ISTOÉ
A cruzada contra a guerra suja
Desde a manhã da segunda-feira 4, a rotina de sermões do pastor evangélico Manoel Ferreira foi radicalmente substituída por uma sequência interminável de reuniões políticas. A mais importante delas ocorreu na quarta-feira 6 à tarde. Trancado no gabinete de Gilberto Carvalho, no Palácio do Planalto, o líder religioso disse ao assessor do presidente Lula que a insistência da oposição em explorar a questão do aborto no segundo turno poderia minar a estratégia da campanha de Dilma Rousseff de discutir propostas concretas para o futuro do País. “Não devemos ficar presos a esse debate superficial que só atende a interesses obscuros”, afirmou Ferreira. O pastor foi convocado às pressas a Brasília para comandar o exército que saiu em defesa da candidatura de Dilma em meio à guerra suja alimentada, nos últimos dias, pelo PSDB na disputa à Presidência da República. Numa tentativa de desgastar a imagem de Dilma perante o eleitorado, os tucanos têm disseminado a tese de que a candidata do PT é a favor da descriminalização do aborto, das drogas e da união homossexual.
“É um debate fundamentalista”, disse o pastor à ISTOÉ. Para mudar a situação, o líder religioso sugeriu a Gilberto Carvalho uma série de medidas. A principal delas, o enterro, sem velório, do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). “Esse documento é o centro irradiador de toda a polêmica.” Presidente da Assembleia de Deus de Madureira e da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CNAD), corrente que congrega oito milhões de evangélicos, Ferreira é conhecido pelo carisma e pela capacidade de mediação. Deputado federal pelo PR do Rio, o pastor é amigo de Lula desde a eleição de 1994.
“Lula é o presidente mais sensível às demandas religiosas que o Brasil já teve”, defende Ferreira. Ele espera selar de vez a paz com as principais lideranças religiosas, católicas e evangélicas, num encontro na quarta-feira 13. Ao longo da semana passada, Ferreira telefonou para dirigentes da CNBB, da Igreja Universal, da Assembleia de Deus e dos movimentos carismáticos. A ideia é reuni-los com Dilma e o presidente Lula, a fim de convencê-los a apoiar a candidatura petista em troca de um compromisso definitivo sobre as principais demandas religiosas. Além do enterro do PNDH-3, Ferreira sugere o arquivamento do PL-122, que criminaliza a homofobia. Esse compromisso de Dilma com os segmentos religiosos seria consolidado numa nova versão da Carta ao Povo de Deus, como a divulgada por Dilma em agosto. O rascunho do texto será elaborado na segunda-feira 10, quando Dilma reunirá os coordenadores de campanha no hotel Brasília Imperial às 10h.
Essas iniciativas serão fundamentais para duas coisas: em primeiro lugar, esclarecer que Dilma, uma vez eleita, não interferirá no debate sobre aborto e outros temas sensíveis, que ficarão a cargo do Congresso. E, em segundo, focar a campanha no detalhamento do programa de governo e nas dife¬ren¬ças entre os projetos petista e tucano, especialmente a questão das privatizações e o marco regulatório do pré-sal. “Vamos priorizar aquilo que nos diferencia. Ontem, Serra defendeu fortemente as privatizações. Está ficando explícito quais são as diferenças. Esse é o debate do segundo turno. Eles são contra a ideia de fortalecer a Petrobras, o Estado, no processo de exploração do pré-sal”, disse na quinta-feira 7 o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Um homem ficha limpa
Aos 38 anos, o economista José Antônio Reguffe (PDT-DF) foi eleito deputado federal com a maior votação proporcional do País – 18,95% dos votos válidos (266.465 mil) no Distrito Federal. Caiu no gosto do eleitorado graças às posturas éticas adotadas como deputado distrital. Seus futuros colegas na Câmara dos Deputados que se preparem.
Na Câmara Legislativa de Brasília, o político desagradou aos próprios pares ao abrir mão dos salários extras, de 14 dos 23 assessores e da verba indenizatória, economizando cerca de R$ 3 milhões em quatro anos. A partir de 2011, Reguffe pretende repetir a dose, mesmo ciente de que seu exemplo saneador vai contrariar a maioria dos 513 deputados federais. Promete não usar um único centavo da cota de passagens, dispensar o 14º e 15º salários, o auxílio-moradia e reduzir de R$ 13 mil para R$ 10 mil a cota de gabinete. “O mau político vai me odiar. Eu sei que é difícil trabalhar num lugar onde a maioria o odeia. Quero provar que é possível exercer o mandato parlamentar desperdiçando menos dinheiro dos cofres públicos”, disse em entrevista à ISTOÉ.
IstoÉ – O que foi diferente na sua campanha para gerar uma votação recorde?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE – A campanha foi muito simples, gastei apenas R$ 143,8 mil. Não teve nenhuma pessoa remunerada, não teve um comitê, carro de som, nenhum centavo de empresários. Posso dizer isso alto e bom som. Foi uma campanha idealista, da forma que acho que deveria ser a política. Perfeito ninguém é. Mas honesta toda pessoa de bem tem a obrigação de ser. Não existe meio-termo nisso. Enfrentei uma campanha muito desigual. Só me elegi pelo trabalho como deputado distrital.
O que o sr. fez como deputado distrital?
Abri mão dos salários extras que os deputados recebem, reduzi minha verba de gabinete, eliminei 14 vagas de assessores de gabinete. Por mês, consegui economizar mais de R$ 53 mil aos cofres públicos, um dinheiro que deveria estar na educação, na saúde e na segurança pública. Com as outras economias, que incluem verba indenizatória e cota postal, ao final de quatro anos, a economia foi de R$ 3 milhões. Se todos os 24 deputados distritais fizessem o mesmo, teríamos economia de R$ 72 milhões.
O sr. pretende abrir mão de todos os benefícios também na Câmara Federal?
Na campanha, assumi alguns compromissos de redução de gastos. Na Câmara, vou abrir mão dos salários extras de deputados, como o 14º e o 15º, que a população não recebe e não faz sentido um representante dessa população receber. Não vou usar um único centavo da cota de passagens aéreas, porque sou um deputado do DF. Não vou usar um único centavo do auxílio-moradia. É um absurdo um deputado federal de Brasília ter direito ao auxílio-moradia. Vou reduzir a cota interna do gabinete, o “cotão”, e não vou gastar mais de R$ 10 mil por mês.
