Época
O amigo invisível do Garotinho
Passava de 8 horas da noite da segunda-feira, dia 29 de abril, quando o deputado Anthony Garotinho subiu à tribuna da Câmara bufando. Líder do Partido da República (PR), ele precisava dar explicações convincentes aos colegas deputados e, principalmente, a seus eleitores do Rio de Janeiro. Dois dias antes, ÉPOCA revelara um esquema de desvio de dinheiro público que envolve a família Garotinho e o PR no Rio. Na tribuna, Garotinho saiu em defesa de uma empresa que tem negócios com seu gabinete na Câmara, com a prefeitura de Campos dos Goytacazes, comandada por sua mulher, Rosinha Garotinho, e com seu partido. Trata-se da GAP Comércio e Serviços Especiais, uma locadora de veículos próxima à família Garotinho. A sigla GAP reproduz as iniciais de seu dono, o empresário George Augusto Pereira. Documentos obtidos por ÉPOCA – reproduzidos abaixo – mostram que George Augusto não existe no mundo das pessoas de carne e osso. Num universo em que tantos escândalos trazem à tona laranjas, Garotinho inovou ao colocar em cena um fantasma. Como tantos garotinhos, o deputado do Rio de Janeiro tem um amigo invisível.
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A relação entre Garotinho e a GAP é antiga. Logo que tomou posse em 2011, ele alugou um carro da GAP, um Ford Fusion 2011, usando verba da Câmara. O automóvel estava destinado a seu uso pessoal em Brasília, durante o exercício da atividade parlamentar. Na mesma época, em junho de 2011, Wladimir Matheus, filho de Garotinho, destruiu contra um muro um Ford Fusion 2011, avaliado em R$ 80 mil. Era o mesmo carro alugado por Garotinho com dinheiro da Câmara? Segundo ele, não. Foi uma coincidência. Na ocasião, ÉPOCA procurou George Augusto por telefone. Em entrevista gravada, um homem que se apresentou como ele disse que emprestara o carro a Matheus e que nada cobraria do rapaz, por se tratar de “um amor de pessoa”. Afirmou ainda que o prejuízo com acidentes “fazia parte de seu negócio”. George Augusto parecia mesmo ser amigo da família, notadamente da prefeita Rosinha. A GAP tem um contrato milionário com a prefeitura de Campos para alugar ambulâncias ao município.
Nos papéis da Junta Comercial, George Augusto Pereira detém 99,8% das ações da GAP, cujo nome reproduz suas iniciais. As provas de que ele não existe são abundantes. ÉPOCA obteve cópia da carteira de identidade usada por George Augusto Pereira. O documento contém uma falsificação grosseira. De acordo com o Instituto de Identificação Félix Pacheco, o número do RG e a data de expedição da carteira não são de uma pessoa chamada George. Eles correspondem a uma mulher paraibana, de 48 anos de idade, moradora de um bairro pobre de São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Entrevistada por ÉPOCA, Josefa Gomes dos Santos Carvalho disse que não entende como outra pessoa pôde usar seu RG, pois nunca perdera o documento. George Augusto Pereira não tem RG – e esse não é o único papel que lhe falta. George tem caminhonetes de luxo e multas de trânsito, mas não carteira de habilitação. No último dia 6 de maio, ele completou 42 anos de idade, mas nunca tirou título de eleitor.
Uma coisa na vida de George é assombrosamente real: o dinheiro que irriga as contas da GAP. Para abrir uma conta no banco, George precisava de um CPF – e um CPF foi tirado, a partir do documento de identidade falso. O mesmo CPF aparece na sua declaração de Imposto de Renda. ÉPOCA obteve o documento relativo ao exercício de 2011, que informa uma renda anual de apenas R$ 23 mil – e não lista nenhum bem patrimonial. Se existisse, George seria um sonegador. Os ativos de sua empresa somam R$ 5,5 milhões, a GAP já recebeu R$ 32 milhões da prefeitura de Campos e ainda tem um contrato de R$ 15 milhões em vigor com o município. Nada disso está declarado. Em agosto de 2011, o Ministério Público do Rio apontou uma fraude na contratação da GAP pela prefeitura, com favorecimento na licitação e pagamento de valores superfaturados.
