Edson Sardinha
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A reforma ministerial que está por vir pode aprofundar ainda mais a distância entre a ala esquerda do PT e o Palácio do Planalto, onde está encastelada a facção dominante do partido, mais moderada. Um dos principais representantes da esquerda petista, o deputado Chico Alencar (RJ), avisa que vai haver reações à entrada do PP, o partido de Paulo Maluf, no governo. O que a esquerda do PT defende, na verdade, é uma autonomia que desvincule a atuação do PT do Palácio do Planalto. Alencar é um dos signatários de uma proposta com 30 pontos, com críticas à política econômica e sugestões de mudanças, rejeitada pelo Diretório Nacional do partido há uma semana. Leia também O documento, assinada ao todo por 15 deputados da ala mais à esquerda do PT, atribuia à política econômica parte da responsabilidade pela derrota do partido nas últimas eleições em capitais como São Paulo, Porto Alegre, Belém e Goiânia. A proposta pedia a redução imediata do superávit primário, a queda da taxa de juros, a renegociação da dívida externa, uma efetiva reforma agrária, a não-renovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a autonomia do partido em relação ao governo e a correção da tabela do Imposto de Renda, entre outras ações. Em suma, antigas bandeiras petistas. Além de alencar, assinaram o documento os deputados Antonio Carlos Biscaia (RJ), Ivan Valente (SP), Orlando Fantazzini (SP), Walter Pinheiro (BA), Luiz Alberto (BA), Dra. Clair (PR), Dr. Rosinha (PR), João Alfredo (CE), Nazareno Fonteles (PI), Paulo Rubem (PE), Mauro Passos (SC), Maninha (DF), Gilmar Machado (MG) e João Grandão (MT). “Quem está se afastando do programa histórico do PT não somos nós, mas o nosso governo, apoiado pelo campo majoritário do partido”, disse Alencar ao Congresso em Foco. Congresso em Foco – Que avaliação o senhor faz da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT? Ela reflete o pensamento das bases do partido? Chico Alencar – A resolução é tímida porque não considera a segunda e última etapa do governo quando se fala de coalizão. Isso significa uma presença mais forte de partidos da base aliada, que não o PT, dentro do governo, inclusive o PP, repaginado, mas que não deixa de ser o PP de Paulo Maluf, um partido de direita. O nosso desejo era que o diretório nacional entendesse que o PT tem autonomia em relação ao governo, com o qual é solidário, e que tem a obrigação de ser o pólo progressista avançado dessa coalizão, cheia de partidos convencionais e conservadores, como o PL, o PTB, o PP. Coalizão que tem ainda o PMDB, que é um partido sem nitidez ideológica, uma grande frente que se constituiu na luta contra a ditadura e que hoje é um ônibus, que abriga uma série de interesses variados. “O nosso desejo era que o diretório nacional entendesse Que outro caminho o partido poderia seguir? Ora, o PSB, o PCdoB, o PV, o PPS e o próprio PT têm um perfil mais nítido de esquerda. A gente tem de afirmar o nosso programa mudancista para o Brasil, o nosso rigor programático. Por mais que a gente seja flexível, e tenha de ser na tática, é importante não perder a firmeza na estratégia, ou seja, aonde a gente quer chegar. Portanto, a resolução do diretório nacional do PT poderia ser, no plano político, similar àquela que tomamos – que é muito meritória – em relação aos arquivos do período da ditadura. O PT mostrou sua clara compreensão de que esses arquivos têm de ser abertos imediatamente e que eles representam um direito do povo brasileiro à sua memória coletiva, em particular das famílias dos mortos e desaparecidos durante a ditadura. Na avaliação política e nas indicações para o governo, ficamos muito tímidos. Não tivemos a mesma ousadia. “Por mais que a gente seja flexível, e tenha de ser na Nem na questão da política econômica? Sem dúvida que fomos muito tímidos também nesse aspecto. Na resolução do Diretório Nacional há até um elogio à política econômica, porque ela garantiu a estabilidade, conteve a inflação e começou a produzir um crescimento econômico pequeno, ainda que significativo. Para nós, não. Nós tínhamos um documento (apresentado ao Diretório Nacional do PT) que