Renata Camargo
Após o acordo sinalizado ontem (20) entre ruralistas e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para modificar o decreto de crimes ambientais (Decreto 6.514/08), parlamentares ruralistas articulam dar mais um passo para alterar a legislação ambiental. Deputados e senadores ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária pretendem modificar os limites e regras da reserva legal. A idéia foi lançada pelo presidente da frente, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).
De acordo com a proposta, que ainda não foi oficializada, a reserva legal se estabelecerá por estado e não mais por propriedade, como prevêem hoje o Código Florestal e a Lei 7.803/89. Pela atual legislação, cada propriedade rural deve ter uma reserva legal mínima. Na região da Amazônia Legal esse percentual é de 80%, no cerrado de 35% e nas regiões Sul e Sudeste, de 20%.
“Se na Amazônia, por exemplo, tem que se preservar 80%, que isso seja em todo o território. Mas não em cada propriedade. Se no único pedaço que você poderia plantar está a reserva legal, acabou, você não pode plantar nada. Nesse caso, entrega logo a propriedade para o governo. Eu não vou ficar lá pagando imposto, correndo risco ambiental e sem condições de explorar minha propriedade”, se exalta Colatto.
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A reserva legal é a área da propriedade rural em que não é permitido o desmatamento (corte raso de madeira), mas que pode ser objeto de uso sustentável, ou seja, para a exploração do ambiente desde que haja preservação dos recursos e da biodiversidade.
A revisão dos limites destinados a essa reserva passou a preocupar ainda mais o setor da agropecuária a partir da vigência do decreto de crimes ambientais, sancionado no final de julho. Com o decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais, a aplicação de multas passou a ser mais severa e o prazo para cumprimento da legislação foi estipulado em 180 dias.
Segundo Colatto, somente no estado do Paraná, o cumprimento de 20% de reserva legal por propriedade estaria causando perda anual de R$ 51 bilhões para o setor agropecuário. Os prejuízos seriam em conseqüência do que se deixa de produzir e da manutenção das reservas, com o reflorestamento. “Se implantar o que o decreto diz hoje, você reduz no mínimo 30% da produção nacional”, considera.
Inexeqüível
Sob forte pressão do setor agropecuário, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, decidiu rever alguns pontos do decreto (leia mais). Estava prevista para ontem à noite uma reunião do ministro com parlamentares da frente ruralista e secretários de Agricultura de vários estados para definir as mudanças.
Ainda que o decreto trate também da reserva legal, a revisão dos limites dessas áreas deverá ganhar um capítulo à parte no Congresso. Na avaliação do deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), a criação de reserva legal nas propriedades é importante para a preservação ambiental. Mas a lei atual, avalia o peemedebista, é “inexeqüível”. “Temos que fazer uma escolha. Como está hoje, parece, por exemplo, que ou o Brasil acaba com o seu projeto de produção de etanol ou planta florestas”, critica.
O parlamentar cita o exemplo do estado de São Paulo. Segundo Loures, para cumprir a legislação vigente, o estado teria que extinguir todo o espaço utilizado para a plantação de cana-de-açúcar. “A lei não considera o espaço físico real de cada estado brasileiro. Parte da premissa de que o país é igual”, afirma Loures, que classificou o decreto de crimes ambientais como “infeliz”.
Responsabilidade
A discussão sobre mudanças nos limites e regras da reserva legal, como defende Valdir Colatto, é contestada por ambientalistas. O diretor da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, afirma que é preciso analisar melhor a proposta. Para ele, o Estado não pode ser considerado o responsável pela reserva legal. “Está parecendo uma transferência de responsabilidade. Se passar para o Estado o dever de cumprir a reserva legal, eu não concordo”, defende.
Segundo Mantovani, 93% da mata atlântica já foram desmatados. Desse total, completa, apenas 40% abrigam alguma atividade econômica na área. “O resto está abandonado. Não tem produtividade nenhuma. Serviriam para fazer compensações. Servem para ser áreas de reservas”, afirma.
Na audiência pública realizada ontem, Carlos Minc concordou em revisar a legislação no que diz respeito à reserva legal. A proposta, entretanto, é estabelecer uma política de compensação entre as propriedades e negociar áreas de preservação em outros lugares.
“Um agricultor tem 40% de sua área preservada e o outro não tem nada. Eles fazem um acerto e cada um fica responsável por 20% dessa reserva”, exemplificou. “Há também a possibilidade de fazer essa reserva fora até da microbacia ou em áreas públicas”, completou. Segundo Minc, o acordo ainda será estudado com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
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