O aerotrem da alegria
Levy Fidelix sempre foi um homem audacioso. Há mais de 40 anos, achou que tinha futebol para suceder o maior ponta-direita de todos os tempos, Mané Garrincha. “Era conhecido por derrubar goleiro com a bola”, diz ele. Levy postulava a camisa 7 do Botafogo no final dos anos 1960. A carreira no Glorioso não prosperou – Levy desistiu ainda nas categorias de base –, e ele resolveu tentar a política, com um nível de ambição igualmente alto. Nas últimas duas décadas, Levy tentou de tudo. Foi candidato a vereador, vice-prefeito, prefeito (três vezes), deputado federal (três vezes), governador (duas vezes) e até presidente da República (duas vezes). Perdeu todas as eleições que disputou. Orgulha-se de duas coisas em sua vida política. Uma é o aerotrem, proposta recorrente de sua plataforma – veículo que, adotado em grande escala, resolveria o problema de transporte das grandes cidades, transformando a paisagem de nossas metrópoles em mangá japonês. Levy se jacta também de ser constantemente reeleito à presidência da sigla que fundou, o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB).
Essa segunda glória está sob suspeita. Seus próprios correligionários – e ex-correligionários – o acusam de pilotar uma espécie de aerotrem da alegria. Uma ação movida por integrantes do partido, na 12ª Vara Cível de Brasília, questiona a forma como Levy mantém o controle da legenda por quase duas décadas. Os integrantes do PRTB o acusam, entre outras coisas, de ter fraudado as últimas três eleições do diretório do partido para manter-se no comando do PRTB.
Em janeiro do ano passado foi realizada a última Convenção Nacional do PRTB, para eleger o diretório partidário. O mandato valeria entre 2012 e 2016, com recondução automática autorizada até 2020. Foi apresentada uma chapa única, fato habitual no partido, composta de 45 membros titulares. Como sói acontecer com chapas únicas, a de Levy Fidelix venceu. O tempo passou e, meses depois, em consulta ao site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), integrantes do PRTB descobriram um fato curioso. A chapa tinha 45 integrantes. Onze deles não constavam na lista de filiados ao partido no sistema FiliaWeb, do TSE – condição sine qua non para concorrer ao diretório. Uma 12ª segunda integrante era filiada a outra sigla, o Partido Progressista (PP): Lecy Araujo Fidelix. A mãe de Levy.
Espantados com o que haviam acabado de descobrir, eles decidiram cruzar informações relativas às eleições do diretório em 2004 e 2008. Descobriram que as práticas eram antigas – tanto apresentar integrantes sem filiação, quanto incluir parentes nas chapas. Cinco eleitos para o diretório, em 2004, não eram filiados ao PRTB, assim como sete dos que compunham a chapa vencedora em 2008. Em 2004, seis dos 12 integrantes da Comissão Executiva do partido eram parentes de Levy. Sua mulher, três filhos e dois primos integravam a Comissão. Os seis também compunham a Comissão eleita em 2008. Cinco deles constavam na que ajudou a pilotar o aerotrem, ou melhor, o partido, entre 2004 e 2008.
Os jantares do deputado Fabinho Liderança
O efeito do novo juiz do Supremo no julgamento do mensalão
Angelina Jolie é um bom exemplo contra o câncer?
