As discussões sobre a prisão em segunda instância, que tomaram conta do Congresso desde o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a soltura do ex-presidente Lula, fez um grupo de 21 parlamentares dividir o Senado. É o grupo Muda Senado, que se formou em meados deste ano prometendo renovar o modo de fazer política e defender a pauta de combate à corrupção e agora tem liderado a defesa da segunda instância no Senado, incomodando quem não quer votar essa matéria tão rápido e sendo até taxado de oportunista.
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O grupo reúne senadores de vários partidos. São parlamentares que defendem o discurso de renovação política, combate à corrupção e reforma do Judiciário que dominou as eleições do ano passado. A maioria, por sinal, está no primeiro mandato na Casa Alta, como Alessandro Vieira (Cidadania-ES), Marcos do Val (Podemos-SE), Juíza Selma (Podemos-MT), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Eduardo Girão (Podemos-CE), Major Olimpio (PSL-SP) e Soraya Thronicke (PSL-MS). Entre os poucos veteranos, estão Alvaro Dias (Podemos-PR) e Lasier Martins (Podemos-RS) – senadores que se diziam isolados na defesa da reforma política no dia a dia do Legislativo.
“Eu me sentia completamente isolado, dava vontade de largar tudo e ir embora porque eu era impotente. Eu era vice-líder e participava de reuniões de lideranças, mas nada do que eu propunha era feito porque quem comandava o Senado eram os velhos fichas-sujas. Mas o Muda Senado veio justamente para mudar isso que se convencionou a chamar de velha política, a política da barganha, do trambique e do toma lá dá cá. É um grupo formado por senadores que abandonaram suas posições, às vezes até mais confortáveis, pelo desejo de interferir na política brasileira que estava muito desmoralizada, desacreditada”, conta Lasier Martins. “Alvaro costuma dizer que agora ganhou companhia”, brinca Alessandro Vieira.
Por conta desse sentimento e do fato de que muitos desses senadores entraram na vida política recentemente, o primeiro contato desse grupo se deu na eleição da presidência do Senado. Para tirar Renan Calheiros (MDB-AL) do cargo, a maior parte desses senadores ajudou a eleger Davi Alcolumbre (DEM-AP). Passados alguns meses, contudo, decepcionaram-se com Alcolumbre. Eles dizem que o presidente do Senado não cumpriu com a promessa de renovação política que o levou até essa posição e, por isso, continuaram se sentindo impotentes por verem suas pautas sendo engavetadas em detrimento das pautas defendidas pelos líderes partidários que já conheciam o funcionamento do Senado.
“Tínhamos isoladamente o mesmo sentimento de impotência e até um certo arrependimento de ter optado pela vida política. Viemos para cá para tentar mudar o país, mas vimos que a forma como a política é feita aqui não permite que uma pessoa isoladamente consiga sequer a ter voz. A gente imaginava que podia propor um projeto de lei que esse projeto iria para a votação. Aí poderíamos ganhar ou perder. Não imaginávamos que podíamos propor e ele ficaria engavetado para sempre porque não era do interesse de uma casta de políticos. Talvez tivesse sido uma grande ingenuidade nossa, mas não importa. Num dia, nos reunimos num café da manhã para conversarmos sobre isso e daí acabamos criando o Muda Senado”, conta a Juíza Selma, dizendo que o primeiro café da manhã do grupo foi proposto pelo senador Oriovisto Guimarães.
PublicidadeFormado o Muda Senado, os senadores lançaram então um manifesto. O texto diz que o movimento foi criado para levar ao dia a dia do Legislativo o desejo de renovação política que provocou uma renovação de mais de 85% dos nomes eleitos para o Senado nas eleições de 2018. “Esse movimento democrático trouxe ao parlamento, particularmente ao Senado, um impulso renovador jamais visto, que gerou grande expectativa da sociedade e alento aos bons parlamentares que lutavam isolados, produzindo reflexos dentro e fora dos plenários”, afirma o texto (veja a íntegra).
O manifesto do Muda Senado estende, porém, esse desejo de renovação para o Judiciário. Por isso, coloca como pautas primordiais do grupo a abertura da CPI das Cortes Superiores, que foi apelidada de CPI da Lava Toga; a análise dos pedidos de impeachment que foram apresentados contra ministros do STF como Dias Toffoli e Gilmar Mendes; e a tramitação da PEC que propõe a reforma do Judiciário.