As novas forças da política
Qualquer que seja o resultado da disputa presidencial, novas lideranças vão exercer papel de destaque na política nacional nos próximos anos. Embora não representem necessariamente uma novidade na cena política, os tucanos Aécio Neves (MG), Antonio Anastasia (MG), Geraldo Alckmin (SP) e Aloysio Nunes Ferreira (SP), o peemedebista Sérgio Cabral (RJ), o socialista Eduardo Campos (PE) e os petistas Tarso Genro (RS), Lindberg Farias (RJ) e Jaques Wagner (BA) emergem como atores importantes nesse novo mapa político brasileiro.
“Eles passam a ocupar o pódio dos líderes nacionais. Necessariamente terão de ser ouvidos daqui para a frente e serão importantes nas costuras para as próximas eleições”, diz o sociólogo Antônio Lavareda. É como se houvesse uma troca de guarda de gerações. Saem de campo personagens antigos da política como Marco Maciel (DEM-PE), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Heráclito Fortes (DEM-PI) e Arthur Virgílio (PSDB-AM), aposentados pelos eleitores, e entram os políticos do novo século. “Podemos dizer que o século XXI da política começou agora. Quem deu as cartas no século XX ficou para trás”, atesta Lavareda.
Para onde vai Marina?
Ao repudiar de forma preventiva a proposta de quatro ou cinco ministérios que os tucanos ofereceram ao Partido Verde (PV), a senadora Marina Silva não só rejeitou o fisiologismo como também mostrou o caminho que vai tomar daqui para a frente. Será o caminho da coerência com tudo que ela apresentou aos eleitores durante sua campanha à Presidência. “Quem estiver oferecendo cargo não entendeu nada do que as urnas disseram”, advertiu a senadora. A sinalização poderá representar ainda mais. Se Marina decidir manter coerência também com sua trajetória política, naturalmente estará muito mais próxima do pensamento do governo Lula do que dos tucanos. Até mesmo analistas internacionais já anotaram esse possível desfecho. O jornal “Le Figaro”, por exemplo, porta-voz da direita francesa, ressaltou durante a semana que a tendência natural será a aproximação de Marina com o PT. “A maioria dos dirigentes do Partido Verde apoiaria José Serra, em nome das alianças regionais costuradas entre os dois partidos. Mas um tal gesto de Marina seria julgado como uma traição à esquerda”, ressaltou o conservador “Le Figaro”. Seria também uma traição às origens políticas
da senadora.
Marina já demonstrou que não pretende ficar refém dos interesses do PV. Dentro do partido, as críticas da senadora ao voraz apetite verde por cargos provocou reações. O comando do partido, de olho em prováveis empregos, chegou a ameaçar, na quinta-feira 7, com uma rebelião. Num encontro convocado às pressas, cerca de 20 membros da cúpula do PV se declararam desrespeitados por Marina e começaram a discutir estratégias para apoiar Serra de qualquer jeito. A ação dos dirigentes do PV acaba, porém, fechando as portas da neutralidade para Marina. A partir de agora, não se posicionar no segundo turno significaria, na prática, corroborar a adesão fisiológica do partido aos tucanos. No entanto, Marina sabe que dos 20 milhões de votos que recebeu das urnas, certamente não mais de 4% são atribuídos à influência do PV, que elegeu apenas 15 deputados federais. Levando isso em conta, ela não está disposta a se submeter a uma minoria depois do enorme sucesso eleitoral conquistado.
Na contramão do PV, Marina já enumerou também suas prioridades que, não por acaso, se aproximam das que são defendidas por Dilma Rousseff. Um exemplo é a questão que envolve a independência do Banco Central (BC). Enquanto o tucano José Serra fala em subordinar o BC ao ministro da Fazenda, Marina, já na campanha, adotou uma linha mais liberal, defendendo a autonomia da instituição. Outras questões de fundo aproximam Marina das bandeiras do PT, seu antigo partido. A senadora não cansou de ressaltar, mesmo quando ainda participava do embate eleitoral, que o governo Lula foi o que mais criou políticas públicas voltadas para a erradicação da miséria e a sustentabilidade socioambiental. Reconhece ainda que à frente do Ministério do Meio Ambiente teve apoio do presidente para reduzir o desmatamento da Amazônia e aumentar as áreas de preservação ambiental.
Com o apoio de Lula, Marina levou ao Conselho Monetário Nacional a resolução que vincula critérios de sustentabilidade à liberação de recursos ao agronegócio. “A Marina participou dos dois programas de governo do PT, em 2002 e 2006, e o partido conservou os núcleos de meio ambiente que ela alimentava”, disse à ISTOÉ o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila. “Suas ideias não são novas no PT e poderão ser mais rapidamente executadas num governo Dilma.” Assim, D’Ávila considera natural a aliança da senadora com a ex-ministra da Casa Civil.
Uma difícil mudança para Serra
O presidenciável José Serra (PSDB) está fazendo um esforço concentrado para remodelar sua campanha presidencial. Primeiro, juntando forças: logo depois de ter o nome confirmado para o segundo turno das eleições, Serra passou a escalar os aliados – vitoriosos ou não nas urnas – para a articulação política nos Estados. De olho no eleitorado de Marina Silva (PV), também adotou um novo slogan: Serra é + Brasil, em verde e amarelo. Tanto o verde quanto o sinal “+” são referências à campanha da candidata do PV, cujo slogan no primeiro turno era Sou + Marina. No discurso, de modo oportunista, o tucano passou a apostar cada vez mais na exaltação dos valores cristãos e da família, tentando se aproveitar de restrições que os eleitores evangélicos teriam contra a candidata do PT. Para reformar sua imagem, entre outras mudanças arquitetadas para apresentá-lo como um candidato “do bem”, haverá o “Serrinha”, um boneco inflável que deve participar de caminhadas e aparecer no horário político eleitoral. Por trás de todas essas mudanças, no entanto, Serra continua o mesmo de sempre. Até o fantasma do velho fisiologismo já começou a rondar sua campanha, com a oferta de cargos e postos importantes em troca do apoio do PV.
Na quarta-feira 6, Serra reuniu cerca de 200 aliados no Centro de Convenções Brasil XXI, em Brasília. O encontro de três horas foi uma espécie de grito de guerra, uma forma de mobilizar os aliados para a segunda fase da campanha e de distribuir tarefas nos Estados. Nos bastidores, discutiu-se como conquistar os votos antes destinados a Marina. Senador eleito pelo PSDB, Aloysio Nunes Ferreira (SP) lembrou os pontos em comum entre os tucanos e os verdes. “A lei de mudanças climáticas que aprovamos no governo Serra é um exemplo para o mundo”, afirmou Ferreira. “E o PV faz parte da nossa base de apoio na Assembleia.” Mais enfático, o deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM, partido do candidato a vice da chapa encabeçada pelo PSDB, sugeriu a Serra que o presidenciável direcione seus discursos a um grupo de eleitores em particular. “É óbvio que o eleitor evangélico e o católico levaram a eleição para o segundo turno”, disse Maia.
