Guillermo Rivera
Crítico implacável do governo no Senado, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) trocou esta semana o discurso ferino que desfere há quase três anos contra o Planalto por uma ameaça inédita ao presidente Lula. "Se alguma coisa acontecesse com minha família eu seria capaz de bater na cara do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou de qualquer outra pessoa", disse na segunda-feira ao denunciar, da tribuna, que sua família estava sendo ameaçada em Manaus.
A mudança no tom do discurso do líder do PSDB no Senado indica a elevação do termômetro da crise política em Brasília. A confirmação pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de que houve caixa dois no PT e a publicação da denúncia, pela revista Veja, de que o partido recebeu dinheiro de Cuba em 2002 fizeram com que os oposicionistas ressuscitassem o fantasma do impeachment.
Um fantasma que Virgílio diz preferir ver rondando Lula a se materializar de fato. “A oposição não perdeu a oportunidade. Ela não quis pedir o impeachment do presidente Lula. Nós, da oposição, fizemos de tudo para manter o país na rota da tranqüilidade. Embora estejamos chegando à conclusão de que este governo é irrecuperável mesmo, isso não quer dizer que vamos pedir o impeachment”.
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Nascido em uma família com longa tradição política e funcionário de carreira do Itamaraty, o senador não foi nada diplomático nesta entrevista ao Congresso em Foco. Ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, o líder do PSDB disse não estar preocupado se as investigações da CPI do Caixa Dois, proposta por ele, vão atingir algum colega de partido.
O tucano admitiu ainda que possa ter havido irregularidades no processo de privatização promovido pelo governo a que serviu. “Se algum tucano tiver de se prejudicar, azar dele. Que ele fique sem asa. Pra mim, quem for podre que se quebre, pura e simplesmente”, afirmou.
O pedido de criação da CPI foi apresentado por Virgílio logo após o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) admitir que teve sua campanha eleitoral financiada em 1998 com dinheiro de caixa dois do empresário Marcos Valério Fernandes. Após a revelação, Azeredo renunciou à presidência do partido. Na semana passada, o senador mineiro deixou o plenário visivelmente constrangido quando o líder do PSDB anunciou ter reunido assinaturas suficientes para criar a comissão.
Mas o alvo dessa CPI, reconhece Virgílio, é o de sempre: “Falta virar do avesso o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de tudo que é caixa dois indecoroso. Senão, parece que o Congresso reprisa aquela bela ópera-rock West Side Story e seus confrontos de gangues juvenis nova-iorquinas. ‘Não passe pela rua tal, porque essa rua é minha, que eu não passo pela rua tal, pois essa rua é tua.’”
Caso decida atravessar a rua que separa o Congresso do Palácio do Planalto, Virgílio poderá levar consigo dois inusitados parceiros: a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) e o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), que se declarou vítima de espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os dois também disseram ser capazes de dar uma “surra” no presidente se descobrissem que o governo está por trás de ameaças feitas a seus familiares. “Não sou nenhuma cambaxirra para não saber proteger a minha cria”, avisou o senador.
Congresso em Foco – Acabou de vez a trégua que PSDB e PFL davam ao PT, quando faziam uma oposição mais comedida?
Arthur Virgílio – Continuamos fazendo uma oposição comedida, senão não teríamos aprovado a Medida Provisória 255 (a nova versão da chamada MP do Bem), por exemplo. As votações são aprovadas com o número de senadores que a oposição tem e o governo, não. Aqui, quem comanda o Senado é a oposição, e nenhuma matéria está pendente. Só ficam pendentes quando as MPs do governo Lula trancam a pauta.
A CPI dos Bingos é considerada uma CPI de oposição. Ela tem conseguido apresentar mais resultados do que as CPIs dos Correios e do Mensalão, nas quais o governo tem certo controle?
Ela é uma CPI que tem uma independência investigativa talvez maior do que as outras, porque não tem tanta interferência do governo – o qual, aliás, tem mostrado muito claramente sua vontade de não avançar as investigações. Se na CPI dos Correios o governo barra a convocação de alguém, a CPI dos Bingos aprova. Um exemplo disso é o doleiro Toninho da Barcelona. Quando a oposição aprovou a convocação dele na CPI dos Bingos, o governo aceitou a convocação dele na CPI dos Correios também.
