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As viagens de Cabral com o helicóptero oficial
Longe de ser uma prerrogativa do Legislativo, o uso e abuso da coisa pública é algo de que entendem perfeitamente governantes como, por exemplo, Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro. Ele costuma passar os fins de semana em sua casa em Mangaratiba com a mulher, os dois filhos, duas babás e Juquinha, o cachorrinho de estimação. O meio de transporte da turma é o helicóptero oficial do governo — um Agusta AW109 Grand New, que Cabral mandou comprar por 15 milhões de reais em 2011, depois de voar em um igualzinho, de propriedade de Eike Batista. Às sextas, o Agusta leva para Mangaratiba todo mundo, menos Cabral, e retorna ao heliporto do governo. No sábado, leva apenas Cabral e volta. No domingo, faz duas viagens: a primeira traz a família Cabral e a segunda, as empregadas — no que é chamado pelos pilotos de “voo das babás”. “Já levamos para Mangaratiba cabeleireira, médico, prancha de surfe, amigos dos filhos. Uma babá veio ao Rio pegar uma roupa que a primeira-dama tinha esquecido. Uma empregada veio fazer compras no mercado. É o helicóptero da alegria”, diz um piloto.
Durante a semana, Cabral usa o helicóptero todos os dias para ir trabalhar, ainda que seja de apenas 10 quilômetros a distância entre seu apartamento e o Palácio Guanabara — e de 7 a que separa o palácio do heliporto. O voo tem duração de três minutos. No mercado, o aluguel de um helicóptero desse tipo custa 9 500 reais a hora. Os gastos de Cabral com o equipamento ficam em cerca de 312 000 reais por mês, ou 3,8 milhões por ano. Em nota, sua assessoria informou que Cabral “usa o helicóptero do governo sempre que necessário para otimizar o seu tempo e cumprir todos os seus compromissos”. Na quinta-feira, a rua do governador voador foi ocupada por 400 manifestantes que empunhavam cartazes de “Fora, Cabral”. Naquele mesmo dia, VEJA testemunhou o helicóptero decolar mais uma vez para o palácio, como ele faz diariamente. Se Cabral viu o protesto, portanto, não entendeu sua mensagem. E assim caminham os políticos — ou melhor, voam.
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O Congresso pega no tranco
Congresso se acostumou, nos últimos anos, a trabalhar de costas para a sociedade. O aumento de gastos em benefício próprio, o retomo de Renan Calheiros à presidência do Senado e a eleição do pastor Marcos Feliciano, criticado por declarações consideradas homofóbicas e racistas, para comandar a Comissão de Direito Humanos da Câmara eram retratos perfeitos desse descompasso entre representantes e representados. A tomada das ruas pela população operou o milagre de mudar essa triste realidade.
Na semana passada, pressionados pelas manifestações populares, deputados e senadores resolveram atender — num furor legislativo até então desconhecido — a uma série de demandas dos eleitores. O Senado aprovou um projeto que transforma em crime hediondo a corrupção, além de aumentar as penas previstas para as diferentes formas de traficância realizadas no governo. do recebimento de propina à apropriação de verbas públicas. A Câmara foi mais longe. Uma de suas comissões aprovou o fim do voto secreto em processos de cassação, mecanismo que, no período democrático, serviu para livrar parlamentares do risco de perder o mandato.
Não é que funciona mesmo?
Desta vez, eles ouviram. Durante três semanas, brasileiros de todos os cantos do país saíram de casa para juntar-se nas ruas a outros brasileiros. Empunhando cartazes e gritando refrões, exigiram honestidade, transparência e eficiência dos políticos que ajudaram a eleger. Não foi a primeira ocasião em que esse grito ecoou. Mas desta vez ele foi tão forte que fez os poderosos pular da cadeira. Aturdidos, governantes, congressistas e magistrados puseram-se a trabalhar como nunca. Em poucos dias, anseios antigos dos brasileiros foram atendidos com uma disposição e uma celeridade jamais vistas. Esse súbito despertar de quem detém o poder fez surgir uma constatação e uma pergunta. A constatação e” que. afinal, era possível fazer. A pergunta é: por que, então, não fizeram antes?
