Mário Coelho
O juiz da 7ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal Vinícius Santos Silva permitiu ontem (14) a participação dos deputados distritais citados no inquérito 650DF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na eleição indireta deste sábado (17). A decisão, que só foi divulgada nesta quinta-feira (15) pelo Tribunal de Justiça do DF (TJDF), ocorreu após o magistrado negar liminar em uma ação popular que pedia o afastamento dos parlamentares durante o processo de escolha dos novos governador e vice da capital do país. A peça jurídica pede ainda que os mesmos deputados sejam impedidos de participar da apreciação de todo e qualquer procedimento legislativo que envolva recursos públicos.
Na ação popular, o autor, Divino de Fátima Sirlan Silva, pede o afastamento dos distritais titulares Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Benício Tavares (PMDB), Eurides Brito (PMDB), Rogério Ulysses (sem partido), Roney Nemer (PMDB) e Geraldo Naves (sem partido) e os suplentes Berinaldo Pontes (PP) e Pedro do Ovo (PMN). Divino argumentou que, como a própria Justiça determinou o afastamento dos deputados envolvidos no mensalão do ex-governador José Roberto Arruda das votações nos processos de impeachment, também deveria tirá-los da eleição indireta. Dessa maneira, assumiriam os suplentes somente para escolher os comandantes do Executivo local.
Na decisão, o magistrado explica que, nesse caso específico, não cabe ao Judiciário interferir nas funções político-legislativas inerentes aos parlamentares, que foram eleitos pelo povo para representá-lo. “Os deputados não atuarão como juízes nas eleições indiretas do novo governador, e sim como agentes políticos que são, aliás, na típica função para a qual foram eleitos pelo voto popular, bem como na análise de projetos de leis e orçamento”, afirmou o juiz na decisão. Para ele, não cabe ao Judiciário fazer “juízo de valor” sobre a atuação dos parlamentares. “O povo delegou a eles a função de eleger, de acordo com as convicções políticas de cada membro do poder Legislativo, os projetos legislativos enviados à Câmara Legislativa, bem como na hipótese de vacância nos dois últimos anos da legislatura do cargo de governador e vice-Governador, a escolha indireta do novo chefe do Executivo”, completou.
“Robustos indícios”
Para o autor da ação popular, existem “robustos indícios” que indicam a participação dos parlamentares no esquema de propina exposto pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Por esse motivo, os deputados não teriam lisura para participar das eleições e deveriam, também, ser afastados pelo Judiciário da escolha do novo governador. Divino afirmou ainda que a Mesa Diretora, ao não se posicionar sobre o tema no ato que regulamentou a eleição indireta, afrontou a “moralidade administrativa”.
Ao negar o pedido liminar, o juiz afirma que não se pode confundir a situação do impeachment, criada para apurar as denúncias de corrupção, com a das eleições indiretas. A decisão esclarece ainda que, na Ação Civil impetrada pelo MPDFT, pedindo o afastamento dos distritais no processo de impeachment de Arruda, as demais funções legislativas dos parlamentares foram preservadas. “Na ação popular ora em questão, o autor, ao pedir o impedimento para participação em eleições indiretas, bem como para votar todo e qualquer projeto de lei e de deliberar sobre orçamento público, por vias oblíquas, está pedindo a cassação liminar de mandato político, odiada em nosso sistema jurídico”, concluiu o magistrado.
Neste sábado, os 24 deputados distritais vão escolher os novos governador e vice do DF para o mandato tampão até 31 de dezembro. Com a decretação da perda do mandato de Arruda e da renúncia do vice-governador Paulo Octávio, os cargos foram declarados vagos. Desde fevereiro, o presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima (PR), governa a capital interinamente. Sete chapas se inscreveram para participar do pleito. Além de Lima, participam o deputado distrital Aguinaldo de Jesus (PRB), o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Ibañez (PT), o subprocurador-geral da República Luiz Filipe Coelho (PTB), o ex-secretário de Desenvolvimento Social do governo de Cristovam Buarque (1995 a 1998) Messias de Souza (PCdoB), o administrador de empresas Nilton Reis (PV) e o ex-administrador de Ceilândia e ex-presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) Rogério Rosso (PMDB).
