Alberto Dines *
Nação-criança, crente no papai-do-céu, no poder de preces, fitinhas ou mandingas. Quando a coisa começou a ficar preta, lá pelo terceiro gol, o speaker Galvão Bueno começou a repetir seu novo bordão: “Calma, gente, isso é esporte, isso é futebol.” Mas ao longo de sua vasta biografia o narrador-mor deste reino descreveu os jogos do nosso scratch (ou escrete) como se fossem batalhas cruciais, pelejas pela salvação nacional.
A grande verdade – e isso comprova-se facilmente pela web – é que os especialistas da crônica esportiva foram excessivamente complacentes com a comissão técnica. Com Luiz Felipe Scolari, especialmente. Engoliram sem qualquer esperneio, reclamação ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não perceberam a gritante ausência de um eventual substituto para Neymar e, o pior, acreditaram piamente que, numa emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua camisa ou assumir sua função.
Nossa mídia com as estrelas que gosta de exibir e adora envolver-se aprovou os amistosos da seleção, entusiasmou-se com as vitórias de Pirro da primeira fase e, preocupada em não parecer derrotista ou antigoverno, deixou de reclamar na única esfera onde pode e deve influir: o desempenho esportivo.
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No malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos especialistas sobre a armação do time e a atuação dos jogadores foi muito favorável. Passou uma sensação enganosa. Novamente o maldito vamo-que-vamo contagiou o país. Somente um comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado pelo otimismo.
O medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da fratura lombar e a pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que deveria ter ficado por conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos absorveu toda a atenção dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram deixados de lado os esquemas táticos e as arrumações para neutralizar a ausência do craque. O leitor quer emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É evidente que o técnico não vai discutir táticas e escolha de titulares em público, mas cabe à imprensa fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o material informativo com o qual formará juízos.
Outro passaporte
A nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar e não pensa no dever de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e enfeitaram suas páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer relevância. Nas rádios, antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade, os comentaristas divertiam-se fazendo apostas e bolões.
Fascinados com os gadgets e as novas tecnologias, os craques da escrita e do gogó imaginaram que as estatísticas sobre o passado são suficientes para prevenir surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar zebras ou evitar calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.
Qual o pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na véspera de 16 de julho de 1950 foi menos nocivo e deletério do que a complacência deste início de julho de 2014?
Não é suficiente emocionar-se com o Hino Nacional cantado a capela por cerca de 58 mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do jogo com a Alemanha que o seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809), mestre de Mozart e Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo, tanto físico como psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é a prova.
Não basta convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos bebês-chorões que no jogo da estreia já se mostravam desfibrados.
Incontestável, inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de ser brasileiro – não obstante as provas exteriores de religiosidade exibidas nas arenas. É possível que prefira o passaporte alemão, holandês ou (por que não?) argentino.
* Um dos mais experientes jornalistas em atividade no Brasil, Alberto Dines dirigiu vários dos principais veículos de comunicação brasileiros, foi pioneiro no país na crítica ao jornalismo e é o fundador do Observatório da Imprensa, onde este texto foi publicado originalmente, antes de a Alemanha se tornar tetracampeã mundial de futebol.
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