O Dilema Rousseff
Nem quando Dilma tinha 1% das intenções de voto e sonhava com a Presidência da República o futuro parecia tão incerto. A presidente enfrenta seu pior momento em dois anos e meio de governo. Na economia, os sinais são perturbadores. A inflação aumenta, o crescimento diminui, o dólar sobe. O resultado imediato dessa combinação de maus indicadores é a elevação do grau de insatisfação dos eleitores com o governo e, por consequência, o encolhimento dos índices de aprovação da presidente. Dilma já vinha enfrentando essas intempéries quando pipocaram os primeiros protestos que cobravam dela e de todos os governantes respostas a uma pauta de reivindicações. As manifestações cresceram e se espalharam pelas ruas de norte a sul do país. Hora, então, de a líder reagir, de dar uma satisfação aos brasileiros, de mostrar que as instituições democráticas são fortes o suficiente para responder aos anseios da sociedade. A reação, porém, veio de uma maneira estapafúrdia, na forma e principalmente no conteúdo.
Orientada por Lula e pelo marqueteiro João Santana, a presidente chamou governadores e prefeitos das capitais ao Palácio do Planalto e armou um espetáculo digno do populismo tão presente nessa esquina sofrida do mundo chamada América Latina. Em vez de formar uma ampla frente de diálogo para ir ao encontro da nação, Dilma optou por seguir a surrada cartilha populista dos radicais petistas. Em uma fala transmitida ao vivo pela televisão, a presidente propôs a convocação de um plebiscito e de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. O anúncio revoltou até o vice-presidente, Michel Temer, que não havia sido consultado. Se Dilma tivesse ouvido seu vice, dialogado com seus convidados ou consultado o Congresso, teria desistido da ideia, por uma razão elementar: ela é absolutamente ilegal.
Carta Capital
As ruas empurram o poder
Sem foco, pobres de conteúdo, “moda”, desvirtuadas pela direita ou infiltradas por vândalos. É possível apresentar todo tipo de crítica às manifestações das últimas semanas, mas é inegável o efeito das ruas nos gabinetes da política. Se o tal gigante acordou, como diziam os cartazes em inúmeras cidades, foi para dar uma chacoalhada e tirar da letargia principalmente o Congresso Nacional. O recesso do meio do ano foi cancelado e os parlamentares entraram em um frenesi legislativo a ponto de aprovar medidas às pencas sem maiores reflexões a respeito de seus resultados.
Projetos de Lei e Propostas de Emendas Constitucionais que se arrastavam nas duas casas do Legislativo havia meses, anos até, saíram da gaveta. Para não ficar atrás no esforço cívico, o Supremo Tribunal Federal mandou prender o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), condenado em 2010 por peculato e formação de quadrilha. A presidenta Dilma Rousseff, após um pronunciamento em cadeia nacional, reuniu-se com líderes dos protestos em São Paulo, sindicalistas, representantes da sociedade civil, governadores, prefeitos de capitais e até integrantes da oposição. Lançou uma série de medidas e tenta dar forma aos desejos das ruas. Sua principal proposta é um plebiscito para definir as bases de uma reforma do sistema político e eleitoral.
É a hora do “quebra- queixo”
O luar começava a cair na Granja do Torto, a casa de campo que é uma das residências oficiais da Presidência da República, quando Dilma Rousseff passou ao vice, Michcl Temer, o comando da terceira reunião ministerial do atual governo, na segunda-feira 1o. Depois de ouvir auxiliares sobre economia, obras e Copa do Mundo, ela levantou-se da mesa e saiu da sala. Foi com surpresa que os repórteres viram-na entrar em um auditório onde aguardavam informações da reunião convocada às pressas pela manhã. Eram 18h55. Nos 35 minutos seguintes, a imprensa saberia das coisas pela voz da própria presidenta. Enquanto contava que o assunto principal era a reação do governo à onda de manifestações, Dilma disse: “Eu vou fazer muito quebra-queixo”.