indicava a necessidade da retomada da redução dos juros, a necessidade do aumento real do salário mínimo, a realização de uma auditoria e de uma renegociação da dívida externa, e a urgência do controle do fluxo de capitais para que eles não saiam rapidamente do país e que não entrem mais como especulação do que como investimento. É um programa assimilável, nada revolucionário, mas o diretório nacional, cauteloso e moderadíssimo, por 34 votos a 21, disse que esse programa não poderia ser aceito. Por que a esquerda do PT perdeu? Há um bloco majoritário dentro da direção nacional do PT que não percebe o papel de relativa autonomia que o partido tem em relação ao governo, mas que entende o partido como correia de transmissão e instrumento de defesa incondicional do governo, o que reduz o nosso papel protagonista nesse processo. A gente perdeu como perde sempre. Qualquer coisa que possa significar uma crítica, mesmo que construtiva, ao governo não passa no diretório nacional. O presidente José Genoino chegou a assumir explicitamente isso, ao dizer que a resolução não poderia assustar o mercado. Ora, o PT nunca foi um partido preocupado com o mercado, mas com a população. Ninguém está propondo o fim da economia de mercado, nem a socialização do país por decreto. A verdade é que a linha predominante no partido é conformista demais e está se acocorando diante da chamada teocracia de mercado. Com isso, a gente não vai fazer as mudanças para as quais Lula foi eleito presidente. “A gente perdeu como perde sempre. Qualquer coisa que possa significar uma crítica, mesmo que construtiva, ao governo não passa no diretório nacional” A derrota do PT em capitais como São Paulo e Porto Alegre reforçou, de alguma forma, a posição da esquerda do partido? Nós fizemos uma avaliação realista, nem derrotista, nem triunfalista. Dizendo que esta eleição mostrou, como disse uma alta figura do governo da República, que há um certo mal-estar da sociedade em relação ao PT e ao governo. Isso nós não podemos omitir. A perda de São Paulo e Porto Alegre, pelo peso que essas capitais têm, foi muito ruim para o partido. Embora eleições nacionais não tenham relação direta com as municipais, o governo federal está ali como pano de fundo. Seria absurdo dizer que o voto que não foi dado a Marta Suplicy (São Paulo) ou a Raul Pont (Porto Alegre) foi um voto contra o presidente Lula. Mas que o governo não foi forte o suficiente, em termos de boa aceitação popular para garantir voto aos seus candidatos, isso sim. Há problemas. Temos de olhá-los. Que tipo de problema, por exemplo? Recuamos 8% no governo de cidades com mais de 150 mil eleitores, que, em geral, é onde o PT joga mais à vontade, onde sempre mais prosperou, onde a circulação de idéias é mais intensa e os formadores de opinião pública têm mais presença. Nesses lugares o PT sempre foi bem aceito, continua a ter densidade eleitoral, mas começou a perder terreno, justamente quando a gente disputa a primeira eleição sendo governo federal. Isso deveria ser preocupante, é um sinal amarelo que se acende à nossa frente. É preciso mudanças tanto na condução do PT quanto na condução do governo. “Recuamos 8% no governo de cidades com mais de 150 mil eleitores. Nesses lugares o PT sempre foi bem aceito, mas começou a perder terreno, justamente quando a gente disputa a primeira eleição sendo governo federal” Mas o governo está apenas na metade. Como fica a esquerda do PT nestes próximos dois anos? Esse documento subscrito por 15 deputados federais é quase um guia, uma plataforma mínima para a ação conjunta daqueles que não querem a continuidade do pesadelo neoliberal, que acham que é preciso que o governo entre mais firmemente no caminho da transição para um governo democrático e popular. Um modelo que não seja tão submetido ao capital financeiro. Enfim, que tenha mais compromisso com o desenvolvimento produtivo, gerador de renda e distribuidor de riqueza, aumentando a massa salarial, o mercado interno de massas. A gente vai trabalhar em cima dessa plataforma. Há uma disputa, uma divergência estrutural com o governo. Mas nada indica que nós sejamos menos petistas do que aqueles que implementam políticas