O grupo, que já nasceu representando cerca de 25% do Senado, passou a tentar emplacar, portanto, a CPI da Lava Toga. O pedido de CPI foi apresentado três vezes por Alessandro Vieira, mas nunca conseguiu ir para a frente por conta de manobras de senadores como Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e do próprio Alcolumbre, que não consideram interessante criar atritos entre o Legislativo e o Judiciário. Da mesma forma, os pedidos de impeachment dos ministros do STF e a reforma do Judiciário acabaram engavetadas por conta da resistência dos demais senadores.
O líder do Podemos, Alvaro Dias, ainda aproveitou a companhia do Muda Senado para resgatar a sua proposta de emenda à Constituição que prevê a redução do número de parlamentares. Essa matéria, porém, também não foi pautada. Por isso, o Muda Senado passou a dedicar seus esforços aos projetos de combate à corrupção e renovação política que vez por outra aparecem no Senado. Com isso, o grupo às vezes ganha até o reforço do líder da oposição na Casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Na votação em que caciques como Renan Calheiros (MDB-AL) manobraram para tirar aliados da Lava Jato do Conselho Nacional do Ministério Público, por exemplo, os senadores chegaram a deixar o plenário em forma de protesto. E tiveram o apoio de Randolfe. Depois, eles obstruíram a votação do projeto de crédito extraordinário que facilitou o pagamento das emendas parlamentares prometidas pelo governo de Jair Bolsonaro durante a votação da reforma da Previdência. Os senadores só desobstruíram a pauta depois de negociar com o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a liberação de recursos para a saúde e a educação. Neste mesmo dia, o Muda Senado disse que fez um acordo para que a Câmara pautasse o projeto que acaba com o foro privilegiado. Esse acordo, contudo, ainda não foi cumprido e tem sido cobrado pelos senadores nos últimos dias por conta das recentes decisões do STF.
Os últimos julgamentos do STF, por sinal, também fizeram o Muda Senado encampar a defesa do compartilhamento de dados entre órgãos de controle como o Coaf e o Ministério Público, através de uma PEC apresentada por Marcos do Val; e a retomada da prisão em segunda instância, através de uma PEC de Oriovisto Guimarães e posteriormente do projeto de lei que foi apresentado por Lasier, é relatado pela Juíza Selma e recebeu um substitutivo construído em uma reunião entre o ministro Sergio Moro e senadores como Alvaro Dias.
Esse texto, que foi apresentado como um projeto possível de ser aprovado pelo Congresso, está pautado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (27). Mas já uma movimentação da oposição e de Davi Alcolumbre para adiar essa votação e deixar a decisão final sobre a prisão em segunda instância para 2020. Por não concordarem com essa estratégia, os integrantes do Muda Senado não participaram da reunião realizada na última quinta-feira (21) na presidência do Senado para discutir a tramitação da matéria. Eles também receberam críticas de membros da oposição na última sessão da CCJ por conta da ferrenha defesa da segunda instância.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) foi o autor da maior parte das críticas, mas explicou ao Congresso em Foco que o problema não é a defesa da prisão em segunda instância, mas a forma como os integrantes do Muda Senado têm se portado na Casa. “Para começar, tem esse nome de Muda Senado. Se você diz que precisa mudar está dizendo que o que temos aqui não funciona, é ruim. Eles podem até se acharem melhores, mas precisam respeitar isso aqui”, reclama Cid Gomes, que classifica como oportunista o discurso do Muda Senado. “É preciso ficar de olho nesses que apontam o dedo para os outros”, afirma.
Os integrantes do grupo, porém, minimizam o ataque e dizem que continuarão com o trabalho que têm feito. “Muitos políticos reclamam que nós nos sentimos diferente, como se os demais fossem desonestos. Dizem que nós queremos fazer uma propaganda enganosa para a população. Mas não é nada disso. Nós pensamos que mudando o Senado poderemos ajudar o Brasil, daí o nome Muda Senado, Muda Brasil”, afirmou a Juíza Selma. “As principais críticas são no sentido de que o grupo tentaria se colocar como melhor em relação aos parlamentares que fazem a política de forma mais tradicional. Não é verdade. O que fazemos é mostrar que é possível fazer uma atuação política de forma transparente e eficiente. Isso está incomodando. Mas vão ter que se acostumar, porque a nova política chegou para ficar”, acrescentou Alessandro Vieira (Podemos-RS).