Último a discursar no encontro em Brasília, Serra já estava em sintonia com a sugestão de Maia e apelou para transformar o sensível tema do aborto no ponto central do debate político brasileiro. Cometeu, porém, o que em psicanálise se chama ato falho. “Nunca disse que sou contra o aborto, porque sou a favor do aborto”, afirmou Serra. “Ou melhor, nunca disse que era a favor do aborto, porque sou contra o aborto”, corrigiu em seguida o presidenciável. O aborto também foi um dos itens citados em panfleto distribuído entre aqueles que participaram da reunião de cúpula tucana, dando dicas para uma campanha anti-Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência da República. Entre outras instruções, o panfleto recomendava uma visita ao site do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, que leva o nome do fundador da Tradição, Família e Propriedade (TFP), uma organização radicalmente conservadora. “Divulgue esta informação através das redes sociais da internet (blogs, Orkut..)”, sugeria o panfleto. Por meio de sua assessoria, o PSDB informou que o panfleto não foi produzido pela coligação que lidera, não integra o material oficial da campanha e que a sua distribuição foi feita sem a autorização do partido.
“A batalha de São Paulo” (Octávio Costa)
Na noite de domingo, com seu staff, e durante toda a segunda-feira em contato com governadores eleitos da base aliada, Dilma Rousseff tinha uma pergunta na ponta da língua: “O que aconteceu em São Paulo?” Não só fi cou surpresa com a virada tucana como cobrou de todos melhor desempenho no segundo turno no maior colégio eleitoral do País. Ali estão em jogo 29,8 milhões de votos ou 22,4% do total. Comenta-se no PT que um dos motivos do mau resultado foi a divisão do PMDB paulista, legenda do candidato a vice, Michel Temer. Agora, sem Orestes Quércia no caminho, os petistas esperam que Temer dê uma contribuição maior em São Paulo.
A política é bela! (Zeca Baleiro)
O filme “Baarìa – A Porta do Vento”, do italiano Giuseppe Tornatore, foi lançado no Festival de Veneza deste ano e está em cartaz nos cinemas brasileiros. Embora tenha sido alvo de duras críticas, como um filme indigesto, longo e confuso, e mesmo que não seja o melhor filme de todos os tempos, é um belo filme, como já não se produz mais – épico e amoroso, político e sentimental, grandioso. Guarda parentesco com “Amarcord” e “1900”, clássicos dos conterrâneos Fellini e Bernardo Bertolucci. Com o primeiro, tem em comum o tom memorialista e delirante, ao contar, através dos olhos e sentimentos de um menino, a dura vida na Baghería (Baarìa em dialeto regional), uma aldeia da Sicília. O tom de registro histórico, que mostra as transformações políticas da Itália desde o surgimento do fascismo, a eclosão da Segunda Guerra e o fortalecimento do Partido Comunista, faz dele um primo de segundo grau do filme de Bertolucci, que é um retrato mais cru e cruel da história do país desde o início do século XX até sua metade, passando pela ascensão de Mussolini até o fim da guerra.
Entre todas as belas e plásticas cenas do filme “Baarìa”, entre todas as tocantes e passionais histórias lá contadas, a passagem que mais me chamou a atenção – e, por que não dizer, me comoveu de fato – foi a cena em que o pai do personagem protagonista Peppino está moribundo na cama à espera do filho, que naquela altura lançara sua candidatura a um cargo político pelo Partido Comunista. Toda a família e a vizinhança estão em redor do velho senhor, aguardando ansiosamente a chegada do filho político, orgulho da família pobre. Em certo momento o irmão de Peppino, temendo que o pai se vá sem ver o filho pela última vez, fala algo como: “Ele já virá, pai, está ocupado demais com a campanha…”. Ao que o pai responde, com fervor idealista: “É, filho, a política é bela! A política é bela!”… Depois de certo suspense, enfim Peppino chega à casa paterna e abraça o pai que o esperava para partir. E então o pai morre.
O que há de tão belo nessa cena banal? Há a fé, de alguém que passou por tantas intempéries e dores – desde o terror de uma guerra e privações como a fome até a liberdade roubada pelo regime fascista e a submissão aos mafiosos donos da cidade –, a fé comovente na política como elemento transformador da realidade, a serviço de ideais nobres, com propósitos éticos, libertadores, como agente do bem coletivo. Transpondo a cena para os tempos cínicos de hoje, a fala do pai de Peppino soaria no mínimo ingênua. Há hoje quase uma cobrança da sociedade aos incautos crédulos, aos que ainda creem na política. É como se fosse um pecado, uma pureza imperdoável alimentar a fé nas instituições e discursos políticos, nas plataformas dos candidatos, na verdade de suas falas…
Há uma semana o povo foi às urnas eleger presidente, governadores, senadores e demais parlamentares. Mas foi pela obrigação do voto, sem paixão, sem fé nem vontade. Nunca ouvi tanta gente falando em votar nulo como neste ano. Seria simplório (e óbvio) dizer que a falta de ânimo do povo com a política é responsabilidade dos políticos, de sua cara de pau e ganância sem fim, suas corrupções e desmandos, sua falta de escrúpulos e seu descaso para com o sofrimento e as faltas do povo. Nem por isso deixa de causar estranheza o desinteresse do eleitor com a matéria, com o futuro político e econômico da nação. Talvez estes tempos de luta insana pela sobrevivência e de evasão virtual favoreçam um certo silêncio – e omissão – da população. O que torna cada vez mais improvável que a fala do personagem de Tornatore caiba um dia em nossas bocas sem esperança.
O Brasil na guerra do dólar
Rostinhos bonitos nunca foram o forte das reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em que se debatem os rumos das finanças globais. Até a semana passada. A atriz Anne Hathaway (“O Diabo Veste Prada”), a supermodelo Christy Turlington e o ator Pierce Brosnan (007) apareceram em Washington para dar apoio às iniciativas do Banco Mundial envolvendo meninas adolescentes de países pobres e a biodiversidade. Mas, apesar das boas intenções e dos sorrisos hollywoodianos, o ambiente continuou pesado na capital americana. O clima nos quartéis-generais do FMI e do Banco Mundial, na rua 19, é de guerra. Desta vez, o conflito é cambial.
