos estragos, mas o número de mortos se contava em dezenas de milhares. Segundo a Cruz Vermelha, os feridos na capital e nas cidades do entorno podem passar de 3 milhões, um terço da população haitiana. É a maior tragédia da história de um país especialmente assolado por tragédias e fez o planeta inteiro voltar os olhos para essa nação marcada pela miséria, pelo caos político e por catástrofes naturais, como furacões e enchentes. O Brasil terá um papel importante na reconstrução do país. Desde 2004, comanda a Minustah, uma missão de paz das Nações Unidas que foi bem-sucedida em trazer um mínimo de ordem institucional. Tudo isso virou pó. Se a tarefa de fazer do Haiti um país viável já era um desafio, levantá-lo da ruína absoluta vai requerer um esforço sem precedentes do mundo inteiro.
Um catálogo de desgraças
Marcada por ditadores, a política haitiana produziu personagens como Papa Doc, o apelido de François Duvalier. Ele chegou à Presidência em 1957 e governou espalhando o terror. Sua milícia, formada por praticantes de vodu, massacrou a oposição e perseguiu a Igreja Católica. Eram os “voluntários da segurança nacional”, conhecidos no dialeto créole como tontons macoutes (bichos-papões). Após sua morte, em 1971, o filho Jean Claude Duvalier, o Baby Doc, assumiu a Presidência. Ele permaneceu no poder até 1985, tendo de se exilar na França após um golpe de Estado. Nas décadas seguintes, o principal político do país foi Jean-Bertrand Aristide, um ex-padre católico que presidiu o país em três períodos, entre 1991 e 2004. Em 1994, ele foi reempossado com o apoio de uma força multinacional liderada pelos EUA
“Ai, meu Deus! Tremeu de novo…”
A brasileira Cristina Bierrenbach Lima, de 45 anos, acompanhava um grupo de estudantes de antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em um trabalho de campo no Haiti. Ela estava na sede da ONG Viva Rio, um dos únicos lugares com acesso à internet em todo o país, no dia do terremoto. Em seu perfil no site de relacionamento Facebook, Cristina pediu ajuda para entrar em contato com a embaixada brasileira. Algumas horas depois, conversei com ela pelo Facebook. Por duas vezes, ela digitou, nervosa, que a terra estava tremendo de novo.
“A conservação é desenvolvimento”
As preocupações ambientais hoje estão todas mobilizadas pelo aquecimento global. Mas a degradação climática do mundo é apenas um dos sintomas de um desequilíbrio mais profundo, que também se mostra na taxa acelerada de extinção de espécies e no risco de desaparecimento de ecossistemas saudáveis, afirma o argelino Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da Convenção de Biodiversidade da ONU. A organização negocia um acordo global para pagar populações que preservam lugares com riqueza biológica, como florestas ou áreas costeiras. Em entrevista a ÉPOCA, ele diz por que acredita que um acordo será fechado na próxima reunião, em outubro, em Nagoya, no Japão. E por que a ONU declarou 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade.
Um alerta para a África do Sul?
O corpo de uma das vítimas do atentado em Cabinda é velado no Togo. Os separatistas lamentam ter matado “irmãos togoleses” Era esperado: dias depois de uma facção separatista de Angola metralhar o ônibus em que viajava a seleção do Togo para disputar a Copa Africana de Nações, porta-vozes do comitê que organiza o mundial na África do Sul convocaram a imprensa para explicar que o risco de algo parecido ocorrer em seu país é quase nulo. Acusando a mídia mundial de ignorância geográfica e preconceito na cobertura do incidente da sexta-feira 8 de janeiro, os sul-africanos lembraram que a Alemanha, sede do mundial de 2006, não foi questionada como um possível alvo de ações terroristas, apesar dos ataques em Londres meses antes da última Copa. “Angola está a milhares de quilômetros daqui”, disse o diretor executivo do Comitê Organizador da Copa do Mundo, Danny Jordaan. Por via das dúvidas, a segurança na África do Sul será reforçada – e as seleções da Alemanha e dos Estados Unidos anunciaram o envio de reforços para proteger suas equipes na Copa.