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O Muda Senado tem, inclusive, a pretensão de ocupar cada vez mais espaço na Casa. A expectativa é que a próxima eleição traga mais rostos novos para o Senado, sobretudo rostos alinhados ao discurso que uniu esses 21 senadores. “Todos são vem vindos no grupo, desde que também tenham a mesma ideia de que a forma como as coisas são feitas, tanto no Senado quanto na Câmara, não é correta. Nós precisamos de um Congresso que trabalhe de acordo com a Constituição, com impessoalidade e probidade, pensando no bem público e não pensando em interesses políticos desta ou daquela natureza”, afirmou a Juíza Selma.
“Nós aceitamos quem quiser entrar. É só seguir as regras, que são trabalhar com transparência e ética, respeitar o dinheiro público e não estar respondendo a nenhum processo”, confirma Lasier Martins, ressaltando que no Muda Senado não há nenhum ficha-suja. Ele ainda conta que a maioria dos integrantes do grupo tenta usar o mínimo possível dos benefícios oferecidos pela atividade parlamentar, como os carros oficiais. Esse ponto, porém, também é questionado pelos críticos do movimento já que senadores como Oriovisto Guimarães e Eduardo Girão têm grandes fortunas. “Mas são só esses. O restante é da classe média”, garante Lasier.
De toda forma, a redução dos gastos do Senado também virou pauta do Muda Senado, assim como a defesa do voto aberto e a definição compartilhada da pauta de votações. “O grupo nasceu em torno da pauta de apuração do Judiciário, com a CPI da Lava Toga e os pedidos de impeachment. E daí expandiu para a cobrança de uma pauta focada no combate à corrupção e na modernização do próprio Senado”, confirmou Alessandro Vieira.
> Veja quem são todos os integrantes do Muda Senado: Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Alvaro Dias (Podemos-PR), Arolde de Oliveira (PSD-RJ), Carlos Viana (PSD-RJ), Eduardo Girão (Podemos-CE), Fabiano Contarato (Rede-ES), Flávio Arns (Rede-PR), Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Lasier Martins (Podemos-RS), Leila Barros (PSB-DF), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Major Olímpio (PSL-SP), Mara Gabrilli (PSDB-SP), Marcos do Val (Podemos-ES), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Plínio Valério (PSDB-AM), Reguffe (Podemos-DF), Rodrigo Cunha (PSDB-AL), Juíza Selma (Podemos-MT), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Styvenson Valentim (Podemos-RN).
Para fazer jus a esse discurso de renovação e horizontalidade, o Muda Senado preferiu não definir um líder. O grupo faz reuniões semanais, cada vez no gabinete de um de senador, para definir quais posições serão adotadas nas votações da semana. E, dessa forma, tem tentado trabalhar como uma frente parlamentar informal. “O grupo é pluripartidário. Não existe um compromisso de total identidade. Então, não é um bloco partidário. É mais parecido com uma frente parlamentar que atua de forma incisiva e está tendo um papel relevante em questões como a da segunda instância”, reconhece Alessandro Vieira, que, apesar de o grupo não ter eleito presidente, é visto como um dos cabeças do Muda Senado por conta da atuação contundente em prol da primeira pauta do grupo, a CPI da Lava Toga.
Vieira conta, então, que neste momento o foco do Muda Senado é de fato a aprovação da prisão em segunda instância. Depois disso, a tendência é que o grupo cobre a votação da PEC que acaba com o foro privilegiado, que já foi aprovada no Senado e aguarda a deliberação da Câmara. Pautas como a CPI da Lava Toga e a reforma do Judiciário também devem ser resgatadas, já que as recentes decisões do STF têm deixado boa parte da população descontente, sobretudo a parcela que ajudou a eleger esses senadores e os movimentos defensores da Lava Jato como o Vem pra Rua.
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