Leia a íntegra da decisão:
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT
Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2010.01.1.052065-2
Vara : 117 – SETIMA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF
Processo : 2010.01.1.052065-2
Ação : ACAO POPULAR
Autor : DIVINO DE FATIMA SIRLAN SILVA
Réu : DISTRITO FEDERAL e outros
Decisão Interlocutória
DIVINO DE FATIMA SIRLAN SILVA ajuizou Ação Popular em desfavor do DISTRITO FEDERAL; CAMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL; MESA DIRETORA DA CAMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL; AYLTON GOMES; BENEDITO DOMINGOS; BENÍCIO TAVARES; EURIDES BRITO; ROGÉRIO ULISSES; RONEY NEMER; BERINALDO PONTES; GERALDO NAVES e PEDRO DO OVO.
Alega o autor, em síntese, que por este juízo foi proferida decisão em sede de Antecipação de Tutela, no bojo da Ação Civil Pública de autos de processo nº1832-3, por meio da qual Deputados Distritais, ora réus, foram afastados da análise de todo o processo de Impeachment do ex-Governador José Roberto Arruda, sob o fundamento de qua havia robustos indícios de suposta participação dos mesmos em um esquema de propina em troca de apoio político ao então Governador do Distrito Federal.
Após transcrever a mencionada decisão, afirma que os Deputados afastados participaram da Emenda à Lei Orgânica que introduziu o instituto das eleições indiretas para o cargo de Chefe do Poder Executivo distrital e seu respectivo vice.
Aduz que afrontando a moralidade administrativa, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, nº 26, de 23 de março de 20100, silenciando quanto à condição dos Deputados afastados da análise do impeachment do então Governador Arruda, permitiu com que os mesmos participem livremente das eleições indiretas do novo Governador, seja como eleitores, seja como candidatos.
Em sede de antecipação de tutela, pugna pela concessão liminar para determinar a imediata convocação dos suplentes de Deputado Distrital para: A) a eleição indireta em tela, em substituição aos parlamentares e suplentes constantes do pólo passivo desta demanda; B) para a apreciação de todo e qualquer procedimento legislativo oriundo do Poder Executivo do Distrito Federal ou de outras fontes e que envolvam recursos públicos.
Ao final, pugna pela procedência do pedido para que seja declarada a nulidade, por omissão, do ato da Mesa Diretora nº26/2010, na parte em que revela intencional silêncio acerca da possibilidade de participação, como candidato ou eleitor, dos parlamentares e suplentes afastados judicialmente dos atos relativos ao processo de Impeachment do anterior Governador do DF.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 32/149.
É o relatório. Decido.
Trata-se de Ação Popular que, a despeito da pouca técnica redacional revelada na petição inicial, data maxima venia, uma vez que praticamente o autor se digna a reproduzir o inteiro teor da petição inicial e da decisão da Ação Civil Pública nº1832-3, relegando os argumentos próprios da presente Ação Popular a parcas e esparsas linhas, tornando a petição de intrincada inteligibilidade, pugna, ao fim e ao cabo, pelo reconhecimento do impedimento dos Deputados ora réus para participarem das eleições indiretas para Governador do Distrito Federal, para deliberarem sobre projetos de Leis enviados à Casa Legislativa e sobre Orçamento Público, de forma a estender os efeitos da decisão em sede de Antecipação de Tutela da mencionada Ação Civil Pública, por entender o autor ser consectário lógico do Impeachment.
Primeiramente, destaco que tendo em vista a proximidade das eleições indiretas, excepcionalmente analisarei o pedido liminar antes do lançamento da opinião do douto órgão do Ministério Público.
Ainda, que a despeito de ter sido pleiteado antecipação de tutela, analiso o pleito como “Liminar inaudita altera parte”, que inclusive conta com requisitos próprios e distintos da Antecipação de Tutela, zelando, pois, pela boa técnica, em obediência ao § 4º do artigo 5º da Lei 4.717/65, com a redação conferida pelo artigo 34 da Lei 6.513, de 20 de dezembro de 1977.
A liminar depende do preenchimento dos requisitos legais do periculum in mora e do fumus boni iuris.
O periculum in mora está consubstanciado na proximidade das eleições indiretas. Contudo, entendo ausente o segundo requisito legal, o fumus boni iuris. Senão, vejamos.