Isto É
O Tremor Que Matou Um País
Sete mil corpos já foram enterrados em valas comuns. Milhares de outros estão sob escombros ou empilhados pelas ruas da capital Porto Príncipe. Feridos e desabrigados caminham a esmo em busca de socorro. A água se tornou o bem mais precioso no Haiti arrasado por um terremoto com capacidade destrutiva equivalente à de 25 bombas atômicas. Com epicentro a apenas 15 quilômetros de Porto Príncipe, o fenômeno registrado às 16h53 locais da terça-feira 12 multiplicou uma miséria secular. No dia seguinte à catástrofe “inimaginável”, como definiu o presidente René Préval, ele mesmo foi encontrado na rua por uma equipe da rede americana CNN em aparente estado de choque. Préval sintetizou então o sentimento de uma nação: “Não tenho onde dormir.” No dia seguinte, Préval ajudou a enterrar os primeiros corpos resgatados dos escombros. Com um terço da população de nove milhões de habitantes atingido pela catástrofe, o Haiti virou um dos mais graves episódios de emergência humanitária da história.
As 100 Personalidades Mais Influentes No Brasil E No Mundo
Em um planeta que se globaliza a uma velocidade alucinante, torna-se cada vez mais difícil ser original – seja nas ideias e nos propósitos, seja na ação. Nas diversas áreas do conhecimento e da atividade humana, a originalidade, chave a animar a vida e a distinguir pessoas, cresce no quesito do mérito individual. Pois bem, como faz anualmente desde 2007, ISTOÉ novamente elege nesse ano que se inicia 100 personalidades – entre brasileiros e estrangeiros – às quais se pode dar o título de “mais influentes, tanto no Brasil quanto no mundo”. Esse nomes desfilam nas próximas 37 páginas. Homens e mulheres que se destacaram em seus campos de atuação ao longo de 2009, servindo o ano que passou como avalista de que continuarão se projetando – e “fazendo a diferença” – em 2010. Essas personagens estão divididas em sete grupos que – voltemos à realidade da globalização – se sobrepõem e interagem. São tênues as fronteiras entre aqueles que aqui são apresentados como “estrelas, “inovadores”, “ousados”, ídolos”, revelações”, “polêmicos” e “discretos”. Mas cada grupo e cada indivíduo traz a sua originalidade. É isso o que os diferencia. É isso que os faz os mais influentes.
Escrito Nas Estrelas
2010 será um ano em que o mundo passará por mudanças radicais. Para os astrólogos, o céu promete duras transformações na política brasileira, decisões inusitadas na economia e alternâncias profundas no poder. O início da nova década poderá ser resumido em apenas três palavras: cheio de surpresas. Na prática astrológica, é o ano de Vênus. O planeta benéfico que rege o amor, os relacionamentos, a harmonia, a estética e a beleza. Mas Vênus também convive bem com o outro, com o diferente, o oposto. De acordo com os presságios planetários, “será o início de uma década de sucessos, na qual estruturas antigas deverão ser eliminadas”, revela a astróloga Maggy Harrison. “Mesmo que não queiramos, as coisas vão mudar e isso pode deixar muita gente preocupada e tensa”, analisa. De olho nas eleições presidenciais de outubro, Istoé convidou quatro reconhecidos astrólogos para analisarem o futuro do Brasil. Afinal, milhões de brasileiros querem saber como estará a economia nos próximos meses. Quem deverá ocupar a cadeira que hoje pertence ao presidente Lula? E mais: O que os astros têm a dizer sobre Ciro Gomes (PSB), Dilma Roussef (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV)? Quais são os pontos fortes e fracos dos pretendentes da principal cadeira do País, a da Presidência da República?
O Passado Ainda Presente
Na quarta-feira 13, o presidente Lula convocou os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. A reunião tinha como objetivo acalmar os ânimos em torno de um decreto assinado pelo próprio Lula em dezembro, criando o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Por intervenção direta do presidente, o ponto mais polêmico foi, então, modificado: a chamada Comissão da Verdade, que investigaria crimes de tortura durante os anos de chumbo, teve suas atribuições revistas. O trecho sobre delitos de agentes da repressão política foi suprimido e um grupo de trabalho vai discutir como fazer a comissão funcionar sem arranhar a Lei de Anistia. “Esse negócio de punir os crimes da repressão política é um assunto para a Justiça, não é para o Executivo”, disse Lula. Poucas horas depois, as redes de tevê escancaravam para todo o Brasil que o absurdo da tortura não foi uma exclusividade da ditadura e que suas vítimas não se resumem à elite intelectual e política que hoje está no poder. Por meio de uma câmera de celular, parentes de Jerônimo Júnior, preso na cadeia municipal de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, a poucas centenas de quilômetros do gabinete presidencial, filmaram mais um caso de tortura no País. Além de pisar e dar tapas no rosto de Jerônimo, o agente penitenciário Kalil Araújo utilizou um saco plástico para asfixiar sua vítima, que desmaiou. Diante da barbárie registrada em vídeo, Araújo foi demitido e responderá a processo. Na maioria das vezes, no entanto, os agressores ficam impunes.
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