O senhor quer instalar a CPI do Caixa Dois. Alguns integrantes da oposição admitem inclusive que ela pode ser “um tiro no pé”. O senhor não teme que ela possa trazer problemas ao PSDB, ao investigar, por exemplo, o senador Eduardo Azeredo (MG)?
O senador Eduardo Azeredo já foi virado do avesso e investigado à farta. Faltam ser investigadas 18 campanhas estaduais do PT. Por isso, pedi a convocação de 18 tesoureiros do PT. Falta virar do avesso o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de tudo que é caixa dois indecoroso. Se algum tucano tiver de se prejudicar, azar dele. Que ele fique sem asa. Senão, parece que o Congresso reprisa aquela bela ópera-rock West Side Story e seus confrontos de gangues juvenis nova-iorquinas. “Não passe pela rua tal, porque essa rua é minha, que eu não passo pela rua tal, pois essa rua é tua.” Pra mim, quem for podre que se quebre, pura e simplesmente. Além disso, o problema do caixa dois não é só aqui, no Parlamento ou no governo. É um problema que perpassa a sociedade como um todo. É o profissional liberal que não manda o recibo dele, é o empresário fazendo o seu próprio caixa dois para sonegar. Se quiserem examinar esse problema a fundo, eu me sentirei feliz por ter tido a iniciativa.
A CPI do Caixa Dois não pode atrasar os trabalhos da CPI dos Bingos?
Não. A CPI dos Bingos visa a examinar crime organizado e bingos. Caixa dois é muito mais amplo. No caixa dois você pode, por exemplo, colocar a denúncia de uma grande empresa que partiu para o caixa dois. E vamos esquecer que a CPI do Caixa Dois só terá políticos. Quero alguma coisa que aponte o caminho para o futuro.
Assim como o senhor disse que não teme que se investigue nenhum tucano, também não teme que seja instalada a CPI das Privatizações para investigar o governo Fernando Henrique? Em um processo que envolveu todos bilhões de dólares é possível não ter havido alguém que se beneficiou de maneira ilícita?
Sabemos que é possível que alguém tenha se beneficiado, não somos crianças ingênuas. Eu quero saber é quem. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é que não foi. Mas não tenho nenhum compromisso, não vou passar a mão na cabeça de ninguém. Eu estou aqui, às ordens do governo, para fazer a CPI das Privatizações junto com a CPI do Caixa Dois.
Em sua avaliação, a oposição, que perdeu a oportunidade de pedir o impeachment do presidente Lula em 11 de agosto deste ano, quando surgiu o depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios, reencontrou agora essa chance, com a denúncia da revista Veja?
A oposição não perdeu a oportunidade. Ela não quis pedir o impeachment do presidente Lula. Nós, da oposição, fizemos de tudo para manter o país na rota da tranqüilidade. Embora estejamos chegando à conclusão de que este governo é irrecuperável mesmo, isso não quer dizer que vamos pedir o impeachment. Estamos sendo cautelosos hoje, como fomos ontem. Demandamos, antes do possível pedido de impeachment, uma série de consultas ao Ministério Público Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sabemos que o delito eleitoral de Lula nesse episódio de Cuba, se confirmado, já está prescrito. A pena de inelegibilidade é de três anos, que seriam cumpridos em 2003, 2004 e 2005, e Lula disputaria a eleição de 2006.
O que mais lhe surpreende nessa denúncia?
A oposição está embasbacada, na verdade, com a capacidade deste governo de se envolver com o imoral. Estamos embasbacados com esse governo já ter sido acusado de ter recebido dinheiro de Muammar Khaddafi (general socialista que governa a Líbia desde 1969), das Forças Armadas Revolucionárias (Farc) da Colômbia – que, aliás, foi acusada pelo Correio Braziliense (edição de 30 de outubro de 2005) de ter um campo para narcoguerrilheiros e para o MST na fronteira do Brasil com o Paraguai. O PT foi acusado de se beneficiar para a campanha de Lula de dólares da operação back to back, denunciada por Duda Mendonça. Nesse caso, o dinheiro vai para o exterior, via Marcos Valério, e depois para a conta da pessoa jurídica do Banco Rural ainda fora do país. O empréstimo que vai ser feito aqui já está quitado antecipadamente. O dinheiro é emprestado para não ser recebido, e vira um furo contábil. Não parece um crime de evasão de divisas, nem um crime de sonegação fiscal. Temos ainda o caso denunciado (em 20 de junho) por Maria Cristina Mendes Caldeira, ex-mulher do ex-deputado Valdemar da Costa Neto (PL-SP), da doação de dois milhões de dólares do governo de Taiwan, e temos agora esse caso de Cuba. Isso é criminoso, porque desde 1995 ficou expressamente proibido receber dinheiro de fora. Isso atenta contra a soberania do país.