O confronto tomou conta do debate econômico de vários países logo na segunda-feira 4, quando o ministro Guido Man¬tega (Fazenda) anunciou medidas para amenizar a forte entrada de dólares no Brasil e usou, pela primeira vez, a expressão “guerra cambial”. Nela, cada um luta como pode para evitar a valorização de suas moedas diante do dólar e, assim, manter a competitividade de suas próprias exportações e favorecer a indústria nacional. “Vários países estão tomando medidas em relação ao câmbio. Ninguém está dormindo em serviço. Cada um está defendendo os seus interesses e a tendência é de que os países desvalorizem suas moedas”, explicou Mantega.
Nas últimas semanas, Japão, Suíça, Austrália e Coreia do Sul também armaram seus canhões para tentar manter a taxa de câmbio sob controle. A China tem segurado a moeda desvalorizada para azeitar sua máquina exportadora, a mais voraz do mundo. O diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, aderiu ao vocabulário militar para criticar a ofensiva de quem, a seu ver, deveria se render na guerra cambial, especialmente a China. “Muitos países consideram suas moedas como armas, e isso certamente não é bom para a economia global”, afirmou.
Mantega e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, também vieram a Washington para explicar suas políticas e marcar posição. O governo brasileiro dobrou o imposto cobrado sobre investimentos estrangeiros em aplicações de renda fixa, para 4%. Na quarta-feira 6, autorizou o Tesouro a comprar dólares para pagar a dívida externa que vence em até quatro anos. Com isso, tentou frear a entrada de aplicações especulativas e aumentou em US$ 10,7 bilhões o poder de intervenção oficial no mercado cambial. O BC tem comprado dólares diariamente para amenizar o impacto da enxurrada de investimentos sobre a taxa de câmbio.
Um nobel sem paz
Parece uma provocação, e é mesmo. A entrega do Prêmio Nobel da Paz ao ativista chinês Liu Xiaobo, na sexta-feira 8, foi um recado claro ao regime de Pequim, que tem se beneficiado das liberalidades do sistema econômico mundial, mas resiste a abrir-se para a democraciaz. Aliás, a China não é a única destinatária das mensagens do Comitê Nobel. O prêmio de Literatura, anunciado um dia antes, parou nas mãos do escritor peruano Mario Vargas Lhosa, que, apesar da vasta obra, virou persona non grata entre a esquerda latino-americana após defender o neoliberalismo. A mesma esquerda que hoje se identifica com governos autoritários como o da Venezuela de Hugo Chávez. O presidente do Comitê Nobel, Thorbjoern Jagland, declarou que a China, hoje a segunda maior economia, deve assumir “mais responsabilidades” por causa de seu cada vez mais importante papel no cenário internacional. “Nas duas últimas décadas, Liu Xiaobo foi um grande porta-voz em favor dos direitos fundamentais na China”, declarou Jagland.
Primeiro cidadão chinês a receber o prêmio, o ativista de 54 anos é um ex-professor de literatura que passou os últimos 20 anos entrando e saindo das prisões chinesas por defender reformas democráticas. Foi detido pela primeira vez durante a repressão aos protestos do movimento estudantil na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em junho de 1989. Xiaobo voltou a ser preso em 2008, por ter sido um dos dez mil signatários da Carta 08, uma petição formulada para exigir reformas políticas no regime comunista. Em dezembro de 2009, o dissidente foi condenado a 11 anos de prisão por “subversão”. O julgamento provocou uma onda de protesto pelo planeta.
A reação indignada de Pequim, que bloqueou as notícias sobre o Nobel na internet, ajudou a respaldar o reconhecimento a Xiaobo. Em entrevista coletiva na Turquia, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, nem sequer respondeu às perguntas de jornalistas. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Ma Zhaoxu, emitiu uma nota alegando que “Liu Xiaobo é um criminoso condenado pelo sistema judiciário chinês”. Em tom bastante duro, disse que a concessão do Nobel “é uma perversão” que vai “deteriorar” as relações entre China e a Noruega. O embaixador norueguês em Pequim foi convocado ao ministério para ouvir as queixas. Mas o chanceler norueguês, Jonas Gahr Stoere, prevê um efeito negativo, caso haja uma reação diplomática mais hostil. O Nobel da Paz é atribuído todos os anos pelo Comitê Nobel em Oslo, composto por cinco pessoas indicadas pelo Parlamento norueguês e conta com o auxílio de consultores. Os demais prêmios são concedidos pelo comitê em Estocolmo, Suécia.
CARTACAPITAL
Coligação lança manifesto para combater guerra suja contra Dilma
O presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), José Eduardo Dutra, anunciou nesta quinta-feira (7) que a coligação de apoio à candidatura da ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, lançará uma espécie de manifesto para combater o que os aliados dilmistas classificam como “guerra suja” por parte de adversários e do candidato tucano ao Palácio do Planalto, José Serra.
“Esse manifesto faz uma análise do primeiro turno e contém uma avaliação de como deve ser a discussão do segundo turno, que vai balizar a ação política da militância dos partidos que apoiam Dilma”, disse Dutra, após reunião da Executiva do PT, em Brasília. “Temos uma proposta que vamos apresentar a todos os partidos que é um manifesto chamando a militância para neste segundo turno vencer as eleições, para evitar e repelir esta verdadeira guerra suja que está sendo feita por alguns setores, tentando inclusive colocar temas religiosos como centro de uma disputa eleitoral. Nós achamos isso muito ruim para o Brasil, até porque o Brasil é um Pais que se caracteriza pela tolerância, que se caracteriza pela pluralidade”, afirmou.
A primeira versão do documento salienta esta questão. E diz que “é importante que nas ruas, nas escolas, nas fábricas e nos campos a voz da mudança se faça ouvir mais fortemente do que a voz do atraso, da calúnia, do preconceito, da mentira, dos privilégios”.
No documento, além de combater os ataques moralistas contra Dilma, os partidos trarão uma comparação entre os dois projetos de governo, modelos de desenvolvimento das gestões Lula e Fernando Henrique Cardoso e apontarão questionamentos sobre as privatizações dos anos 90, a dependência de programas do Fundo Monetário Internacional e sobre o marco regulatório do pré-sal, que mudou o sistema de concessão para o sistema de partilha de produção de campos de petróleo.
