Julio Cruz Neto (texto e fotos)
Quando as atividades no Congresso se prolongam noite adentro às terças-feiras, uma turma de deputados começa a olhar o relógio impacientemente. A gravata parece que aperta mais, um lugar bem mais descontraído que o plenário espera por eles. Se passar das 21h, já era. Mas nesta semana, depois de muito tempo, deu tudo certo. Sete parlamentares tiraram o terno e, durante quase duas horas, retomaram uma antiga tradição, a de se reunir para jogar futebol.
Filiados a partidos de esquerda, centro e direita, todos vestiram uniforme branco e empataram por 8 a 8 com o time da casa, com direito a alguns belos gols. Não foi nenhum espetáculo, mas, verdade seja dita, os deputados até que jogaram direitinho - para decepção da nossa reportagem, que esperava ter inúmeras cenas bizarras para descrever. O único lance realmente hilário foi quando o goleiro espalmou para cima e acabou caindo dentro do gol, com bola e tudo. Verdade seja dita mais uma vez: o goleiro não era deputado.
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Bola fora de Severino
Os parlamentares dizem que a hora da pelada é hora de esquecer CPIs, MPs, operações da PF, eleições e outros assuntos do dia-a-dia. Mas parece difícil, já que a realização desses jogos sempre esteve condicionada à agenda do Congresso. Até a crise do mensalinho interferiu. Não, Severino Cavalcanti não é nenhum craque da camisa 10 obrigado a pendurar as chuteiras por suspeita de corrupção. A confusão foi outra. Antigamente, os deputados costumavam se reunir no Iate Clube, que tem um campo "espetacular", na definição de Deley, ex-meia do Fluminense que hoje é deputado pelo PSC do Rio de Janeiro. Só que o organizador era Sebastião Buani, o empresário que admitiu ter pagado propina a Severino para prorrogar o contrato de seu restaurante com a Câmara.
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG – foto acima) ficou com a impressão de que a administração do Iate Clube passou a criar dificuldade por causa do envolvimento de Buani no escândalo. O fato é que o empresário, que também preparava o jantar para depois do jogo, sumiu. Na época, a pelada foi transferida para o clube da Associação dos Servidores da Câmara dos Deputados (Ascade). Agora, mudou de novo. A partida que marcou o retorno dos parlamentares ao gramado, na última terça-feira (16), foi disputada no clube da Associação dos Servidores do Tribunal de Contas da União (ASTCU), onde deverá ser mantida. O anfitrião é o ministro do TCU Augusto Nardes, que também bateu sua bolinha.
E a casa caiu…
Não foi a primeira vez em que uma investigação de corrupção atrapalhou o bate-bola dos deputados. Na legislatura anterior, os jogos eram realizados numa sede que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) mantinha em Brasília, uma casa no Lago Sul. A brincadeira começou em 1999 e terminou por conta da realização das CPIs da Nike e do Futebol. A sede também não resistiu às investigações.
Júlio Delgado, que relatou (favoravelmente) o pedido de cassação do ex-ministro José Dirceu no Conselho de Ética, já jogava naquela época. Passada a fase crítica do mensalão, que afastou os deputados dos campos e alguns da vida parlamentar, ele está animado com a retomada das partidas. E sonha com a volta dos tempos áureos da atual legislatura, quando o Congresso não estava tão envolvido em denúncias e era possível se empenhar mais no futebol. "Já tivemos time de 11 jogadores com uniforme e tudo. A gente até jogava fora, contra outras equipes", conta ele.
Clássico entre deputados e senadores
Um desses jogos foi contra o time do Senado, na casa do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Placar: 7 a 7. Os deputados dizem que são melhores e só não ganharam porque os senadores "contrataram" um goleiro profissional: Zé Carlos, ex-Flamengo. Enquanto isso, o gol da equipe da Câmara era defendido por Jair Bolsonaro (PP-RJ). O senador Maguito Vilela (PMDB-GO) contesta a versão e diz que é "tudo conversa". "Nós estávamos ganhando, eles que empataram no final. O time deles só tem o Deley". O deputado Marcelo Ortiz (PV-SP) rebate: "A gente ganha".
Deley foi o jogador que deu o passe para um dos gols mais importantes da história do Fluminense, o gol do título carioca de 1983, marcado por Assis contra o Flamengo. Nas paredes de seu gabinete em Brasília, há quadros do Flu dos velhos tempos e do estádio municipal de Volta Redonda, cidade onde ele trocou a carreira esportiva pela política.
Talvez como resquício dos tempos de profissional, o deputado fica reticente na hora de criticar um adversário. Ao comentar a rivalidade com os senadores, primeiro deu uma explicação, digamos, geriátrica, para a alegada superioridade dos deputados. Depois, corrigiu-se: "Põe aí que é falta de treinamento". Não é isso que vai criar uma crise institucional entre as duas Casas, então preferimos divulgar as duas versões.
Do gramado para o palanque
Maguito, ex-centroavante do Atlético-GO e do Jataiense (GO), conta que marcou cinco gols contra os deputados e que o clima do jogo foi pesado. "Naquela época, a Câmara estava batendo bastante no Senado por causa da crise do Severino e estava uma rivalidade danada. Foi a melhor pelada que já joguei aqui", conta o senador artilheiro.
Aí está mais um exemplo de fato político interferindo no futebol dos políticos. O próximo será a corrida eleitoral. "Até julho, dá para jogar. Depois, não tem mais quorum", prevê Pedro Chaves (PMDB-GO). "É ano de campanha, está todo mundo com a cabeça a mil", confirma Deley. Quando terminar a Copa do Mundo, a bola também vai parar de rolar em Brasília.
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