Fábio Góis
Com cerca de 20 milhões de votos no pleito eleitoral de outubro, a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva se despediu do Senado nesta quinta-feira (16), depois de dois mandatos consecutivos (16 anos). Apontada como principal responsável pelo fato de a eleição presidencial ter ido ao segundo turno, Marina permaneceu na tribuna por quase três horas, e fez um apanhado sobre sua trajetória do Senado, alterando momentos de comoção com a veemência das colocações.
“Quando alguns setores da mídia – poucos, diga-se de passagem – tentaram folclorizar o fato de que uma seringueira havia sido eleita senadora da República, naquele momento senti que corria o risco de que as pessoas começassem a me tratar com desdém pela minha origem, minha condição social e minha condição de membro de comunidades tradicionais da Amazônia, de extratores de borracha, dos seringueiros, segmento muito próximo dos índios, dos quais tenho muito orgulho de fazer parte”, discursou Marina.
Marina fez agradecimentos especiais a Suplicy (que há 16 anos a abrigou no apartamento funcional em Brasília, como ela lembrou, porque o dela ainda não estava disponível), Pedro Simon (PMDB-RS) e Aloizio Mercadante. No discurso, menções sobre suas principais realizações no Senado, sobre as incumbências na Esplanada dos Ministérios – que a afastou da Casa por cinco anos – e, mais recentemente, a corrida eleitoral que a privou da vida legislativa por seis meses.
Ao deixar o plenário, Marina comentou ao Congresso em Foco sobre a emoção que sentiu quando Pedro Simon pediu a palavra e fez rápida intervenção. Nesse instante, as câmeras da TV Senado quase flagraram suas lágrimas, mas a senadora se conteve, com a voz embargada.
“É como disse o Cristovam [Buarque, PDT-DF]: a gente vai continuar se encontrando na vida, e em particular no Acre. É muito mais a pessoa que evoca isso na gente – a convivência com o Simon, a integridade dele. Também o Suplicy… enfim, eu não quero cometer injustiça com alguns que eu não vou mencionar”, disse Marina, parando para falar com a reportagem mesmo atrasada para um voo marcado para São Paulo.
“São pessoas que vão além das palavras. Que ousam transformar em atitude aquilo que dizem. E isso me toca muito profundamente”, acrescentou.
Pesos e medidas
Marina comentou os acontecimentos do dia anterior, quando o Congresso reajustou em 62% o próprio salário. “Não é que a Casa ficou pequena. O meu mandato é que foi concluído. Agora estou indo para a sociedade, já havia decidido que não ia concorrer a um terceiro mandato, porque 24 anos já vira quase um emprego”, disse, referindo-se ao tempo que permanência no Senado caso tentasse e fosse reeleita para o terceiro mandato.
Para Marina, o tempo estendido de “contribuição” já tem representante ideal no Senado. “Eu sei que existem pessoas aqui – como o Pedro Simon – que estão contribuindo, mas, no meu caso, a contribuição já ficaria repetitiva, talvez. E na sociedade talvez eu possa ajudar a Casa de lá, do que estando aqui”, acrescentou.
Marina disse ter usado a “coerência” para manifestar ontem (15), em plenário, sua rejeição ao reajuste parlamentar – aliás, apenas dois senadores além dela o fizeram: Alvaro Dias (PSDB-PR) e José Nery (Psol-PA). “Isso é uma prática que me acompanha desde a época em que eu era vereadora no Acre. Essa tradição de votar o salário no final da legislatura sempre acontece”, destacou a senadora, apontando a desigualdade de tratamento entre parlamentares e demais servidores públicos.
“Não é que não tenha de haver reajuste. Mas ele poderia ser de acordo com a inflação, como nos outros seguimentos, que a gente não tenha dois pesos e duas medidas. A gente vota para nós mesmos um salário de mais de 60% e para os servidores a gente usa um argumento de que vai acabar com as finanças públicas?”
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