Dilma, mostre que é de briga (trecho de editorial – Mino Carta)
As reações de milhares de navegantes da internet envolvidos na celebração dos resultados do primeiro turno como se significassem a derrota de Dilma Rousseff exibem toda a ferocidade – dos súditos de José Serra. Sem contar que a pressa de suas conclusões rima sinistramente com ilusões. Escrevi ferocidade, e não me arrependo. Trata-se de um festival imponente de preconceitos e recalques, de raiva e ódio, de calúnias e mentiras, indigno de um país civilizado e democrático. É o destampatório de vetustos lugares-comuns cultivados por quem se atribui uma primazia de marca sulista em relação a regiões- entendidas como fundões do Brasil. É o coro da arrogância, da prepotência, da ignorância, da vulgaridade.
É razoável supor que essa manifestação de intolerância goze da orquestração tucana, excitada pelo apoio maciço da mídia e pelos motes da campanha serrista. Entre eles, não custa acentuar, a fatídica intervenção da mulher do candidato do PSDB, Mônica, pronta a enxergar na opositora uma assassina de criancinhas. A onda violeta (cor do luto dos ritos católicos) contra a descriminalização do aborto contou com essa notável contribuição. Ocorre recordar as pregações dos púlpitos italianos e espanhóis: verifica-se que a Igreja Católica não hesita em interferir na vida política de Estados laicos. Não são assassinos de criancinhas, no entanto, os parlamentares portugueses que aprovaram a descriminalização do aborto, em um país de larguíssima maioria católica. É uma lição para todos nós. Dilma Rousseff deixou claro ser contra o aborto “pessoalmente”. Não bastou. Os ricos têm todas as chances de praticar o crime sem correr risco algum. E os pobres? Que se moam.
A propaganda petista houve por bem retirar o assunto de sua pauta. É o que manda o figurino clássico, recuar em tempo hábil. Fernando Henrique Cardoso declarava-se ateu em 1986. Mudou de ideia depois de perder a Prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros e imagino que a esta altura não se abstenha aos domingos de uma única, escassa missa. Se não for o caso de comungar.
(…)
CartaCapital está com Dilma Rousseff porque é a chance da continuidade e do aprofundamento das políticas benéficas promovidas pelo presidente Lula. E também porque o adágio virulento das reações tucanas soletra o desastre que o Brasil viveria ao cair em mãos tão ferozes.
P.S. Bem a propósito: a demissão de Maria Rita Kehl por ter defendido na sua coluna do Estado de S. Paulo a ascensão social das classes mais pobres prova que quem constantemente declara ameaçada a liberdade de imprensa não a pratica no seu rincão.
“A imprensa é livre, o que não quer dizer que é boa”, diz Franklin Martins
O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, acredita ser “ideologização” as opiniões contra a proposta do governo para regulação da mídia observadas como risco à liberdade de imprensa no país. Franklin comentou que “neste governo, publica-se o que quiser. A imprensa é livre, o que não quer dizer que é boa”, segundo informações do O Estado de S. Paulo.
Em visita à Europa para conhecer experiências de regulação do setor, o ministro disse que o governo deve apresentar um ante-projeto de regras para mídia entre novembro e dezembro deste ano, sujeito à aprovação do próximo presidente eleito. Franklin afirmou que deixará seu cargo no fim do ano. Segundo ele, a ideia do governo é que a fiscalização sobre o conteúdo da mídia seja responsabilidade de uma agência reguladora. “Tem que ter produção regional, produção independente, produção nacional, tem que ter certas regras de equilíbrio”, comentou.
O impasse sobre o projeto é “fazer as pessoas entenderem que a regulação faz bem para todo mundo”, seguindo exemplos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Martins aponta que o desenvolvimento de novas tecnologias e a convergência de mídias necessitam regras atualizadas, que superem as normas em vigor desde 1962. Ele acredita que a regulação é importante para manter o poder de mercado da radiodifusão, com faturamento de R$ 13 bilhões em 2009 ante R$ 180 bilhões do setor de telefonia. “As empresas de radiodifusão serão atropeladas”, disse.
O ministro descartou a hipótese de um “tribunal da mídia” e afirmou ser favorável à auto-regulaçao do setor, desde que haja regras já estabelecidas. A participação de capital estrangeiro em empresas brasileiras do setor não é discutida no projeto. Com passagem por Londres e Bruxelas, Frankiln confirmou a presença de entidades da França, Espanha, Portugal e Estados Unidos no seminário sobre meios eletrônicos agendado para os dias 09 e 10/11, em Brasília.
E por falar em censura…
A liberdade de expressão é um direito universal ou só de uma casta? O Estado de S. Paulo, ao que parece, escolheu a segunda opção. O mesmo jornal que informa diariamente aos seus leitores o número de dias que está supostamente sob censura, decidiu enviar ao gulag a colunista Maria Rita Kehl.
Renomada psicanalista, ela mantinha coluna regular aos sábados no jornal. Até que no dia 2 de outubro ousou publicar um artigo intitulado “Dois pesos”. Passados quatro dias, Rita Kehl recebeu um aviso: sua coluna seria extinta. Surpresa, pediu reconsideração. Mais surpresa ainda, deu-se conta de que o assunto já corria pela internet como rastilho de pólvora. Na quarta-feira 6, ela estava demitida e o assunto era um dos mais comentados pela rede. No dia seguinte, chegou a ocupar o topo da lista dos mais falados pelo Twitter no mundo e manteve a liderança entre os brasileiros.
Para compreender o ocorrido é inevitável ler o texto. É um libelo contra o preconceito disseminado pela internet e comum entre a “minoria branca”, durante as semanas finais de campanha eleitoral. Com a percepção aguçada de psicanalista, desmontava as “correntes” que descreviam “casos verídicos” a comprovar que os programas sociais do governo federal formavam seres vagabundos e incapazes de votar de forma qualificada.
Com argumentos irretocáveis, Rita Kehl concluía seu artigo: “Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos”.
O diretor de conteúdo do Grupo O Estado de S. Paulo, Ricardo Gandour, afirmou à imprensa que não houve censura, mas revezamento de colunistas. Entendemos que o Estadão, como empresa particular, tem o direito de escolher quem escreve em suas páginas. Fica acertado, porém: o jornal paulista não deve mais se valer do epíteto de publicação independente ou pluralista.
