O cronista Severino Francisco, aqui de Brasília, diante da insensatez da proposta de criação em plena crise econômica de um fundão eleitoral de 3,6 bi pelos bravos “representantes do povo” (assim mesmo, entre aspas), escreveu: “As campanhas eleitorais devem ser pautadas pelo valor das idéias e não pelos jingles, as jogadas dos marqueteiros, as mentiras repetidas milhares de vezes. Não tem grana? Ótimo, a política só tem a ganhar com a escassez de aparatos de comunicação e com a ênfase nas propostas”. Severino Cangaceiro acertou na mosca.
Quinze anos atrás, num artigo enviado para um pequeno grupo de leitores, eu fazia uma defesa do marketing político, onde atuei por muitos anos. Provei o champanhe da vitória e bebi o fel da derrota. Conheço esse troço. No texto, do qual saquei alguns trechos que transcrevo abaixo, eu até jogava contra o patrimônio, ao propor mudanças para baratear as campanhas. Minha opinião não mudou. Proporia tudo outra vez.
O marketing é inocente
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“Em primeiro lugar, é preciso anotar e nunca mais esquecer que nicação, sobretudo a tevê. O marketing não tem culpa do que é. Até porque sempre existiu, desde que o neandertal matou o leão à vista do resto do grupo para mostrar quem era o bambambam da tribo. E está em toda parte, por exemplo, na menina que põe o vestido mais bonito para conquistar aquele rapaz. Ela nem sabe, mas está fazendo marketing. Cristo falava na planície? Não: escolhia o monte mais alto, para ampliar a audiência. O nome disso, embora alguns torçam o nariz, é marketing. O cristianismo criou um símbolo espetacular: simples, claro, reprodutível e compreensível universalmente – a cruz – até hoje imbatível como logomarca. Isto também é marketing. O candidato Jesus Cristo é um sucesso absoluto, haja vista a avassaladora votação que vem recebendo desde que, há 2 mil anos, apresentou seu programa de governo para os homens de boa vontade. Na antiga Grécia, um pouco antes d’Ele, já existia a técnica da campanha de rua, com mensagens como a encontrada num muro das ruínas de Pompéia: “Vote em Publius Furius. Ele é boa pessoa. Só os ladrões votam em Vatia”.
Hitler intensificou o uso das imagens, com aqueles espetáculos do exército em ordem unida, e inaugurou, via Goebells, o cinema de propaganda, antecessor do horário eleitoral gratuito. Portanto, xingar o marketing e o marqueteiro é burrice. Mas é possível propiciar um espetáculo cívico e contribuir para a boa prática do jogo democrático, reduzindo drasticamente os custos das campanhas.
Fim do horário eleitoral?
Fosse legislador, a primeira coisa a propor seria o fim do horário eleitoral (que de gratuito não tem nada) para candidatos proporcionais. Que fossem buscar votos na rua, em contato direto com o povo, olho no olho. E que o financiamento das campanhas se desse com acompanhamento rigoroso, punições rápidas e drásticas. Limitaria rádio e tv exclusivamente às campanhas para cargos executivos (presidente, governador, prefeito). Daria prioridade a debates nos horários nobres. Determinaria a formação de redes locais ou nacionais para sua transmissão, realizados sob normas definidas pela justiça eleitoral. Salvo em caso de doença ou situações excepcionais, a participação nos debates seria obrigatória. Nada de se esconder para não se expor. E tornaria obrigatória a apresentação de programas de governo.
Para evitar a manipulação pelos mais abastados, definiria um padrão para a propaganda no rádio e na tv, onde a apresentação do currículo do pretendente ao cargo e suas credenciais fosse quesito obrigatório. Com um detalhe: tudo ao vivo. Nada de meninas bonitas ou locutores de voz aveludada: só o candidato poderia falar e aparecer. Olho no olho do eleitor. Sem jingles bonitinhos nem criancinhas sorridentes”.
(Internet? Sim, à vontade e sem restrições, acrescento hoje. Pela razão muito simples de que a internet é território livre e indomável. E assim deve continuar a ser).
Cristo foi marqueteiro dele mesmo
“Provavelmente os marqueteiros ganhariam menos dirigindo campanhas nesse formato. Mas, com certeza, a democracia seria melhor exercida. Fora do que propus, talvez a única alternativa seja desinventar o rádio e a televisão, eliminar todos os publicitários e marqueteiros e apagar qualquer vestígio das campanhas anteriores, para evitar a tentação de começar tudo de novo.
Mas, escuta aqui: e o que fazer com a memória planetária de um tal de J. Cristo, autor de uma das mais vitoriosas campanhas publicitárias da história? Que campanha, heim? Chega dá inveja. Entra milênio e sai milênio e o cara não sai da moda. Talvez pelo programa de governo sintético e preciso, contido no slogan: ‘Amai-vos uns aos outros’ (gênio!). Nem o Duda nem o Nizan (e acrescento hoje, 15 anos depois: nem o João Santana, marqueteiro do PT que paga um xilindró ao lado da mulher, aquela do chiclete), seriam capazes de uma sacada assim. Difícil vai ser encontrar um candidato disposto a dar a vida pela causa, como J.C. fez. Isto sim, é ter confiança no eleitorado. Puxou ao pai”.
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