De início, necessário que se faça distinção entre a situação que estava presente na Ação Civil Pública nº1832-3 e a situação desta Ação Popular, pois a um primeiro olhar incauto podem parecer idênticas, mas, a rigor, são completamente distintas.
Na Ação Civil Pública mencionada, tínhamos o Órgão Legislativo funcionando como verdadeiro Tribunal julgador de condutas do então Governador, na função atípica conferida ao Legislativo como órgão judicante. E a razão de decidir verificada naquela Antecipação de Tutela foi a impossibilidade de se ter um deputado fazendo as vezes de um verdadeiro juiz e julgando fatos ilícitos dos quais eram supostamente partícipes ou co-autores. Destarte, a fim de garantir o mínimo de imparcialidade ao processo de Impeachment, os Deputados supostamente envolvidos direta e pessoalmente foram afastados da função judicante a ser desempenhada pela Câmara Legislativa, exclusivamente quanto à análise do processo de Impeachment do então Governador José Roberto Arruda.
Tal afastamento foi ancorado no artigo 36 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que tem a inteligência de impedir que indivíduos que possuam relação direta com os atos investigados participem de sua apuração e julgamento.
A hipótese dos autos da Ação Popular, contudo, é bastante distinta. No caso em tela verifico que o autor pretende o afastamento dos deputados distritais, réus na mencionada Ação Civil Pública, para que sejam impedidos de participar de uma votação e candidatura eminentemente política, no pleno exercício da típica função conferida ao Legislativo, que, friso, em nada tem a ver com a função judicante.
Pois bem. Os Deputados não atuarão como juízes nas eleições indiretas do novo Governador, e sim como agentes políticos que são, aliás, na típica função para a qual foram eleitos pelo voto popular, bem como na análise de projetos de leis e orçamento.
Ora, bem ou mal, não cabendo a este magistrado emitir juízo de valor, foram os Deputados que o povo soberanamente escolheu para desempenhar a função Político-Legislativa e, como tal, têm a função de eleger o novo Governador por meio de eleições indiretas. O povo delegou a eles a função de eleger, de acordo com as convicções políticas de cada membro do Poder Legislativo, os projetos legislativos enviados à Câmara Legislativa, bem como na hipótese de vacância nos dois últimos anos da legislatura do cargo de Governador e Vice-Governador, a escolha indireta do novo Chefe do Executivo.
Nas eleições indiretas os Deputados não analisarão a conduta de quem quer que seja, como o era no processo de Impeachment. Isso porque não atuarão como juízes, mas sim nas atribuições políticas típicas, inerentes às suas condições de parlamentares.
Daí se conclui ser inviável, ao menos em um juízo preliminar, sumário, a pretensão de estender às Eleições Indiretas o impedimento de Deputados que, na ocasião da análise do processo de Impeachment do pretérito Governador, estavam atuando com função de verdadeiros juízes. Nas eleições atuarão investidos na função exclusivamente política, para o qual foram eleitos.
Em termos bem didáticos: os Deputados envolvidos com os fatos não poderiam atuar como juízes no Impeachment, pois tal condição requer isenção. Já para a eleição do novo Governador, aqueles Deputados não estão investidos na função de juízes, mas sim de agentes políticos, e como tal, sujeitos aos influxos ideológicos e políticos, dos quais é ínsita a inexistência de isenção e de imparcialidade, pois sujeitos às vicissitudes político-ideológicas.
Consigno que o mencionado processo de Impeachment já foi arquivado pela Câmara Legislativa, como decorrência da cassação do então Governador Arruda pelo TER-DF, como é público e notório.
Como restou frisado à exaustão na Ação Civil Pública, o naquela oportunidade o afastamento foi pontual, apenas atingindo as deliberações sobre o processo de Impeachment, e como tal, não atinge qualquer outro ato, inclusive e com mais razão, uma decisão eminentemente política, como demonstrado, a ser levada a efeito nas eleições indiretas para Governador do Distrito Federal.