Na Idade Média
Em 3 de outubro, um domingo, os brasileiros acordaram cedo, votaram, decidiram democraticamente pelo segundo turno das eleições presidenciais e foram para a cama no século XXI. Mas acordaram no dia seguinte em plena Idade Média, com a religião e o aborto no centro do debate político. Como a eleição termina no dia 31, em pleno Halloween,nas redes sociais a candidata do PT, Dilma Rousseff, passou a ser tratada por seguidores de José Serra, do PSDB, como uma bruxa a quem será preciso queimar. O clima inquisitorial, patrocinado não só por evangélicos, como chegou a se publicar, mas também por alas conservadoras da Igreja Católica, é estimulado pelos tucanos e democratas, que pretendem focar a campanha no tema.
Quando o Brasil foi dormir naquela noite, o aborto era uma questão séria de saúde pública. Realizado clandestinamente, é o responsável por 15% das mortes maternas no País, a quarta causa de óbito de mulheres durante a gestação. São realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) mais de 180 mil curetagens por ano, grande parte delas causada por abortos malsucedidos. De acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília, mesmo proibido por lei, uma em cada cinco brasileiras com menos de 40 anos expeliu do corpo um feto por vontade própria.
Ao acordar na segunda-feira 4, o brasileiro deparou-se com a notícia de que esse grave problema havia se transformado num trunfo para tentar mudar o resultado das eleições, nas mãos de religiosos e políticos conservadores. Uma trama foi urdida nos subterrâneos do catolicismo mais arcaico para prejudicar a candidata Dilma Rousseff, retroalimentada pelos adversários eleitorais. A própria mulher do candidato José Serra, Mônica, chegou a dizer a um evangélico no Rio de Janeiro, em meados de setembro, que a petista “gosta de matar criancinhas”. Impossibilitados de atingir as classes mais baixas com algum halo de programa de governo, democratas e tucanos apelam para o aborto e para a religião em busca dos votos da classe C.
A manada pula a cerca
Nas últimas semanas formou-se um consenso no mercado financeiro internacional em torno das distorções cambiais crescentes que se acumulam desde setembro de 2008. E dos efeitos colaterais desse desequilíbrio sobre o comércio mundial, ao valorizar exageradamente algumas moedas nacionais, como no caso do real, ao mesmo tempo que turbina a capacidade exportadora de outras, destaque para a China, cujas autoridades monetárias se encontram na berlinda graças ao controle exercido sobre o yuan.
Ainda que com menor visibilidade, os bancos centrais dos EUA, da União Europeia e do Japão também entraram na mira dos analistas. Suas atuações teriam o efeito de inflar ainda mais a liquidez internacional, ao optarem por manter suas taxas de juros próximas de zero por tanto tempo.
No caso brasileiro, o Ministério da Fazenda deu um sinal de que sua ofensiva não será apenas retórica, como alguns críticos apontaram, desde que Mantega aumentou o tom das críticas em torno da cotação da moeda brasileira. Na segunda-feira 4, e para se contrapor ao apetite estrangeiro, o governo decidiu dobrar o imposto cobrado do capital que vem ao Brasil para ser aplicado em renda fixa, de olho no rendimento dos títulos da dívida pública brasileira, que pagam até cinco vezes mais aos aplicadores do que seus equivalentes dos mercados desenvolvidos.
VEJA
Faltam 5 milhões
A uruguaia Maria Cristina de Castro era uma jovem sindicalista e simpatizante do Partido Socialista quando se apaixonou pelo brasileiro Tarzan de Castro, militante de esquerda exilado em Montevidéu. Corriam os primeiros anos da década de 1970. Os regimes militares no Brasil e no Uruguai, logo em seguida, adernavam em suas horas mais sombrias, determinados a caçar quem lhes fizesse oposição. “Nos conhecemos no camburão”, contou Cristina de Castro a VEJA, numa entrevista há duas semanas. Em 1970, Cristina de Castro e o companheiro fugiram para o Brasil. Pouco tempo depois, no entanto, a polícia estourou o esconderijo dos dois. Presa e acusada de atividades subversivas, a uruguaia acabou transferida para o presídio Tiradentes, em São Paulo. Lá, veio a conhecer a companheira de guerrilha que, 30 anos depois, mudaria os destinos de sua vida: Dilma Vana Rousseff, presa por militância no grupo de extrema-esquerda VAR-Palmares. Conta Cristina de Castro: “Dividíamos um beliche na mesma cela. Partilhávamos tudo, nossa intimidade. Ela se tornou uma grande amiga”. Dilma a apelidou carinhosamente de “Tupamara”, referência ao Tupamaros, grupo guerrilheiro que desafiava a ditadura militar uruguaia.
Finda a temporada na cadeia, cada uma seguiu seu caminho. Em 2003, quando Lula assumiu a Presidência da República, a companheira de cela de Cristina virou ministra de Minas e Energia. Dilma se lembrou da Tupamara, que morava em Goiânia e militava no PT. “Dilma me chamou para trabalhar diretamente com ela”, disse Cristina de Castro, que foi nomeada assessora especial no gabinete da amiga. Não se sabe o que credenciou a uruguaia a ocupar um cargo tão relevante e estratégico quanto esse – a não ser a “grande amizade” com a candidata petista à Presidência. Dilma deixou a pasta de Minas e Energia em 2005 para ocupar a chefia da Casa Civil. Cristina de Castro continua ali até hoje. Já viajou seis vezes ao Uruguai com as despesas custeadas pelos brasileiros que pagam impostos.
Os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) e técnicos do Ministério de Minas e Energia, porém, acusam Cristina de Castro de conduta imprópria que vai muito além, em volume de dinheiro, do que viajar ao país natal por conta dos cofres nacionais. As suspeitas dizem respeito a um contrato de 14 milhões de reais, dos quais 5 milhões podem ter sido desviados. O caso remonta ao primeiro ano do governo, quando Dilma baixou uma portaria concedendo “plenos poderes” para que a amiga coordenasse a modernização da área de informática da pasta. O que fez a assessora? Em vez de elaborar um plano, montar um projeto e licitar os serviços e produtos necessários, Cristina de Castro entregou tudo ao CPqD – fundação privada com sede em Campinas, que, até as privatizações dos anos 90, pertencia ao sistema Telebrás. Essa fundação faz pesquisas e presta serviços de informática. O CPqD recebe milhões de reais por ano de fundos públicos e tem reconhecida competência em muitas áres de atuação. Não obstante, a fundação CPqD é uma das que mais trabalho dão aos auditores do TCU. Em outubro de 2003, a assessora uruguaia assinou o contrato de 14 milhões de reais, sem licitação, com aquela fundação.
