Lúcio Vaz
O PT foi o partido que mais recorreu à arrecadação entre seus funcionários na Câmara. Dos 88 deputados petistas, 44 receberam a ajuda do gabinete, a chamada caixinha eleitoral. Juntos, esses assessores repassaram R$ 498.767 para a campanha de seus respectivos chefes, mostra reportagem de capa da nova edição da Revista Congresso em Foco. Entre os que recorreram a essa prática estão o atual líder da bancada, Vicentinho (SP), e o ex-presidente da Câmara Marco Maia (RS).
Também vem do partido o deputado que mais levantou recursos no próprio gabinete. Rubens Otoni (PT-GO) recebeu R$ 73 mil de contribuições de 11 assessores – um quarto do total arrecadado por ele na segunda parcial da prestação de contas. Com salário de R$ 7,9 mil, a servidora Divina Maria de Oliveira doou R$ 8 mil.
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Madson da Veiga, com salário um pouco menor, transferiu R$ 6 mil para a conta de campanha do deputado. E ainda registrou mais R$ 10,2 mil em doação de valor estimado. Otoni afirma não saber qual foi a contribuição. “Não tenho esse controle. É algum serviço, um carro que foi colocado na campanha. A Justiça eleitoral exige esse registro”. Sandra Diniz deu R$ 7 mil em dinheiro, além de R$ 7,7 mil em contribuição estimável. Ela trabalha no escritório do parlamentar em Goiânia. Mais uma vez, o deputado não sabe de nada: “Não sei, pode ser um carro”.
Otoni prefere não avaliar quanto essa bondade pesa no orçamento de cada servidor: “É uma questão pessoal. Cada um apoia do jeito que pode”. Ele afirma que nenhum servidor foi constrangido ou pressionado a doar. “No nosso caso, não. No PT, é uma cultura política. Nossos militantes procuram participar”, diz. Ele explica que 80% de seus assessores são filiados ao partido. “Quem não é filiado é militante”, garante.
Militância partidária
A prática de assessores doarem para deputados não se restringiu aos gabinetes. Chegou até a liderança do PT na Câmara. O líder Vicentinho recebeu apenas duas doações, mas de peso. José Banhara, que trabalha na liderança com salário de R$ 15,6 mil, compareceu com R$ 12 mil. Mário Nunes, funcionário do gabinete que tem vencimento mensal de R$ 12,9 mil, contribuiu com o mesmo valor do colega.
“Fiquei agradecido com o gesto deles, mas não teria coragem de pedir”, comenta o líder petista, salientando que os dois assessores são ativistas históricos do partido. “Não foi pedido. Senão, todos teriam dado”, acrescenta. O deputado reforça a importância da militância: “Construímos um partido baseado na própria militância. Nós vivemos de salário”.
Sem cobrança
O ex-presidente da Câmara Marco Maia teve a ajuda de sete servidores, num total de R$ 33 mil. Célia Pimenta, com salário de R$ 6,4 mil, fez a maior doação: R$ 8 mil. Amanda Fernandes Miguel, com vencimentos de R$ 5,4 mil, contribuiu com R$ 6 mil. Maia considera as doações um procedimento natural. Segundo ele, os assessores petistas geralmente são mais engajados e comprometidos com o mandato.
“Isso é uma realidade. Alguns estão comigo há muitos anos. Têm história, militância política e partidária”, enfatiza. O deputado afirma que não pressionou ninguém a doar. “Não há nenhuma exigência de minha parte, nenhum pedido, tanto que alguns não fizeram doações”, ressalta.
Questionado se as contribuições não comprometem o orçamento doméstico dos assessores, respondeu: “Tem que perguntar para as pessoas que fizeram as doações. Mas dei uma olhada e vi que todos têm salários razoáveis”.
Em 2011, quando presidia a Câmara, Marco Maia disse ao Congresso em Foco não ver nenhuma irregularidade na prática adotada pelo PSC à época de obrigar seus funcionários na Casa, inclusive aqueles não filiados ao partido, a contribuírem com 5% do salário para a caixinha da legenda.
Esse, porém, não é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. Desde 2005, o TSE considera o expediente ilegal, um “desvio indevido de dinheiro público”. Os ministros também entenderam que a exigência não poderia ser feita nem dos filiados.
Exigências da lei
As contribuições em valor estimado estão previstas na Lei Eleitoral. O artigo 23 dessa lei diz que pessoas físicas podem fazer doações em dinheiro ou “estimáveis em dinheiro” para campanhas eleitorais. Não há vedação a contribuições feitas por servidores públicos. A Resolução Nº 23.406 do TSE, de fevereiro deste ano, descreve as doações estimadas como a cessão temporária de bens ou serviços estimáveis em dinheiro. O valor máximo, nesse caso, não deve passar dos R$ 50 mil.
Traduzindo, se um secretário parlamentar fizer horas extras para ajudar na campanha do deputado, em vez de receber pelo trabalho, ele pode transformá-las em “doação em valor estimado”. Se um assessor ceder um carro para utilização na campanha, em vez de receber pelo aluguel do veículo, pode considerar esse valor uma doação estimada.
