O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello negou liminar para suspender a tramitação do “trem da alegria”, propostas de emenda à Constituição que efetivam na Câmara servidores sem concurso. A decisão é temporária e ainda aguarda o julgamento final do caso.
Em 31 de agosto, o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) impetrou um mandado de segurança no Supremo contra as PECs 54/99 e 02/2003. Elas efetivam servidores que ingressaram no serviço público de 1983 a 1988 e funcionários públicos requisitados de outros órgãos pela Câmara que trabalham na Casa há pelo menos três anos.
Mas Marco Aurélio negou a intenção do deputado de obter uma liminar. O ministro pediu mais informações, inclusive um parecer do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza para tomar fundamentar melhor sua decisão. A liminar foi negada no último sábado (8).
Augusto Carvalho considera a efetivação de servidores uma “infâmia”. No mandado de segurança contra a Mesa Diretora da Câmara, ele alega que o concurso público é a maneira correta e costumeira de se selecionar funcionários públicos desde a adoção da Constituição de 1988. (Eduardo Militão)
Leia a ação judicial
Excelentíssimo (a) Senhor (a) Presidente do Colendo Supremo Tribunal Federal
Augusto Silveira de Carvalho, brasileiro, solteiro, no exercício parlamentar de Deputado Federal, com gabinete parlamentar nº 350 do Anexo IV, da Câmara dos Deputados, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seu advogado in fine assinado (mandato em anexo), com escritório profissional descrito no rodapé desta, onde receberá as notificações de estilo, com fundamento nos artigos 5º, LXIX e 102, I, “d”, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 1.533/51, impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO
(com pedido de liminar)
contra ato da MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DO CONGRESSO NACIONAL, na pessoa de seu Presidente, Deputado ARLINDO CHINÁGLIA JÚNIOR, que deverá ser notificado no Gabinete 706, do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Brasília-DF, pelos fatos e fundamentos aduzidos a seguir.
I – DA LEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM”
O Requerente, conforme descrito acima, é Deputado Federal em pleno exercício parlamentar, cuja condição esta Corte lhe reconhece legitimidade, litteris:
“CONSTITUCIONAL. PODER LEGISLATIVO: ATOS. CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PARLAMENTARES. I – O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. II – Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, Ministro Aldir Passarinho (RTJ 116/47); MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF, Ministro Celso de Mello, “D.J.” de 15.9.2003; MS 24.593/DF, Ministro Maurício Corrêa, “DJ” de 08.8.2003; MS 24.576/DF, Ministra Ellen Gracie, “DJ” de 12.9.2003; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, “DJ” de 12.9.2003.”
II – DOS FATOS
A PEC 2/2003, de autoria do Deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) e outros, apresentada no dia 25/02/2003, propõe acrescentar os artigos 90 e 91 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, possibilitando que os servidores públicos requisitados optem pela alteração de sua lotação funcional do órgão cedente para o órgão cessionário. A matéria foi recebida pela Mesa Diretora, encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e publicada no Diário da Câmara dos Deputados em 10/06/2003.
Esta proposta tem por escopo permitir aos servidores públicos da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal, ocupantes de cargos efetivos, que se encontrem há mais de três anos consecutivos requisitados para órgão diverso da origem, a opção pela efetivação de sua lotação no órgão cessionário.
O autor propõe, ainda, que esta medida seja aplicada a todos os servidores aprovados em concurso público realizados após a vigência da Constituição Federal, ou anterior a 5 de outubro de 1988, desde que amparados por lei.
Como justificativa, o propositor argumenta que a crescente demanda por funcionários nestes órgãos tem ocasionado um contínuo deslocamento de servidores da origem para órgão diverso, que lá permanecem por vários anos e, agora, necessitam de amparo constitucional por não estarem desempenhando a função do órgão cedente.
Em linha semelhante está a PEC 54/1999, de autoria do Deputado Celso Giglio (PTB-SP) e outros, protocolada no dia 10/06/1999, que acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispondo que o pessoal em exercício, que não tenha sido admitido por concurso público, estável ou não, passe a integrar quadro temporário em extinção, à medida que vagarem os cargos ou empregos respectivos. A matéria foi recebida pela Mesa Diretora, publicada no Diário da Câmara dos Deputados em 10/08/1999 e encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Cabe ressaltar, que proposta tem por objetivo integrar ao quadro temporário em extinção, à medida que vagarem cargos no órgão, todos os funcionários em exercício, mesmo os não admitidos por concurso público, sendo estáveis ou não.
Como argumento, o autor destaca existir numerosos contingentes de funcionários, das mais diferentes categorias e níveis profissionais, nos diversos órgãos federais, estaduais ou municipais, contratados temporariamente, mas cujo vínculo jurídico ficou à margem dos preceitos da Constituição Federal de 1988, sendo necessário fazer tal correção.
III – DO DIREITO
O Requerente tem o direito líquido e certo de somente participar de um processo legislativo escoimado de vícios que o tornariam inconstitucionais.
E mais.
Movimentar todo o aparato legislativo para constituir uma norma que, certamente, e considerando a farta jurisprudência desta Corte Suprema, será objeto de confrontação com os princípios constitucionais.
Doutro norte, a busca pelo equacionamento de possíveis distorções administrativas com o argumento da relevância social não pode desencadear condutas de ocasião, que venham comprometer grave e vultosamente a administração e os recursos públicos, muito menos com mecanismos que possam violar a nossa Carta Magna.