Angelina Jolie não é uma mulher de meios-termos. Nunca foi. Na adolescência, pintava os cabelos de roxo, colecionava facas e gostava de se cortar. Nessa época, as tatuagens começaram a se espalhar por seu corpo. Em 1996, aos 21 anos, casou-se com o ator britânico Jonny Lee Miller usando uma camiseta branca, em que o nome de Miller estava escrito com o sangue dela. Não deu certo. Em seu segundo casamento, com o também ator Billy Bob Thornton, usava um frasco com o sangue dele pendurado no pesçoco. Não funcionou. O sucesso no cinema, que deslumbra e entorpece as personalidades, não teve esse efeito nela. Angelina continuou Angelina – e algo mais. Rompeu publicamente com o pai, o ator Jon Voight, que disse que ela tinha “problemas mentais”, e envolveu-se com trabalho humanitário na África e no Paquistão. Terminou embaixadora das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, adotou três crianças de três países diferentes – Camboja, Vietnã e Etiópia – e teve outras três com o ator Brad Pitt, seu atual marido, provavelmente o homem mais desejado do mundo. Linda e famosa, também provavelmente a mulher mais desejada do mundo, Angelina transformou sua vida num manifesto – foi eleita pela revista Forbes em 2009 como a celebridade mais poderosa do mundo. Em 20 anos de vida pública, conseguiu, nas palavras imortais de Steve Jobs, deixar uma marca no Universo.
Na semana passada, Angelina foi além. Num artigo escrito para o jornal americano The New York Times, revelou ter se submetido há alguns meses a uma cirurgia conhecida tecnicamente como mastectomia preventiva dupla. Por trás do nome complicado, havia uma revelação desconcertante: o maior símbolo sexual do planeta escolhera tirar os seios perfeitospara diminuir suas chances de desenvolver câncer de mama. Aos 37 anos. “Posso dizer aos meus filhos que eles não precisam temer me perder para a doença”, escreveu. Anunciar publicamente sua luta contra o risco de câncer – na tentativa de influenciar as decisões de outras pessoas sobre sua própria saúde – é seu gesto mais pretensioso. E controverso. “Quero encorajar cada mulher, especialmente as com casos de câncer de mama e ovário na família, a procurar informações e especialistas que possam ajudar a tomar decisões.”
IstoÉ
De doméstica a ministra
As discussões envolvendo a PEC das Domésticas, promulgada em abril pelo Congresso, colocaram luz sobre a atuação e a história de vida de uma ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Aos 60 anos, avó de três netos, Delaíde Miranda Arantes trabalhou nas pequenas lavouras do pai no interior de Goiás, foi empregada doméstica na adolescência e se tornou advogada aos 27 anos. No TST desde 2011, ela tem nas mãos 12 mil processos e o desejo assumido de ajudar pessoas com uma biografia semelhante à sua. Transformada em atração nacional depois da aprovação da emenda 72 – que regula o serviço doméstico –, seu gabinete virou um ponto de encontro de parlamentares, lideranças sindicais e assessores do Ministério do Trabalho interessados em debater a regulamentação da proposta. Na semana passada, entre uma audiência e outra, a ministra deu a seguinte entrevista para ISTOÉ:
ISTOÉ – A sra. foi empregada doméstica e ascendeu na carreira jurídica, em uma trajetória de superação que lembra a do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Como avalia a atuação do ministro?
Delaíde Miranda Arantes – Eu não sou Joaquim Barbosa. Temos essa coincidência de trajetórias, mas não penso como ele. Tenho respeito. E tenho o dever hierárquico de respeito, porque ele comanda o Supremo. Entretanto, ele faz críticas à magistratura que eu não faria, pois não contribuem para alterar nada no Judiciário, especialmente pela forma como ele faz. O presidente do Supremo também critica advogados. Preocupam-me as declarações que ele fez ao ministro Ricardo Lewandowski durante o julgamento do mensalão. Eu não critico um colega que vota diferente de mim. Não acho que tenho esse direito. Eu realmente tenho uma preocupação com a forma como ele fala e como se coloca.
ISTOÉ – Qual o problema desse comportamento?
Delaíde – A impressão que tenho é que o presidente do STF pode ter amargura no coração. Às vezes faz discursos duros contra tentativas de defesa de réus. A gente não sabe por que faz isso. Quem sabe Freud possa explicar.
ISTOÉ – A sra. tem alguma amargura pelo sofrimento que passou?
