Renata Camargo
Maria Liége também atuou no movimento estudantil. Foi presidente dos diretórios centrais de Biblioteconomia e Comunicação na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 1969 foi impedida de se matricular na UFBA, e até 1975 viveu na clandestinidade. É filiada ao PCdoB desde 1972, e até hoje é secretária nacional do partido.
Atuou no movimento pela anistia como uma das fundadoras do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia, na época em que o marido também era preso político. Em 1976, conseguiu a reabertura da matrícula na UFBA. Mas, em 1982, foi presa novamente no estado, por ocasião do lançamento de uma cartilha sobre a Guerrilha do Araguaia. A ABIN produziu um relatório sobre Maria Liége que compreende ações entre 1968 e 1988.
Quais as lições que a senhora tira das suas experiências na época da ditadura?
Acho que uma questão importante é que a luta pelas liberdades democráticas no país é fundamental. É a luta do povo que transforma a realidade. A participação política é importante em qualquer momento da história, para homens e mulheres. A experiência que ficou foi a experiência de luta.
Sobre os direitos das mulheres, as mulheres ao longo dos anos foram conquistando vários direitos, mas o que ainda precisa avançar?
As mulheres avançaram muito na conquista de direitos. A Constituição de 1988 foi considerada uma das mais avançadas no ponto de vista do direito das mulheres. E isso foi decorrência da luta das mulheres. Evidentemente, nós avançamos com a criação da Secretaria das Mulheres, nós avançamos com um Plano Nacional de Política das Mulheres, que não existia. Mas agora continuamos a dizer, a exemplo da Lei Maria da Penha ? que foi uma conquista das mulheres contra a violência ? que não basta existir uma lei: a igualdade e o respeito precisam existir na vida. Tem alguns lugares em que a criação dos serviços como rege a lei ainda não existe. A questão da impunidade também. Vejamos o caso da Sandra Gomide [jornalista assassinada pelo também jornalista ? que era seu amante e chefe ? Pimenta Neves], em que o agressor ainda está solto. As mulheres continuam sendo mortas e, às vezes, violentadas, vão se queixar e nem sempre os policiais acreditam no que as mulheres dizem.
O que representa ter uma mulher como presidente do Brasil?
A eleição de Dilma tem dois aspectos importantes: um, a perspectiva de dar continuidade aos avanços e conquistas e transformações iniciadas no governo Lula. Outro aspecto, é que ter uma primeira presidenta é emblemático do ponto de vista de você romper com a sub-representatividade das mulheres nos espaços do poder. Mostra que as mulheres não são mais aquelas consideradas cidadãs de segunda categoria, consideradas sexo frágil. As mulheres hoje não são mais apenas coadjuvantes, elas são protagonistas da história. Acho que Dilma vem reforçar essa ideia de que as mulheres devem e podem estar no espaço de poder de decisão, rompendo com a sub-representação das mulheres que ainda existe nos espaços de poder.
E como as mulheres podem conquistas mais espaço nos espaços de poder?
Quando em 1996 nós tivemos pela primeira vez a mudanças na legislação eleitoral, que estabeleceu cotas para a presença feminina, na eleição seguinte tivemos um crescimento de 11% de participação das mulheres. Mas evidente que estagnamos nisso. Muito porque essa legislação de cotas nas eleições, diferentemente de outros países, ela não tem uma punição para os partidos para o não cumprimento da lei. Nós precisamos avançar nisso. Essa é uma questão que precisamos avançar e isso só se dá através de campanhas, através de discussões entre mulheres nos partidos políticos e na sociedade como um todo. Vivemos um momento contraditório: elegemos uma mulher presidente, mas não avançamos na representação no Congresso Nacional. Então é uma questão a ser avaliada.
Um dos aspectos que se aponta para o não cumprimento das cotas de 30% de mulheres candidatadas é que as próprias mulheres não se candidatam. Como isso pode mudar?
Sou contra essa coisa de sempre culpar as mulheres. Para tudo se culpa as mulheres na sociedade. Se existe menino de rua, é porque as mulheres decidiram ir para o mercado de trabalho. Se o menino vai mal na escola, é culpa da mulher que não dá atenção. Acho que a gente tem que romper com essa culpabilidade das mulheres. Não é que as mulheres não querem se candidatar. Qual é de fato a promoção que os partidos fazem dos seus quadros femininos? Quais são as condições? Existem creches nos eventos partidários? Às mulheres é dado o direito a participar nos cursos dos partidos? Não é que as mulheres não querem se candidatar, é que elas não têm espaço para isso. Tem que se ter a medida exata dentro dos partidos políticos para saber qual é mesmo o espaço que se dá para as mulheres para ter uma participação mais igualitária.
A senhora acha que deve haver um tratamento diferenciado para as mulheres dentro do partido?
Não, eu acho que tem que ter um trabalho de condição de igualdade. Por exemplo, quando existe um curso no partido sempre se pensa nos homens. Devemos ter um tratamento igualitário, criar as mesmas condições para as mulheres que são dadas aos homens. Quando se discute a licença maternidade, a primeira coisa que se diz é que ?lá se vai ficar tantos meses fora?. Só as mulheres organizadas é que vão poder fazer avançar o processo de transformação. Por isso, é importantíssimo que as mulheres estejam nos partidos políticos, sindicatos e organizações. Essa participação tem uma importância e significado muito grande no processo de transformação da sociedade. É uma mola propulsora de desenvolvimento e de conquista.
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