Istoé
O Brasil tem metade dos médicos que precisa
No início do ano, uma pesquisa do Ipea realizada com 2.773 frequentadores do SUS, o Sistema Único de Saúde, indicou que o principal problema de 58% dos brasileiros que procuram atendimento na rede pública é a falta de médicos. Num País com cerca de 400 mil médicos formados, no qual pouco mais de 300 mil exercem a profissão, nada menos que 700 municípios – ou 15% do total – não possuem um único profissional de saúde. Em outros 1,9 mil municípios, 3 mil candidatos a paciente disputam a atenção estatística de menos de um médico por pessoa – imagine por 30 segundos como pode ser a consulta dessas pessoas.
Na segunda-feira 8, no Palácio do Planalto, a presidenta Dilma Rousseff assinará uma medida provisória e três editais para tentar dar um basta a essa situação dramática em que está envolta a saúde pública do País. Trata-se da criação do programa Mais Hospitais, Mais Médicos. Embora inclua ampliação de bolsas de estudo para recém-formados e mudanças na prioridade para cursos de especialização, com foco nas necessidades próprias da população menos assistida, o ponto forte do programa envolve uma decisão política drástica – a de trazer milhares de médicos estrangeiros, da Espanha, de Portugal e de Cuba, para preencher 9,5 mil vagas em aberto nas regiões mais pobres do País.
Na última semana, ISTOÉ teve acesso aos bastidores do plano que pode revolucionar o SUS. Numa medida destinada a responder aos protestos que entidades médicas organizaram nas últimas semanas pelo País, o governo decidiu organizar a entrada dos médicos estrangeiros em duas etapas. Numa primeira fase, irá reservar as vagas disponíveis para médicos brasileiros. Numa segunda fase, irá oferecer os postos remanescentes a estrangeiros interessados. Conforme apurou ISTOÉ, universidades e centros de pesquisa serão chamados a auxiliar no exame e na integração dos médicos de fora.
Não é só. Numa operação guardada em absoluto sigilo, o Ministério da Defesa também foi acionado para elaborar um plano de deslocamento e apoio aos profissionais – estrangeiros ou não – que irão trabalhar na Amazônia e outros pontos remotos do País, onde as instalações militares costumam funcionar como único ponto de referência do Estado brasileiro – inclusive para questões de saúde.
Passe livre aéreo
Foi uma bofetada na cara dos brasileiros a desfaçatez mostrada pelos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal e pelo ministro da Previdência nas últimas semanas. No momento em que as ruas eram tomadas por mais de um milhão de pessoas exigindo decência com o uso do dinheiro público, Renan Calheiros (PMDB-AL), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Garibaldi Alves (PMDB-RN) usaram três aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para voarem, na companhia de familiares e amigos. Renan foi a uma festa de casamento em Porto Seguro. Garibaldi e Henrique Alves viajaram ao Rio de Janeiro para torcerem pelo Brasil na final da Copa das Confederações.
No início do mês, Joaquim Barbosa, o presidente do STF, usou dinheiro do Judiciário para pagar a passagem de avião ao Rio de Janeiro, para assistir ao confronto entre Brasil e Inglaterra. Na semana que antecedeu à final da Copa das Confederações, Renan e Henrique Alves adotaram no Congresso o discurso da transparência e da austeridade para poder fazer frente aos gritos que vinham das manifestações em todo o País. O ministro Garibaldi defendia a rigidez nos gastos públicos e o presidente do STF, Joaquim Barbosa, pediu mais ética na política. Os quatro, no entanto, deixaram claro que não entenderam os recados populares e continuam brincando com fogo.