Destarte, em juízo preliminar, não vejo qualquer nulidade no silêncio da Mesa Diretora quanto à proibição de candidatura e votação dos Deputados citados no Inquérito 650/STJ. Ora, os Deputados foram impedidos de atuarem como juiz da causa que pessoal e diretamente lhe interessava, mas não de atuarem como políticos em situações políticas, em matérias outras que não sejam tidos como juízes do Impeachment. Pelo contrário, impedir que os Deputados participem das eleições indiretas, que é um processo eminentemente político – e não judicante -, para o qual foram soberanamente eleitos pelo povo é que seria um ato ilegal, passível de nulidade.
Ademais, o excêntrico pleito para que os Deputados réus sejam impedidos de votar qualquer Projeto De Lei enviado pelo Poder Executivo ou de qualquer outra fonte, e que não possam gerir orçamento público, importa em verdadeira cassação total de seus mandatos, e não afastamento pontual como na hipótese da Ação Civil Pública, devendo, pois, ser rechaçado o pleito.
É de se perguntar: O que mais restaria a fazer um deputado eleito pelo povo que não pudesse votar projetos de leis e deliberar sobre orçamento público?
Ora, repito, bem ou mal, foram eleitos pelo voto popular e somente por meio dele – o voto -, se assim o povo do Distrito Federal entender nas próximas eleições, válido para a próxima legislatura ou ainda por decisão da própria Casa Legislativa (Art. 55 da Constituição Federal), qualquer Deputado pode ser impedido de continuar a gerir a coisa pública, votar projetos de leis e, seja como candidato, seja como votante, de participar de eventuais eleições indiretas.
Não há a previsão constitucional de cassação de mandato parlamentar por decisão do Poder Judiciário, sendo tal medida sempre ser adotada por meio da própria Casa Legislativa, como determina o art. 55 da Constituição Federal, aplicável aos Deputados Distritais, como determina o §1º do artigo 27 da Carta Magna. Até mesmo na hipótese de condenação judicial transitada em julgado, a perda do cargo eletivo somente se dará após a deliberação da Casa Parlamentar, como previsto no artigo 55, inciso VI, CF/88.
A presente decisão encontra abrigo, também, em precedentes do Supremo Tribunal Federal, que na Suspensão de Liminar nº 229 asseverou que mandato político não pode ser cassado por meio de liminar. Aqui revela importante ressaltar a distinção entre esta Ação e a Ação Civil Pública nº1832-3, pois nesta última o Ministério Público pugnava pelo afastamento pontual, com preservação das demais funções, enquanto que nesta ação pede-se o impedimento para participação em eleições indiretas, bem como votar todo e qualquer projeto de lei, advindos do Poder Executivo ou de outra fonte, e ainda deliberar sobre orçamento público. Ou seja, por vias oblíquas, é uma verdadeira cassação liminar de mandato político, odiado por nosso sistema jurídico.
A distinção entre as hipóteses de afastamento pontual adotado na mencionada Ação Civil Pública e afastamento completo, como pleiteado na presente Ação Popular, foi ressaltada pelo Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, quando da decisão da Suspensão de Antecipação de Tutela nº 413. Eis um trecho da decisão que bem ilustra a distinção:
“Cumpre salientar, por fim, que não se revelam aplicáveis ao caso as razões que embasaram o deferimento do pedido formulado na Suspensão de Liminar nº 229, DJ 4.2.2009, haja vista que, naquela hipótese, tratava-se de afastamento do parlamentar do exercício pleno do mandato (verdadeira cassação indireta do mandato parlamentar), medida que, no meu entender, não encontra respaldo na ordem constitucional. No presente caso, trata-se apenas da supressão temporária de determinadas atribuições inerentes ao mandato, em virtude da necessidade de se garantir a aplicação de regras procedimentais mínimas ao processo de impeachment do Governador do Distrito Federal”.
Forte em tais razões, em obediência à Soberania do Voto Popular, ao Estado Democrático de Direito e à Separação de Poderes, ausente o requisito do fumus boni iuris, a liminar pretendida deve ser indeferida.
Ante o exposto e pelo que dos autos consta, INDEFIRO A LIMINAR PLEITEADA.
Intime-se.
Citem-se os réus.
Dê-se vista ao Ministério Público.
Brasília – DF, quarta-feira, 14/04/2010 às 15h30.
Vinícius Santos Silva
Juiz de Direito Substituto do DF
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