Delaíde – Nenhuma. Sou liberada, meu coração é livre. Quando me formei em direito, minha carteira foi assinada por um sindicato de trabalhadores com um salário bem pequeno. Fui fazer um cadastro para comprar roupa a crédito e a moça falou: “Olha quanto ela ganha, por isso eu não estudo.” Uma vez fui arrumar emprego em Goiânia e uma das moças que moravam comigo numa república disse que eu não poderia trabalhar em escritório porque não tinha roupas. Na verdade, eu tinha duas roupas, dava para enganar. Um dia usava uma. No outro, a outra.
ISTOÉ – Seu passado como empregada doméstica a transformou em uma interlocutora de diversos setores nas discussões sobre a PEC 72. Como a sra. vê essas discussões?
Delaíde – A discussão é saudável. O Congresso está preocupado com a multa de 40% em caso de demissão. Faz sentido. Uma empresa tem uma rubrica financeira para as despesas trabalhistas. Quando o empregador é uma pessoa física, isso fica mais complicado. É importante pensar na criação de um fundo com participação do poder público, mas não tenho uma fórmula. Haverá uma solução e acho que ela não demora.
Os segredos no túmulo de Jango
A exumação de João Goulart, decidida pela Comissão da Verdade, pode dirimir de uma vez por todas, 36 anos depois, as dúvidas sobre a morte do ex-presidente deposto em 1964
Dono de um coração reconhecidamente frágil, o ex-presidente da República João Goulart era o terror de qualquer cardiologista. Exilado na Argentina e no Uruguai, depois de deposto pelo golpe militar de 1964, Jango cultivava péssimos hábitos alimentares e teimava em contrariar todas aquelas recomendações médicas que prezam pelo bom funcionamento do sistema cardiovascular. Mesmo após se submeter a um cateterismo em 1969, razão pela qual passou a tomar diariamente um remédio sublingual – vasodilatadores que variavam entre Isordil e Carangor –, Goulart comia toda manhã um bife com ovo frito, combinação considerada uma bomba calórica para quem já ultrapassara os limites aceitáveis de colesterol. Viciado em cigarros, de preferência os da marca uruguaia Nevada, o ex-presidente ainda fumava dois maços por dia, rotina altamente contraindicada para quem convive com problemas cardíacos. Por todos esses motivos, o infarto fatal sofrido por Jango, aos 57 anos, na madrugada abafada do dia 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, não surpreendeu a belíssima esposa, Maria Tereza Goulart.
Jango dormia ao lado da mulher na estância La Villa, depois de comer churrasco de ovelha e beber uma xícara de chá, quando seu coração parou por volta das 2h45 e não voltou a funcionar mais. “Percebi que ele estava respirando de maneira esquisita. Gritei Jango, Jango, mas ele já não respondia”, contou Tereza em recente entrevista. Na ocasião, a família descartou a necessidade de autópsia. O clínico-geral, buscado em Corrientes – município situado a 15 km de Mercedes –, examinou o corpo e assinou o atestado de óbito: “Causa mortis: enfermedad”. Trinta e seis anos depois, porém, em uma decisão inédita na história do País, a Comissão Nacional da Verdade resolveu exumar, a pedido da família, o corpo do ex-presidente para elucidar as circunstâncias de sua morte. A exumação irá ocorrer no Cemitério Jardim da Paz, localizado no município gaúcho de São Borja, onde Jango está enterrado, e contará com a participação de peritos argentinos, uruguaios e russos, além de especialistas da Cruz Vermelha. A iniciativa foi motivada pelas suspeitas surgidas, desde a década de 1980, de que Jango teria sido envenenado em meio à Operação Condor – aliança entre órgãos de repressão política da Argentina, Bolívia, do Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil destinada a espionar, prender e até eliminar inimigos do regime.
