Diego Moraes
A greve dos médicos residentes tirou pelo menos 14 mil, dos 17 mil integrantes da categoria, dos hospitais públicos e forçou o presidente Lula a propor um reajuste de 30% à categoria. O problema é que o aumento não foi encaminhado ao Congresso por medida provisória, como queriam os residentes, mas na forma de projeto de lei – para piorar, sem regime de urgência.
O calendário apertado e o excesso de matérias na pauta do Parlamento reduzem as chances de um rápido incremento no salário. Mas congressistas ouvidos pelo Congresso em Foco afirmam que basta um esforço do Planalto para que a matéria seja votada ainda este ano.
O Projeto de Lei 7561/06, que eleva de R$ 1.400 para R$ 1.916 a bolsa dos jovens médicos, chegou à Câmara em 10 de novembro, nove dias após o início da paralisação nos hospitais. No texto da proposta, o governo tenta passar a idéia de que o aumento já estava nos planos desde junho passado e não foi motivado pela greve.
Apesar da aparente boa-vontade, o líder do governo na Casa, o médico petista Arlindo Chinaglia (SP), demorou quase uma semana para apresentar um requerimento de urgência urgentíssima, que isenta o projeto do trâmite nas comissões. O pedido, porém, ainda depende de um acordo entre os líderes para ser votado. Se os parlamentares acatarem a sugestão, o projeto passa a trancar a pauta em 45 dias.
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Senador lidera lobby a favor
O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), sustenta que a aprovação da proposta ainda este ano depende somente da disposição do governo em defender o tema na reunião de líderes desta semana. "Não vejo por que obstruir uma votação dessas. Posso até não votar a favor, digo isso porque ainda não li o projeto, mas se o governo disser que é algo importante, não temos por que não votar", declarou.
O senador Tião Viana (PT-AC), médico e um dos maiores defensores do aumento para os residentes no Congresso, disse que está empenhado em mobilizar o Senado para votar o projeto assim que ele for analisado na Câmara. O parlamentar afirmou que o presidente Lula deve buscar rapidamente um entendimento com os deputados da base em torno da matéria.
"A Câmara deve ter sensibilidade para colocar o projeto em caráter de urgência urgentíssima. Não podemos prejudicar os médicos residentes por conta das medidas provisórias", ressaltou, referindo-se às oito medidas provisórias que trancam a pauta da Casa. "Tempo para votar há, basta querer", complementou.
Mas para o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), um dos mais próximos aliados do Planalto na Câmara, a votação do projeto dos residentes às vésperas do fim do ano e com a pauta trancada por MPs não promete ser tarefa fácil. "Não basta disposição, dizer ‘vamos votar’ e pronto. É preciso fechar votos em torno da proposta", examinou. "Possível tudo é, mas não sei se haverá disposição para votar", acrescentou.
Viana defendeu a edição de uma MP caso o projeto de lei não avance na Câmara. Dessa forma, o reajuste passaria a valer no momento em que a medida fosse publicada no Diário Oficial da União, normalmente um dia após a assinatura pelo presidente Lula. "O que não podemos é deixar os estudantes com uma bolsa que não cobre nem os custos."
Aumento incerto
Há cinco anos os residentes não recebem reajuste. O aumento previsto no projeto elaborado pelo governo surge após 14 meses de queda-de-braço com o Planalto. Os recursos para pagá-lo já estão previstos no projeto do orçamento da União de 2007.
O presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), Daniel Lima Silva, afirma que a defasagem da remuneração seria compensada somente com um aumento de 53,7%. O percentual menor foi aceito, segundo ele, devido à falta de perspectiva de uma abertura maior do governo em relação ao assunto. Agora, a categoria teme ficar sem aumento nenhum.
"O governo prometeu que o reajuste valeria a partir de 2007, mas nem encaminhou em regime de urgência. Vários senadores já nos falaram que, mesmo em regime de urgência, não haveria como votar este ano. Se não vai ser votado este ano, como vai valer a partir de 1° de janeiro de 2007?", questiona o dirigente da ANMR.
Os médicos residentes avisam que, sem um acordo para o impasse, a greve não vai acabar antes do fim de dezembro. "Não queríamos ficar parados até lá, mas o governo não está preocupado com a nossa causa", protesta Daniel.
O presidente da Frente Parlamentar da Saúde no Congresso, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), também demonstra pouco otimismo com a aprovação da proposta ainda nesta legislatura. Segundo ele, se a proposta não estiver em caráter de urgência, será votada somente em meados do próximo ano. "Eu disse à associação dos residentes que a única solução para esse reajuste era a edição de uma MP. Qualquer outra solução era para enganá-los", afirmou o parlamentar.
O parlamentar lembra que mesmo se a proposta for colocada em regime de urgência, só passará a trancar a pauta após o Natal (em razão do prazo de 45 dias antes mencionado). Apesar disso, ele avalia que essa seria uma das formas de forçar a aprovação da matéria. "Se entrar em regime de urgência urgentíssima, aí é outra história, aí pode cogitar a possibilidade de votar este ano", enfatizou Guerra.
Rotina de ralação
A residência médica é o período em que os alunos de medicina adquirem especializações em cardiologia, neurologia ou diversos outros campos da profissão. A briga por uma vaga nos hospitais, a maior parte da rede pública, é tão acirrada quanto a de um vestibular para o curso. Em média, o posto é disputado por cerca de 50 estudantes.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) determina uma carga horária de 60 horas semanais, mais dois plantões de doze horas por mês, para os residentes. Mas segundo o presidente da ANMR, não é raro ver profissionais trabalhando até cem horas por semana.
"Isso piora o rendimento na residência, acaba com a vida social da pessoa e também com a vida acadêmica, porque o residente não tem tempo para se dedicar aos estudos", afirma Daniel Lima. Além da pesada carga horária, com até três plantões por mês, muitas vezes os jovens médicos trabalham sem a supervisão de um profissional formado, como manda a lei.
Hoje, um estudante de medicina pode levar até 11 anos para concluir sua formação. Além dos seis anos de faculdade, alguns passam mais cinco na residência médica. "Varia de acordo com a especialidade, mas a maioria dos estudantes acaba fazendo duas especializações", explica o dirigente da associação.
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