O dinheiro foi pago, mas deu tudo errado – ao menos para o contribuinte. Os serviços não foram inteiramente prestados. O pagamento sim, esse foi integralmente entregue. O TCU apontou um rosário de ilegalidades no contrato. Não se cumpriram os mais elementares requisitos formais. O plano de modernização, que deveria servir de fundamento para uma posterior licitação dos serviços, foi produzido pelo próprio CPqD. Segundo o TCU, a pasta deveria ter feito licitação. Houve um pagamento de 4,8 milhões para a criação de um “sistema de acompanhamento”, que nunca entrou no ar.
Escreveram os auditores: “O mencionado sistema encontra-se abandonado, sem qualquer serventia”. Diante do descalabro, em 2005 os técnicos recomendaram a aplicação de multa à assessora Cristina de Castro. Auditores internos da pasta corroboraram a existência das ilegalidades. O resultado da sindicância, contudo, morreu nas gavetas da assessoria jurídica do ministério. Quem era a chefe desse setor, quando Dilma era ministra? Erenice Guerra, que dispensa apresentações.
Marina Silva, a noiva do segundo turno
Marina Silva perdeu ganhando. Derrotada no primeiro turno, a ex-candidata do PV tornou-se a protagonista desta largada do segundo turno. Mais do que o apoio de Marina – ela sinaliza opção pela neutralidade -, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) lutam para conquistar o eleitorado da verde. A tarefa é desafiadora pelo tipo de voto recebido por Marina na primeira rodada das eleições: o voto de opinião.
Apesar de formarem um grupo heterogêneo, que vai de conservadores evangélicos a jovens descolados, os marineiros têm características em comum. Escolheram Marina por conta de sua figura, trajetória e propostas, de forma desvinculada do PV – o que dificulta ainda mais a vida de Dilma e Serra. O apoio do partido, que tende para o tucano, não implica no apoio dos eleitores de Marina.
Os marineiros sentem-se pouco à vontade para escolher entre os dois candidatos. Queriam, de fato, Marina presidente. Para ganhar a confiança deles, Dilma e Serra terão, antes, de entendê-los. “Não se pode tratar esses eleitores como idiotas”, alerta Roberto Romano, professor de Filosofia Política e Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Justamente porque as pessoas pensam, teremos segundo turno.”
Para Romano, Marina atraiu os eleitores por ter passado uma imagem ética e verdadeira, aliada a um discurso amplo, com argumentos políticos, econômicos e sociais, sem nunca esquecer o ponto de partida: a questão ambiental. “Dilma é extremamente dura, Serra tende à racionalidade. Marina irradia emoção”, avalia o professor. Além disso, a votação de Marina mostra um eleitorado cansado da dicotomia PT versus PSDB, em busca de uma terceira via.
ÉPOCA
A fé entrou na campanha
A religião não é um tema estranho às campanhas políticas no Brasil. A cada par de eleições, o assunto emerge da vida privada e chega aos debates eleitorais em favor de um ou outro candidato, contra ou a favor de determinado partido. Em 1985, o então senador Fernando Henrique Cardoso perdeu uma eleição para prefeito de São Paulo depois de um debate na televisão em que não respondeu com clareza quando lhe perguntaram se acreditava em Deus. Seu adversário, Jânio Quadros, reverteu a seu favor uma eleição que parecia perdida. Quatro anos depois, na campanha presidencial que opôs Fernando Collor de Mello a Lula no segundo turno, a ligação do PT com a Igreja Católica, somada a seu discurso de cores socialistas, fez com que as lideranças evangélicas passassem a recomendar o voto em Collor – que, como todos sabem, acabou vencendo a eleição.
Esses dois episódios bastariam para deixar escaldado qualquer candidato a um cargo majoritário no país. Diante de questões como a fé em Deus, a posição diante da legalização do aborto ou a eutanásia, ou o casamento gay, o candidato precisa se preparar não apenas para dizer o que pensa e o que fará em relação ao assunto se eleito – mas também para o efeito que suas palavras podem ter diante dos eleitores religiosos. Menosprezar esse efeito foi um dos erros cometidos pela campanha da candidata Dilma Rousseff, do PT. Nos últimos dias antes da eleição, grupos de católicos e evangélicos se mobilizaram contra sua candidatura por causa de várias declarações dela em defesa da legalização do aborto. Numa sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, em 2007, Dilma dissera: “Olha, eu acho que tem de haver a descriminalização do aborto”.
Em 2009, questionada sobre o tema em entrevista à revista Marie Claire, ela afirmou: “Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública”. Finalmente, em sua primeira entrevista como candidata, concedida a ÉPOCA em fevereiro passado, Dilma disse: “Sou a favor de que haja uma política que trate o aborto como uma questão de saúde pública. As mulheres que não têm acesso a uma clínica particular e moram na periferia tomam uma porção de chá, usam aquelas agulhas de tricô, se submetem a uma violência inimaginável. Por isso, sou a favor de uma política de saúde pública para o aborto”.
Tais declarações forneceram munição para uma campanha contra Dilma que começou nas igrejas, agigantou-se na internet e emergiu nos jornais e na televisão às vésperas do primeiro turno. Foi como se um imperceptível rio de opinião subterrâneo se movesse contra Dilma. Esse rio tirou milhões de votos dela e os lançou na praia de Marina Silva, a candidata evangélica do PV. Segundo pesquisas feitas pela campanha de Marina, aqueles que desistiram de votar em Dilma na reta final do primeiro turno – sobretudo evangélicos – equivaleriam a 1% dos votos válidos. Embora pequeno, foi um porcentual que ajudou a empurrar a eleição para o segundo turno, entre Dilma e o candidato José Serra, do PSDB. Mais que isso, a discussão sobre a fé e o aborto se tornou um dos temas centrais na campanha eleitoral.
Na TV, Dilma e Serra falam em Deus
A volta do horário eleitoral à televisão nesta sexta-feira (8) mostrou o tamanho da preocupação de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) com a polêmica acerca do aborto que surgiu às vésperas do primeiro turno e que monopoliza o debate no início da campanha do segundo turno. Em ambos os programas, citações a Deus tiveram grande espaço.
Dilma abriu o programa “agradecendo a Deus pela dupla graça” e em seguida afirmou que quer “fazer uma campanha, antes de tudo, em defesa da vida”. A candidata apareceu conversando com uma família beneficiada pelo programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida e surgiu segurando um bebê no colo. O programa do PT abriu espaço para os diversos aliados que foram eleitos ou reeleitos para governos estaduais e para o Senado e incluiu entre eles Marcelo Crivella (PR-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, e Delcídio Amaral (PT-MS), segundo quem Dilma “tem amor a Deus”.
