Marcelo Freixo *
“O Rio? É doce. A Vale? É amarga”, neste verso do visionário poema “Lira Itabirana”, de 1984, só faltou ao mineiro Carlos Drummond de Andrade prever a lama tóxica que envenenaria o rio outrora doce.
Antes fosse mais leve a carga, escreveu o poeta numa súplica que o maior crime socioambiental do país acabou de soterrar. O desastre provocado pela omissão do poder público e pela Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, é tão grave que ainda não dimensionamos os danos, mas sabemos que amargaremos suas consequências por décadas.
Além da catástrofe humana, a lama destruiu biomas e pode provocar a extinção de espécies animais e vegetais. Sem falar que, em tempos de crise hídrica, o crime ameaça a existência do rio Doce. Inicialmente, o abastecimento de 11 cidades está comprometido.
A carga pode ser ainda mais pesada. O Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério de Minas e Energia, que monitora as barragens de mineradoras, classifica o nível de risco de desastres atribuindo notas que vão de A até E. As unidades com baixo risco recebem a nota E. As com alto risco, A.
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Para termos ideia do drama, as barragens que se romperam estavam classificadas como C, teoricamente, risco médio. Atualmente existem 187 unidades avaliadas entre as letras A e C. A ameaça de novas tragédias é iminente.
Esse cenário de descaso não é apenas fruto da omissão do poder público em relação às mineradoras, grandes financiadoras de campanha – só a Vale distribuiu R$ 22,65 milhões nas eleições de 2014. Ele é consequência da opção por um modelo de desenvolvimento que privilegia setores que tratam a natureza como ativo financeiro em prejuízo da preservação socioambiental.
Há dois exemplos disso. A Agenda Brasil, proposta por Renan Calheiros e tratada como saída para a crise econômica, prevê o afrouxamento da legislação ambiental e o incentivo a atividade mineradora.
Na Câmara, uma comissão formada por parlamentares financiados por empresas ligadas à mineração – dos 27 membros, só 7 não receberam doações destas companhias em 2014 – está elaborando um novo código para regular, e beneficiar, o setor.
O artigo 109 prevê que qualquer atividade que atrapalhe a mineração deverá ser autorizada pela Agência Nacional de Mineração. A criação de uma área de proteção ambiental, por exemplo, teria que passar pelo crivo da agência e lobby das empresas.
“Quantas toneladas exportamos de ferro? / Quantas lágrimas disfarçamos sem berro?”
Mais do que berrar, a resposta ao questionamento de Drummond precisa ser um modelo de desenvolvimento que preserve o meio ambiente e os direitos humanos.
* Marcelo Freixo é professor de História e um dos líderes do Psol fluminense. Texto originalmente publicado na edição de terça-feira (18 de novembro) do jornal Folha de S.Paulo.
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