Ricardo Ramos e Diego Moraes
Um dia após a tumultuada sessão que culminou na aprovação do relatório final, a cúpula da CPI dos Correios se reuniu ontem, num clima de calmaria, para rebater a crítica dos governistas de que atropelou as normas regimentais. Acusado por colegas de partido de traição, o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS), fez coro ao relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), ao dizer que o PT tinha a intenção de inviabilizar a conclusão da CPI com a apresentação de um relatório paralelo. "Não fui eleito presidente para defender o PT e nenhum outro partido da base", disse o ex-líder petista no Senado.
Integrantes do PT na CPI dos Correios anunciaram que vão encaminhar ao Ministério Público uma representação para que o órgão examine o que foi retirado e omitido do relatório aprovado na quarta-feira pela comissão. Apesar da derrota, o partido decidiu não recorrer à Justiça para impedir que o documento seja enviado ao Ministério Público e à Polícia Federal.
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Na representação ao MP os petistas vão incluir as omissões de Serraglio, além dos nomes de pessoas ligadas a fraudes investigadas pela CPI, retiradas na versão final. O PT acusa o relator de modificar o texto sem dar conhecimento à comissão e insinua que ele atendeu a pedidos de parlamentares que mudaram o voto para aprovar seu relatório. "Há um clima de suspeição. E os suspeitos são o Delcídio, o Serraglio e todos que participaram desse cambalacho", afirmou o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), alvo de duas representações do presidente da CPI por ofensas morais (leia mais).
Pedido de colega
O relator admitiu ontem que fez duas mudanças de última hora em seu texto a pedido de um colega. O deputado disse que cedeu à sugestão de Onyx Lorenzoni (PFL-RS) ao retirar o pedido de investigação pela Procuradoria de duas pessoas acusadas de irregularidades nos Correios: Armando Ferreira da Cunha e João Leite Neto, que exploravam a franquia Tamboré, dos Correios, em São Paulo.
O pefelista, sub-relator da CPI, confirmou o pedido, mas alegou que não tinha interesse próprio no caso. "Tinha um problema de ideologização. Há uma posição contrária às franquias e eu sempre tive uma posição a favor da iniciativa privada em áreas em que o governo teoricamente tem o monopólio". Serraglio minimizou as alterações: "Não mudei nada que atinja o mérito".
Regras definidas
Durante uma descontraída coletiva à imprensa, Delcídio recusou a pecha de ter conduzido a reunião de quarta-feira com mão-de-ferro. Os petistas reclamaram que não tiveram direito de discutir os votos em separado, nem sequer tiveram acesso ao teor das alterações feitas de última hora pelo relator.
"Todos conheciam muito bem as regras e como os trabalhos iriam ser desenvolvidos", afirmou o senador, ao ressaltar que a última reunião da CPI era apenas para votar o relatório, e não discuti-lo. E as regras da votação, segundo ele, haviam sido repassadas para os titulares e suplentes da CPI desde o último dia 30. "A presidência lembrou e reiterou que quem quisesse apresentar votos em separado tinha até às 10h do dia 4 de abril (terça-feira)", afirmou.
Até aquela data, a comissão havia recebido 37 votos em separado. Serraglio acatou 35 sugestões (leia mais). O presidente da comissão alega que há um precedente na CPI dos Precatórios, de 1997, que sustenta a sua posição. À época, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado entendeu que, como um relatório de CPI não é uma proposição legislativa, não seria possível a apresentação de destaques a qualquer momento – como queriam fazer de última hora os governistas.
"As modificações (ao relatório de Serraglio) não foram feitas aleatoriamente. Não saiu da cabeça do relator, não", defendeu o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), vice-presidente da CPI, que comandou a sessão de terça-feira, na qual foram lidos e discutidos os votos em separado. "Nós não aceitamos que mudassem as regras apresentadas há uma semana", afirmou Delcídio.
Inconformada com a decisão, a bancada do PT na Câmara encaminhou um pedido de anulação da reunião ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao dizer que vai responder ao recurso com o "máximo de urgência", Delcídio aproveitou para cutucar a falta de habilidade política dos próprios petistas. "(Eles) perderam a oportunidade para discutir aquilo que era importante para o PT no relatório", rebateu. "Acho que a reclamação (do PT) é totalmente improcedente", fez coro Asdrúbal.
"Queriam ‘melar’"
Desde que o PT se propôs a apresentar um texto alternativo ao dele, Osmar Serraglio contou ter encontrado dificuldades para chegar a um entendimento com os governistas. Apesar de o relatório paralelo ter sido elaborado há mais de uma semana, Serraglio só o recebeu na terça-feira à noite, quando já estavam sendo discutidos os votos em separado.
O texto, de mais de mil páginas, não fazia qualquer diferenciação entre as mudanças empreendidas pelos governistas e o relatório original de Serraglio, de 1,8 mil páginas. Diante do impasse, governo e oposição decidiram, numa reunião no gabinete de Delcídio, constituir uma comissão para chegar a um texto consensual entre as duas partes.
Embora o relator não tenha cedido em nenhum dos pontos essenciais do seu texto, como a definição do mensalão, o grupo discutiu e rascunhou o texto final junto até às 17h de quarta-feira – uma hora depois do prazo previsto para votação do relatório final. Serraglio decidiu abandonar a reunião, alegando se achar enredado numa "trama". "O relatório paralelo iria inviabilizar (o texto original)", resumiu Serraglio. "Como diz na gíria. Eles queriam ‘melar’", criticou Asdrúbal.
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