As contradições de Freud
Depois de aproximadamente dois meses de investigações, a Polícia Federal em Minas Gerais concentra em Freud Godoy as apurações sobre um eventual uso de dinheiro do mensalão para o pagamento de despesas pessoais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A acusação foi feita pelo publicitário Marcos Valério ao procurador-geral da República em setembro do ano passado e deu origem a um novo inquérito. Freud, ex-assessor especial de Lula, é a pista mais relevante apresentada à Procuradoria. Além de um cheque de R$ 98,5 mil que a SMP&B, agência de Valério e principal duto dos recursos do mensalão, encaminhou para a Caso Sistemas de Segurança, empresa que pertence a Freud e a sua mulher, Simone Godoy, em janeiro de 2003, Freud recebeu, em março de 2004, um depósito de R$ 150 mil em dinheiro. A polícia aposta agora na quebra dos sigilos bancário e fiscal para tentar rastrear a origem e o destino desses recursos. Também vai submeter à perícia documentos que Freud venha a apresentar, como os contratos com o PT e com fornecedores da Caso Sistemas de Segurança.
Assédio no Itamaraty
Depois de muita resistência, a cúpula do Itamaraty decidiu afastar de seus respectivos cargos o cônsul-geral do Brasil em Sydney (Austrália), Américo Fontenelle, e seu adjunto, Cesar Cidade. A exoneração foi publicada na semana passada no Diário Oficial, por recomendação do Palácio do Planalto. Denunciados por assédio moral, sexual e até homofobia contra funcionários, os dois diplomatas, que se dizem inocentes, responderão a um processo administrativo disciplinar cuja conclusão deve sair em um mês. A medida, considerada rara num ambiente extremamente corporativista, tornou-se inevitável após a convocação do chanceler Antonio Patriota para prestar esclarecimentos à Comissão de Direitos Humanos do Senado. A audiência foi marcada para o dia 24 de junho. Até lá, Patriota espera já ter em mãos uma “resposta” para apresentar aos parlamentares. O objetivo é tentar mostrar que se tratou de um caso isolado e tentar pôr um ponto final à crescente onda de queixas de servidores que trabalham no Exterior.
A estratégia do ministro, porém, pode ter efeito limitado. O Sindicato dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), a Associação de Oficiais de Chancelaria (Asof) e a Associação dos Funcionários Locais do Serviço Exterior (Aflex) prometem levar à audiência uma lista com mais de uma centena de casos. Entre as denúncias, constam abusos e agressões e desrespeito às leis trabalhistas. As queixas têm origem especialmente no quadro de funcionários de apoio administrativo, como oficiais e assistentes de chancelaria, secretárias, motoristas e garçons, tratados pelos diplomatas como profissionais de nível inferior. Também estão na lista dos sindicalistas as queixas de que o Itamaraty não deposita fundo de garantia de trabalhadores contratados por embaixadas e consulados mundo afora. “As pessoas trabalham por anos, décadas, e ficam sem saber a quem recorrer na hora da aposentadoria”, afirma Lilian Maya, advogada da Aflex. Maya estima que existam mais de 3,5 mil funcionários contratados em representações brasileiras, mas o Itamaraty se nega a fornecer o número real.
Sonhadora e reacionária
Milhões de brasileiros admiram a trajetória da ex-senadora Marina Silva. De menina pobre e doente dos seringais do Acre à liderança ambientalista respeitada mundo afora, ela fez da defesa intransigente da ética um exemplo para a política. Mas a sonhadora Marina tem externado em diversas ocasiões recentes uma face surpreendentemente conservadora, capaz de constranger assessores e plantar a semente da dúvida na cabeça de eleitores fiéis. Na terça-feira 14, a porção reacionária da presidenciável veio à tona num debate na Universidade Católica de Pernambuco. Logo após defender com vigor seu “compromisso com o Estado laico”, a ex-senadora, evangélica, mostrou-se incomodada com a recente onda de protestos contra o deputado Marco Feliciano, também evangélico. Feliciano, como se sabe, assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos sob vaias de uma sociedade indignada com suas declarações homofóbicas e racistas.