O processo legislativo, estabelecido pela Constituição Federal, é ápice normativo que merece respeito em todas as circunstancias, ainda que regimentais. Nesse caso, ambas as propostas de emenda, que estão prestes a serem apreciadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, se encontram em desacordo com as normas, visto que o Presidente da Mesa Diretora da Casa deixou de observá-las, ao despachar as proposições imediatamente à Comissão Permanente, sem analisar um dos requisitos de admissibilidade da matéria, pois, além do poder de iniciativa e do número mínimo de subscritos, há de se atentar para a INCONSTITUCIONALIDADE EVIDENTE, conforme estabelece o art. 137, § 1º, II, “b”, da Resolução nº 17, de 1989, que aprovou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, in verbis:
“Art. 137 (…)
§ 1º Além do que estabelece o art. 125, a Presidência devolverá ao Autor qualquer proposição que:
II – versar sobre matéria:
b) evidentemente inconstitucional;”
A Constituição Federal, ao constituir os Poderes da República e fixar as bases do Estado brasileiro, estabelece o povo como origem de todo o poder, condicionando a legitimidade do exercício dos poderes constituídos à aprovação popular.
Logo após estampar os fundamentos da República Federativa do Brasil, o § único do art. 1º da Carta Magna, enfaticamente adverte: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Iniludível, pois, que a mais pujante das manifestações da soberania popular, está no direito de eleger seus representantes que, em última análise, são os mandatários do povo, autorizados a exercer os poderes a eles outorgados para que cumpram a função e objetivos do Estado, encartados no art. 3º da Carta Política.
Não se pretende aqui esboçar toda a teoria político-jurídica acerca da harmonia e independência dos Poderes, tampouco indicar todas as razões dos mecanismos constitucionais de controle de poder, todavia, podemos apontar um deles, salutar para o entendimento do perigo e prejuízo decorrentes da desobediência ao processo legislativo, pois assim escreve a nossa Carta Magna no art. 60, § 4º, verbis:
“Art. 60 (…)
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
(…) omissis
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Explicando, diz o jurista:
“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: “fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado”, “fica abolido o voto direto…”, “passa a vigorar a concentração de Poderes”, ou ainda “fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação…, ou o hábeas corpus, o mandado de segurança…”. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição.” José Afonso, Curso 24ª ed. pg. 67
Realmente, a norma veda não somente a abolição absoluta, mas qualquer forma de mitigação de seu mandamento.
Ora Senhor(a) Ministro(a), o legislador constituinte quando quis excepcionar qualquer preceito constitucional o fez às claras (art. 19 do ADCT), não deixou margem ao legislador derivado para que ele tangencie um preceito constitucional (concurso público).
E esse mandamento finca raízes no princípio da isonomia, que não é apenas formal, mas sim, e acima de tudo material, consubstanciado em direito individual (diga-se, por oportuno, espalhado por toda a Carta) do cidadão a buscar em igualdade de condições uma vaga no serviço público.
Também, com igual intensidade, diminuiu o conceito de federação (ADI 939) ao interferir na capacidade de auto-organização dos Estados-membros, extraindo dos respectivos quadros funcionais, servidores que foram requisitados, e por isso mesmo, em caráter temporário.
E quanto à separação dos Poderes? Será que o constituinte autorizou que possíveis servidores do Executivo, e até mesmo do Judiciário, fossem retirados de suas esferas de atuação sem o consentimento do Poder respectivo.
Claro, pois, que as limitações substanciais – reserva de justiça – estão relacionadas ao procedimento democrático e assegurar autonomia e igualdade entre os indivíduos.
Diante do presente caso, o adágio “Quis custodiet ipsos custode” (quem guarda os guardiões?) nos remete imediatamente aos limites constitucionalmente impostos ao exercício da função legiferante. Ora, a Constituição não contém letra morta e nem dispositivos supérfluos, portanto, não se pode permitir que a Casa dos representantes do povo, faça tabula rasa do mandamento constitucional ou o diminua, transformando-o em expediente vazio, como se fosse uma solenidade despicienda.
A expressão “não será objeto de deliberação”, segundo a doutrina entende:
“que a intenção do legislador constituinte foi afirmar, com veemência, a impossibilidade de aprovação de proposta que afronte cláusula pétrea, impedindo até mesmo que ela seja levada à deliberação nas Casas do Congresso Nacional, dada a gravidade de tal conduta, atentatória à supremacia da Nossa Carta Política.” Vicente Paulo, Direito Constitucional…, 1ª ed. pg. 560
O procedimento do concurso público foi concebido para aferir a aptidão das pessoas interessadas em exercer as funções de certo cargo público. A seleção objetiva avaliar os conhecimentos do candidato, com observância aos requisitos mínimos para a investidura e o eficiente desempenho das funções, sendo o nível de dificuldade de cada concurso variável conforme a complexidade exigida para as funções do cargo. Assim está determinado pela Constituição Federal no art. 37, II, in verbis:
"Art. 37. (…)
(…) omissis.
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
IV – DO PEDIDO LIMINAR
O periculum in mora está no fato de que a matéria encontra-se na pauta de votação, pode sua deliberação e votação ocorrer a qualquer momento.
O fumus boni iuris encontra repousa na iterativa e pacífica jurisprudência desta Corte, expungindo, ex radice, qualquer forma de burla a intangibilidade do núcleo fundamental da Constituição da República.
V – DOS PEDIDOS
Ex positis, é a presente para requerer a Vossa Excelência:
– a concessão da medida liminar para suspender a tramitação das PEC’s 54/99 e 2/03;
– no mérito, a procedência do objeto do presente mandamus para o fim de arquivar as referidas PEC’s;
– a notificação da Autoridade Coatora para, caso queira, prestar as informações que entender de direito;
– a intimação do i. representante do Parquet, na condição de custos legis;
– a condenação nas custas processuais.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 31 de agosto de 2007.
Carlos Alberto Carnielli Villela
OAB/DF nº 20.176
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