Enrolação com o plebiscito
Lançado no apogeu das manifestações, o projeto de uma reforma política popular atravessa um período de recesso. Após o alívio do clima quente das ruas, a base aliada desembarcou do projeto presidencial de ouvir a população sobre as mudanças necessárias no sistema de escolha dos representantes. O instinto de sobrevivência das legendas suplantou o espírito público redescoberto pela pressão dos protestos e os parlamentares se uniram na missão de empurrar para outubro de 2014 o plebiscito que poderia ser realizado em setembro deste ano. Para evitar a marca do descompromisso com a ira da população, o Congresso vai votar um arremedo de reforma política com os itens menos urgentes da pauta, deixando temas como financiamento público de campanha e reeleição para um plebiscito conjunto com o segundo turno das eleições do próximo ano.
A guerra dos Mundurukus
O mais novo oponente do governo federal na Amazônia não é de partido ou sindicato nem se organiza atrás de um movimento social. São os índios mundurukus, que somam mais de 13 mil e há séculos ocupam parte do Amazonas, do Pará e de Mato Grosso. Na historiografia, são descritos como guerreiros e por seu costume de cortar e mumificar a cabeça dos inimigos. Por isso, foram primeiro combatidos e depois utilizados pelo colonizador português para garantir a ocupação do interior da Amazônia. Mais tarde, durante os ciclos da borracha, sucumbiram à indústria seringueira e foram obrigados a deixar suas terras no interior para se juntarem aos rios, em particular ao Teles Pires, ao Juruena e ao Tapajós.
Hoje, mais de 240 anos após o primeiro contato com os brancos, é por esses rios que eles lutam. Os mundurukus querem ver garantido o direito consagrado na Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho e na Constituição de serem consultados antes do avanço das grandes obras de infraestrutura na Amazônia. Com isso, motivos para a crescente tensão com o poder público não faltam. O último relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, recém-divulgado pelo Conselho Missionário Indigenista (Cimi), esmiúça os episódios de brutalidade que eles vêm sofrendo. Mas o sangue guerreiro dos mundurukus não os deixa recuar.
Época
A pressa é inimiga da população
Depois dos protestos que se espalharam pelo país no mês passado, um mantra é repetido por políticos em Brasília: ouvir a voz das ruas. Como? O governo pensou na forma mais direta de fazer isso. A palavra “plebiscito” foi lançada pela presidente Dilma Rousseff, duas semanas atrás, em pronunciamento à nação durante uma reunião com governadores. “Quero neste momento propor um debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política”, afirmou Dilma. De lá para cá, o governo desistiu da ideia de uma Assembleia Constituinte e sugeriu que o Congresso convoque uma consulta sobre cinco aspectos do sistema político. Disse que gostaria de que as mudanças valessem já para as eleições de 2014. O vice-presidente Michel Temer recuou dessa opinião na quinta-feira, dia 4, mas voltou atrás no recuo. De toda a confusão, só uma ideia ficou: um plebiscito pode aplacar a angústia de centenas de milhares de manifestantes que praticamente paralisaram o país.
Costumes ainda do lado do crime
Em qualquer nação democrática que se preze, o combate à corrupção só é eficaz se calcado em três pilares: provas consistentes do crime, celeridade no julgamento e na execução da pena e punição financeira. Em outras palavras: uma polícia independente e preparada, uma Justiça ágil, escorada num arcabouço legal objetivo e uma Receita Federal forte.
Historicamente, há no Brasil uma antítese de tudo isso. Talvez mais frustrante ainda seja constatar o retrocesso em poucos avanços conquistados nos últimos anos. É o que se vê no governo da presidente Dilma Rousseff. A começar pela Polícia Federal (PF), que se tornou conhecida pelas grandes operações de combate à corrupção no governo do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro mandato de Lula, sob o comando do delegado Paulo Lacerda, o número de operações e prisões de autoridades pela PF disparou. Seu auge foi entre 2006, quando foram presas 2.673 pessoas (385 servidores públicos), e o primeiro semestre de 2007. Em maio de 2007, a PF deflagrou a Operação Navalha. Cerca de 400 policiais cumpriram 40 mandados de prisão preventiva e 84 mandados de busca e apreensão. Entre os alvos estava o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau.
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