Marina, no entanto, resolveu fechar os olhos para as evidências e diz agora que Feliciano foi atacado pelo simples fato de ser evangélico. “Tem uma discussão hoje no Congresso, potencializada inclusive por uma pessoa que foi para a Comissão de Direitos Humanos, o deputado Feliciano, que não tem tradição de defesa dos direitos humanos”, disse Marina. “Está sendo criticado por ser evangélico e não por suas posições políticas equivocadas. E aí a gente acaba combatendo um preconceito com outro”, afirmou a presidenciável. Segundo ela, se Feliciano fosse ateu, “não gostaria de dizer que as posições equivocadas dele eram porque ele era ateu”. O mesmo raciocínio, disse ela, valeria se ele fosse judeu ou espírita. Diante de uma plateia incrédula, a ex-senadora tentou suavizar a afirmação comparando o caso de Feliciano com o de Blairo Maggi, empresário da soja que assumiu a Comissão de Meio Ambiente do Senado. “O Blairo Maggi não deve ser criticado pelo fato de ser empresário, mas por não ter tradição de defesa do meio ambiente. A crítica ao Blairo e ao Feliciano é por suas posições políticas”, insistiu Marina.
De costas para o Brasil
Foi necessária uma articulação pesada, regada a promessas de liberação de emendas e negociações no fio do bigode, sacramentadas em votações que vararam madrugadas, para, finalmente, o Congresso brasileiro aprovar a medida provisória dos Portos. De maneira inacreditável, os parlamentares custaram a compreender o óbvio: os portos brasileiros não estão preparados para atender à crescente demanda do comércio exterior. Os gargalos portuários concorrem para minar a competitividade brasileira, levando à diminuição dos investimentos no País. Ao acionar a iniciativa privada para investir no setor, a partir da MP dos Portos, o governo reconheceu que o Estado não consegue controlar tudo e que precisa de ações de parceria para melhorar a logística nacional. Atualmente, o país ocupa a 130ª posição no ranking de qualidade dos portos, lista que considera 142 países. Nem mesmo os mais raivosos protestos da oposição contra o rolo compressor do Planalto na votação são capazes de bater os argumentos de que a aprovação da MP abre caminho para a redução do “custo Brasil”, com investimentos de até R$ 55 bilhões nos próximos quatro anos, e a consequente geração de 25 mil empregos diretos.
Uma das principais críticas ao novo marco, alardeada pelos parlamentares, foi a acusação de que se tratou de uma medida eleitoreira para agradar o empresariado às vésperas da corrida eleitoral de 2014. Mas a realidade é bem diferente. Este ano, a supersafra estampou a urgência de se criar mecanismos para desafogar a produção num momento em que o setor agrícola é o que sustenta a recuperação econômica. Em um ano, navios de carga chegam a ficar quase 80 mil horas parados nos terminais, aguardando a vez para desembarcar produtos. A espera gera um prejuízo de mais de R$ 240 milhões, custo acrescido como despesa do frete. E, para não amargar a perda, essa diferença é repassada ao consumidor, no preço da mercadoria.
Por que a base trai
Vista do terceiro andar do Palácio do Planalto, onde se encontra o gabinete de Dilma Rousseff, a aprovação da medida provisória que cria um novo marco regulatório para os portos brasileiros – essa passagem estratégica que acompanha nosso desenvolvimento desde o tempo de dom João VI – representa uma vitória maiúscula da presidenta. Ameaçada por uma rebelião de parlamentares que integram uma base de apoio teoricamente imensa, a MP foi debatida em menos de uma semana, numa guerra que assustou boa parte do governo. Na Câmara de Deputados, a votação levou 23 horas, uma das mais longas da história do Congresso, e produziu imagens inesquecíveis. Deputados foram fotografados enquanto dormiam em plenário. Também fizeram fila indiana para dividir um jantar na madrugada. Tarde da noite, um parlamentar chegou a ser conduzido de volta ao local de trabalho quando se encontrava levemente embriagado. Mas o placar final desfez falsas impressões geradas por tanta coreografia. Na Câmara, em razão de uma folgadíssima maioria a favor, a questão se resolveu por voto simbólico de lideranças. No Senado, o placar final foi de 57 votos a favor e 7 contra, além de cinco abstenções.