Mas o senhor acredita mesmo na veracidade dessas denúncias?
Sim. O PT convivia junto, ali, com a Farc. Eu tenho muita convicção de que o PT tem esse tipo de envolvimento, embora não tenha provas. Por isso pedi na CPI dos Bingos que se convocassem dez das pessoas arroladas pela revista Veja. Entre a convicção e as provas, há uma diferença muito grande. Eu não sou o PT, não tenho aquela convicção que faria de mim juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). Sou extremamente cauteloso e responsável para não fazer absurdos.
Nas denúncias da revista Veja, há também informações novas sobre o lobby feito por Marcos Valério junto ao Banco Central, por intermédio do próprio presidente e do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para pôr fim à liquidação dos bancos Econômico e Mercantil de Pernambuco. É possível que isso tenha ocorrido?
O ministro Palocci tem sido alvo de uma consideração excepcional por parte das oposições brasileiras. Mas é muita notícia ruim envolvendo o nome dele. Aliás, aqui mesmo no Senado tem uma subcomissão muito esquisita, que cuida disso, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). É a Subcomissão Temporária da Liquidação de Instituições Financeiras (CAELIF). Estou de olho nela, pois está funcionando de forma esquisita.
O que o senhor quer dizer com isso?
No fundo, parece que há um movimento para colocar dinheiro nas mãos dessa gente. E esses dirigentes não podem mais voltar. São banqueiros que não podem mais receber dinheiro, porque fizeram gestão fraudulenta dos seus estabelecimentos bancários. Foi por isso que agiu com correção o ex-ministro Pedro Malan ao criar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (Proer), fazendo o que Japão não fez – e, por isso, o Japão amarga, até hoje, créditos podres e um sistema financeiro complicado. O Brasil descomplicou seu sistema financeiro, fazendo com muita efetividade aquilo que a esquerda burra chama de medida neoliberal a favor de bancários. O Proer é uma das medidas de que mais me orgulho no governo passado. Era a defesa não dos banqueiros, mas dos correntistas.
É hora de chamar o ministro Palocci para depor?
Primeiro vou ouvir os assessores dele. Se, a partir daí, eu formar a convicção de que devo chamar, terei a iniciativa de chamá-lo. Por enquanto, resolvi poupá-lo.
O senhor disse nessa segunda-feira que sua família foi ameaçada. Como foram, exatamente as ameaças aos seus familiares?
Citei que um ex-policial, cuja procedência desconheço, abordou um rapaz (Gilmar Reis Barbosa) que eu conheço, da Força Sindical de Manaus, para dizer a ele que estaria com a missão do PT nacional de investigar a minha vida. Até aí, tudo bem. Se o PT nacional investigar a minha vida, pode ser que eles sigam meu exemplo e se emendem. Mas esse ex-policial rosnou ameaças à minha família, dizendo que sabe da rotina de minha mulher e meus filhos. Ora, se me confirmam que foi ele, eu cobro isso fisicamente do presidente Lula. Não sou nenhuma cambaxirra para não saber proteger a minha cria. Não pedi nenhuma garantia de vida para mim ou minha família. Mas quero que o ministro descubra o vagabundo que está em Manaus e parta para dar uma lição exemplar nele.
O senhor insinuou que havia dinheiro de Delúbio Soares envolvido na acusação. Por quê?
Esse ex-policial ofereceu R$ 100 mil ao Gil, que respondeu que não tinha nada a dizer de mim. Com esse valor, só pode ser dinheiro “delubiano” ou “valeriano”. Certamente não é do milionário norte-americano Bill Gates. Só pode ser dinheiro de corrupção deste governo. Ou, então, é um falastrão mentiroso, que está dizendo bobagens. Em qualquer circunstância, o governo tem o dever de descobrir essa pessoa e me dizer quem é.
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