No fim do programa, a apresentadora faz um alerta sobre os perigos da internet e Dilma afirma que está sendo vítima de uma campanha de calúnia disseminada por uma “corrente do mal”, e pede que os eleitores respondam aos e-mails com uma “mensagem de amor”, criando uma “corrente do bem”.
O programa tucano seguiu pela mesma linha. Destacou trechos do discurso de Serra após o primeiro turno e, em um deles, o ex-governador de São Paulo dizia que faria um governo “com Deus no peito”. Na segunda metade do programa, o PSDB levou ao ar imagens com uma série de mulheres grávidas e disse que Serra faria um governo respeitando “valores cristãos e a democracia”. Também ficou claro no programa de Serra de conquistar os eleitores da terceira colocada Marina Silva (PV). O logo “Serra 45” tinha o fundo inteiro verde (a cor do PV) e não mais verde e amarelo, as cores do Brasil que costumavam aparecer durante o primeiro turno.
“Marina conquistou pelo discurso cristão e conciliador”
“Marina conseguiu levar a eleição para o segundo turno com um discurso cristão, não evangélico”. A afirmação é do governador reeleito do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em entrevista à ÉPOCA. Apesar da forte aliança entre Cabral e o presidente Lula, muitos eleitores do governador votaram na candidata do PV, Marina Silva, que chegou em segundo lugar no Rio com expressivos 31% do total de votos válidos no estado.
“Ela conquistou gente do Posto 9 à Assembleia de Deus”, disse Cabral, referindo-se aos jovens que frequentam a faixa mais moderna da praia de Ipanema e também aos eleitores religiosos e conservadores. O governador Sérgio Cabral identificou em Marina uma característica que enxerga nele mesmo: a de buscar a conciliação, o não-enfrentamento. Cabral é um político muito mais de amizades particulares do que rigidamente partidárias. “Marina passou a imagem de alguém que quer desarmar espíritos. É o mesmo jeito meu, do presidente Lula e (do senador eleito) Aécio (Neves)”.
Bem humorado, apesar das muletas que ainda é obrigado a usar por causa de uma operação no joelho, ele elegeu a pacificação do Rio sua maior prioridade e cantarolou o hino da PM. Imitou o jeito incisivo de Dilma falar nas reuniões. Para Cabral, ela é “gestora”, “executiva”, “competente” e mais uma dezena de adjetivos. Apesar dos elogios a sua candidata, diz estar convencido de que Serra não se vingaria do Rio caso fosse eleito pois “esse não é seu estilo”. Lembrando os bastidores da pré-campanha, Cabral revela que fez de tudo para levar Aécio para o PDMB, de onde sairia o candidato de Lula, mas a tentativa não deu certo.
A todo momento usando um iPad para checar informações, recomendar sites, verificar estatísticas, o governador diz que não quer voltar ao Senado ou às câmaras de deputado. Sobre querer ser presidente um dia ou, quem sabe, tornar-se vice futuramente de Lula, disse que essas candidaturas são “contingências do destino”, que escapam a seu desejo.
Lula “vai desencarnar depois que Dilma for eleita”, afirmou Cabral. “Só de honoris causa ele tem mais de 50 para receber no mundo inteiro, que ele deixou para receber depois da presidência, deve ter uma imensa agenda internacional. Ele, que marcou a história como o primeiro operário presidente do Brasil, pensou: agora vou botar uma mulher no comando”.
Gisele e Dilma entre as 100 mais poderosas do mundo
Dilma Rousseff e Gisele Bündchen são as representantes brasileiras na lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo publicada pela Forbes. A candidata do PT à Presidência ficou em 95ª, atrás da supermodelo gaúcha, em 72ª. A primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, lidera a lista. Michelle ocupa o posto mais alto devido a sua grande popularidade entre os americanos e a seus esforços por reduzir a obesidade infantil. Segundo os responsáveis pela lista, Michelle é mais envolvida que Laura Bush, mas não se envolve com enfrentamentos como Hillary Clinton. Pressões da primeira-dama levaram empresas como Coca-Cola e Kellogg’s a reduzirem as calorias de seus produtos.
A segunda mulher mais poderosa do mundo segundo a Forbes é a americana Irene Rosenfeld, diretora executiva do grupo alimentício Kraft Foods. Rosenfeld comanda a Kraft, maior empresa alimentícia com sede nos EUA, desde de 2006 e apareceu em sexta na lista de 2009.
A lista segue com a apresentadora Oprah Winfrey, a chanceler alemã Angela Merkel e a secretária de Estado americana Hillary Clinton. Do mundo do showbusiness se sobressaíram Lady Gaga (7ª), a atriz Angelina Jolie (21ª), Madonna (29ª), a modelo e apresentadora Heidi Klum (39ª) e a atriz Sarah Jessica Parker (45ª).
PF mira computadores de Erenice e da Casa Civil
A Polícia Federal (PF) quer ter acesso aos arquivos do computador da ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra. O delegado titular do inquérito que investiga a suspeita de tráfico de influência envolvendo a ex-ministra e os filhos dela, Israel e Saulo Guerra, também já decidiu que vai chamar Erenice para depor. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o delegado Roberval Vicalvi já encaminhou ao Ministério Público Federal (MPF) o pedido de autorização da Justiça para ter acesso e “espelhar” o computador da ex-ministra. A procuradora Luciana Martins deve dar parecer favorável ao pedido e encaminhar a solicitação ao juiz nesta sexta-feira (8) ou no início da próxima semana. A PF também vai pedir a prorrogação do inquérito.
O espelhamento é a copiagem de todos os arquivos armazenados na máquina que servia à então ministra na Casa Civil. Logo depois da demissão de Erenice, no dia 16 de setembro, o interino da pasta, Carlos Eduardo Esteves Lima, assinou no primeiro dia no cargo uma portaria abrindo sindicância para investigar as suspeitas sobre um grupo de funcionários, a começar pelo assessor Vinícius Castro, que era sócio de Israel Guerra nos negócios dentro da máquina federal. A comissão não tem poderes para investigar a ex-ministra. Erenice pediu demissão depois que o empresário Rubnei Quícoli denunciou a tentativa de cobrança de propina numa operação em que ele representava a empresa ERDB junto ao BNDES no pedido de um empréstimo de R$ 9 bilhões para a construção de uma usina de energia solar no Nordeste.
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