Do ponto de vista do Congresso, a menos de um quilômetro do Planalto, a decisão deixou outras revelações. Dilma possui a mais ampla base de apoio parlamentar que um governo já formou em períodos democráticos. Em 2010, quando assumiu a missão de eleger sua herdeira, Lula empenhou-se também em lhe deixar uma maioria confortável no Congresso, evitando movimentos traumáticos como a CPI do mensalão, que quase lhe custou o mandato, ou a extinção da CPMF, derrota que privou a saúde pública de um financiamento garantido em lei. No palanque, Lula definiu adversários a atingir e até pediu voto contra. A base de apoio de Dilma é 39% maior que a de Fernando Henrique Cardoso e um terço maior que a de Lula. Com 39 ministérios, o governo Dilma dá abrigo, com quantias variadas de riqueza, poder de emprego e de voto, a 20 partidos. Atualmente, a oposição nominal limita-se a 20% do Congresso.
A farsa boliviana
Em frente ao hotel Eden, na pequena Oruro, cidade a 3.700 metros de altitude, distante 230 quilômetros da capital boliviana, La Paz, há uma arborizada praça, a Plaza 10 de Febrero. Lá, em uma tarde ensolarada do mês passado, o advogado Jorge Ustarez Beltrán, figura de renome na cidade graças aos serviços prestados a senadores e ministros da Bolívia, colocou as cartas na mesa para o advogado brasileiro Sérgio de Moura Ribeiro Marques, contratado pelas famílias para defender os 12 brasileiros presos há três meses em Oruro. Os torcedores foram apontados como responsáveis pela morte do adolescente boliviano Kevin Beltrán Espada, de 14 anos, alvejado por um sinalizador quando assistia a uma partida de futebol entre Corinthians e San José em fevereiro. “Estou consciente de que os 12 não são culpados”, disse Beltrán, tio de Kevin que assessora juridicamente a família, ao advogado brasileiro.
Na praça, a conversa entre os advogados se desenrolou por cerca de uma hora. Nela, o tio de Kevin insiste para que ele e o colega brasileiro trabalhem juntos para libertar os torcedores do Corinthians. Dias depois, em mais uma hora de diálogo, agora em um restaurante, Beltrán abre o jogo de vez e pede dinheiro para contribuir com a soltura dos brasileiros. “Doutor, te digo com muita sinceridade. Se estamos buscando libertar os 12 torcedores, o caminho não é esse que estamos seguindo. Não é pela pressão política, não é um tema diplomático”, afirma. “Se não trabalharmos juntos, não iremos solucionar nem o problema da família de Kevin nem libertar os 12. Praticamente, o que propomos a vocês é acabar de vez com esse processo. Os familiares (do adolescente morto) buscam uma reparação material, civil, e isso poderia ser assumido pelo Corinthians.” Ou seja, ele deixa claro que o caminho a ser trilhado para a libertação dos torcedores não é o da Justiça, mas o do dinheiro.
ISTOÉ teve acesso aos diálogos mantidos nos dois encontros e que foram gravados por Marques sem que Beltrán soubesse. Neles, os dois advogados costuram o seguinte acordo: o tio de Kevin, segundo Marques, produziria uma petição na qual declararia, entre outros pontos, a inocência dos 12 brasileiros presos pela morte de Kevin. E – mais importante – revelaria que o adolescente boliviano encontrava-se de costas para o campo quando foi alvejado pelo sinalizador. Além de Beltrán, Beymar Jonathan Trujillo Beltrán, primo de Kevin e única testemunha ouvida (em uma declaração de apenas cinco linhas) sobre a morte dele, assinaria o documento que seria incorporado ao processo de investigação. Por ser uma declaração contundente de uma nova testemunha intimamente ligada ao adolescente morto, seria aberta uma grande possibilidade de libertação para os brasileiros. Apesar de não ter se pronunciado legalmente ainda, o tio de Kevin estava no jogo Corinthians e San José.
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