O deputado Rubens Otoni explica que esse registro é uma exigência da lei: “Antigamente, a gente nem registrava. Agora, a Justiça eleitoral exige que coloquemos como doação estimável”. Cerca de 40% das doações feitas pelos secretários parlamentares foram feitas dessa forma. Na bancada do PT, o percentual cai para 30%. A preferência é pelas doações em dinheiro, principalmente em espécie.
Doação de horas
Quem utilizou com frequência os recursos estimados foi o ex-líder do PT Paulo Teixeira (SP). Ele recebeu doações de 22 funcionários do seu gabinete (cada deputado pode contratar até 25 secretários parlamentares), apenas uma em dinheiro. Em entrevista no seu apertado gabinete, no Anexo 3 da Câmara, o deputado afirmou que as contribuições foram todas espontâneas: “Fizeram voluntariamente, sem que eu fizesse qualquer pedido”. Ele disse que a maior parte foi de doações de horas de trabalho.
Pouco tempo depois, Paulo Teixeira enviou uma nota pela sua assessoria, afirmando que houve doação em serviço, e não em espécie. “Os funcionários do meu mandato, após o expediente, doaram horas de trabalho, realizando serviços gerais de campanha, durante os dias úteis e os finais de semana”, diz. Ele ressaltou ter recebido apenas uma doação em dinheiro, no valor de R$ 1 mil, de uma funcionária.
Dois assessores do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), José Gama de Jesus e José Sérgio dos Santos, fizeram doações estimáveis de R$ 8,8 mil e R$ 11,2 mil, respectivamente.
Os dois cederam veículos à campanha, segundo informou o gabinete do deputado. Em vez de cobrar pelo aluguel, registraram como contribuição.
O deputado Waldenor Pereira (PT-BA), que recebeu R$ 3 mil de uma assessora, afirma que a doação foi voluntária. Para ele, não há a mesma espontaneidade quando doam diversos funcionários, a exemplo do que ocorreu nos gabinetes da maioria de seus colegas de partido. “Ela foi a minha única assessora parlamentar a doar recursos financeiros para a campanha eleitoral. Se assim não tivesse sido, por lógica, teria havido doações de outros assessores. Não havia qualquer impedimento legal ou ético para que a nossa campanha recebesse a doação”, destacou.
Reduzido à metade
O assessor Fernando Peres foi nomeado para o cargo de secretário parlamentar no dia 22 de janeiro deste ano, com salário de R$ 12,9 mil – o maior do quadro de assessores de gabinete da Câmara dos Deputados. Seis meses depois, no dia 21 de julho, sua remuneração foi cortada pela metade. Em 28 de agosto, Fernando recorreu às suas economias, preencheu um cheque e fez uma doação de R$ 20 mil para a campanha à reeleição do deputado Hélcio Silva (PT-SP), o titular do gabinete onde trabalha.
Hélcio Silva avalia como normal a alteração salarial. “Fizemos uma recomposição no gabinete. Tivemos que readequar porque trouxemos outras pessoas. Vieram profissionais de comunicação”, justifica. Ele não considera elevada a doação feita pelo assessor: “Não, ele deve ter outra renda. Se for dentro do limite da lei, ele pode doar”. Por lei, pessoa física pode doar valor correspondente a até 10% dos rendimentos que declarou à Receita Federal no ano anterior. O deputado nega ter mantido o salário do secretário elevado por seis meses para viabilizar a doação. “Isso é impressão sua”, responde.
Contribuição histórica
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) recebeu doações de seis funcionários do gabinete, num total de quase R$ 22 mil. Em julho, Fabrício Carbonel depositou R$ 6 mil em dinheiro vivo. Magda Beatriz da Silva e Andréia Militz Turna deram mais R$ 4 mil cada uma, também em cash. “Os meus secretários parlamentares são militantes do PT, que historicamente contribuem para a campanha. Não é porque estão secretários que deixarão de contribuir. Estranharia se não contribuíssem. Se me perguntarem quem contribuiu, com quanto? Não sei. Isso é questão administrativa, do dia a dia do gabinete”, declara o parlamentar.
O petista Afonso Florence (BA) recebeu R$ 25 mil de três assessores. Samir Bomfim doou R$ 13,9 mil em espécie. Com o salário mais alto do gabinete, ele afirma que ninguém foi pressionado a doar: “Todos são militantes. A doação é espontânea porque acreditamos no projeto. Não há coação”.
Aumento de 400%
No gabinete de Assis Carvalho (PT-PI), o servidor Agnaldo Souza teve uma promoção fantástica neste ano. No dia 4 de fevereiro, o seu salário foi elevado de R$ 845 – pouco mais que um salário mínimo – para R$ 4,2 mil. Um reajuste de quase 400%. No dia 15 de julho, o funcionário transferiu R$ 3 mil para a conta de campanha do chefe.
Assis Carvalho afirma que não houve nada de errado na promoção e na doação. “Não recebemos nada vedado em lei. Precisávamos de alguém para administrar o gabinete. Ele se formou e passou do nível médio para superior”, justificou. Antes, Agnaldo trabalhava com assessoria parlamentar, diz o deputado.
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Leia a íntegra da reportagem na Revista Congresso em Foco (só para assinantes da revista e do UOL)
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