que contrariam nosso programa histórico. Se alguém tiver de sair do PT não seremos nós, que apenas estamos sendo fiéis ao nosso programa. Há espaço para a criação de mais um partido de esquerda, com a participação de dissidentes do PT? Alguns companheiros que já foram do PT estão empenhados na criação do Partido do Socialismo e da Liberdade (PSol), mas esse não é o nosso movimento no momento. Nós continuamos no PT porque acreditamos que estamos rigorosamente cumprindo o mandato que a população nos deu dentro de um programa de mudanças. Quem está se afastando do programa histórico do PT não somos nós, mas o nosso governo, apoiado pelo campo majoritário do partido. “Quem está se afastando do programa histórico do PT A saída de Carlos Lessa do BNDES e a promessa de um ministério para o PP indicam que o governo dará uma guinada para a direita nos próximos dois anos? Sem dúvida nenhuma. O Lessa, independentemente das eventuais questões da gestão interna do BNDES, que evidentemente não era perfeita e que tinha problemas a serem superados, praticava uma política de desenvolvimento, com inclusão social, geração de renda e emprego, tudo aquilo que é marca forte do projeto estratégico para o país que o presidente Lula encarna. Não há dúvidas de que ele foi fritado pelo núcleo duro da equipe econômica, por aqueles que não abrem mão do acordo com o grande capital financeiro, pelo setor bancário, por aqueles que são refratários à redução significativa da taxa de juros, por aqueles que têm obsessão com a tranqüilidade do mercado financeiro. Foi uma grande derrota para o nosso projeto nacional desenvolvimentista. A essa derrota vem se somar a ampliação da base de governo com um partido de direita, que tem práticas totalmente diferentes da nossa. “Não há dúvidas de que ele (Lessa) foi fritado pelo núcleo duro da equipe econômica, por aqueles que não abrem A esquerda do PT vai reagir à entrada oficial do PP no governo? Claro. Mais do que coalizão, a gente deveria destacar a necessidade de colisão com todos os partidos que representam o atraso e o fisiologismo. É claro que isso reforça a importância e magnifica a urgência de o PT ser o pólo progressista da coalizão do governo, cada vez mais convencional e conservadora. É isso que a gente tem como campo principal da nossa luta. “Mais do que coalizão, a gente deveria destacar a necessidade de colisão com todos os partidos que representam o atraso e o fisiologismo” Em vez de se preocupar com os partidos aliados, o governo deveria dar mais atenção ao PT? O governo desprezou a mobilização social e popular que poderia alavancar apoio, inclusive dentro do Congresso, a uma série de projetos que visassem ao interesse das maiorias. O governo está com uma agenda muito conservadora e pouco mobilizadora, como a Lei de Falências e o projeto das PPPs. A reforma previdenciária, por sua vez, não teve apoio popular, só mobilizou gente contra. A própria reforma trabalhista que se aventou, a reforma sindical que está para ser enviada, a reforma tributária que está sendo votada e que já se mostrou totalmente insuficiente, tudo isso não comoveu amplos setores da população e mesmo da opinião pública. Ninguém tem se mobilizado em torno de propostas de nosso governo. Então ele fica muito refém da política convencional e tradicional, da base congressual e institucional. Aí tem que constituir essa base da forma mais ampla possível, até com antigos adversários. “O governo está com uma agenda muito Mas o governo alega que, sem o apoio dos antigos adversários, ele não tem voto para aprovar os seus projetos e as reformas constitucionais. Não tem votos mas, muitas vezes, o voto vira quando a proposta é popular, tem amparo da opinião pública e mobilização popular. Se você tem 30 mil pessoas, aqui, clamando por reformas de base, é claro que o Congresso será sensível a isso. Ás vezes, é possível suprir uma falta de base parlamentar amplíssima com uma mobilização social. Aliás, o PT nas prefeituras sempre fez assim, porque nunca teve maioria nas câmaras de vereadores, mas conseguiu tocar um governo democrático, participativo e com prioridade aos mais pobres. |
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