VEJA
A república dos cartões
No mundo real, um cartão de crédito é um instrumento que impõe uma série de regras ao seu portador. Em primeiro lugar, é preciso passar por uma análise da operadora, que definirá o limite a ser autorizado para as despesas. Quem tenta gastar mais do que pode tem o cartão bloqueado, e quem atrasa o pagamento é punido com juros de até 14% ao mês. No mundo real, um cartão também serve para sacar dinheiro vivo em caixas eletrônicos, mas isso sai caro, já que o banco cobra até 10 reais de taxa fixa por saque, mais os juros até o dia do vencimento da fatura. Há outro mundo, no entanto, habitado por uma casta de funcionários públicos federais, onde tudo é infinitamente mais fácil. Nele, qualquer um pode ter um cartão corporativo, desde que conte com a simpatia do chefe.
Não há limite para gastos nem para saques em espécie (por lei, o teto das despesas deveria ser definido em cada repartição pública, mas uma série de truques contábeis permite driblá-lo sem maiores problemas). Seus portadores não precisam se preocupar com as taxas que serão cobradas pelos bancos ou pela operadora, já que o dinheiro não é deles. Ah, sim, também não é preciso esquentar a cabeça com o pagamento da fatura no fim do mês – ele fica a cargo do Tesouro Nacional. Quanto às eventuais malversações ou "equívocos" cometidos no uso dos cartões, isso é o de menos. A fiscalização dos gastos, como se provou nas últimas semanas, é conduzida com o rigor que já se tornou uma característica do atual governo. O mundo deles, convenhamos, é muito melhor do que o nosso – o real, construído com estudo e trabalho.
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Fugindo do terrorismo
Os conflitos entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Exército de Libertação Nacional (ELN), as milícias paramilitares e o Exército regular colombiano têm chamado cada vez mais a atenção do mundo pelos episódios de brutalidade patrocinados por todos os lados envolvidos. No Brasil, a conseqüência mais visível do confronto pode ser encontrada nas cidades da fronteira entre os dois países. Para escaparem da violência da guerrilha terrorista, mais de 100 colombianos cruzam todos os meses a Floresta Amazônica a pé, em barcos ou em pequenos aviões. São, em sua maioria, índios e camponeses. Quase nenhum deles fala português. Em comum, todos são fugitivos da brutalidade da guerra civil que assola a Colômbia há mais de quarenta anos. São vítimas das Farc e de seus grupos rivais. Seus relatos ajudam a desnudar a ação dos guerrilheiros, que alguns ainda cultuam com o romantismo do século passado, quando heróis, teoricamente mais fracos, se insurgiam contra inimigos poderosos em nome de uma revolução socialista.
Durante três semanas, VEJA visitou os exilados colombianos em quatro cidades brasileiras. Eles são mais de 17 . 000, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), e já formam a maior comunidade de exilados no país. Seus relatos revelam que os terroristas, principalmente os ligados às Farc, o maior dos grupos guerrilheiros em ação no continente, são cruéis e nada lembram os ideais que eles juram defender. São bem armados, lucram com a produção e a venda de cocaína, seqüestram, assassinam, aliciam crianças, cometem crimes sexuais, roubam comida de camponeses e espalham minas terrestres que já provocaram a morte e a mutilação de milhares de civis colombianos. As vítimas estão, principalmente, entre a população mais pobre. Apenas 490 fugitivos conseguiram até agora o status oficial de refugiado no Brasil. O restante, cerca de 17 . 000, vive praticamente na clandestinidade.
ÉPOCA
Os abusos com cartões
O cartão corporativo não existe só no Brasil. Ele é adotado por governos considerados inovadores na administração pública, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. Passou a se disseminar por vários países como forma de manter sob controle os gastos cotidianos dos funcionários públicos. Serve para comprar material de escritório, pagar combustível, refeições, passagens, diárias de hotel e toda sorte de despesas legítimas e necessárias para o funcionamento do governo. Além de evitar a burocracia por facilitar pequenos gastos, ele ajuda na fiscalização. Inspecionar extratos de um cartão é muito mais simples que verificar as dezenas de notas fiscais que o servidor público teria de apresentar para comprovar suas despesas pelo método tradicional.
No Brasil, esse dinheiro de plástico, adotado no fim de 2001, tem sido usado com maior freqüência a cada ano. Em 2007, as autoridades e os funcionários do governo federal pagaram R$ 78 milhões de despesas usando o cartão, mais que o dobro do valor registrado no ano anterior. Desse montante, 75%, ou R$ 58 milhões, foram sacados em caixas eletrônicos, para gastos com dinheiro vivo, de difícil comprovação.
ISTO É
Ameaça sobre o Planalto
A nova ameaça que ronda o Palácio do Planalto tem a forma de retângulos de plástico e possui uma tarja magnética. São os cartões de crédito chamados de cartões corporativos. ISTOÉ teve acesso com exclusividade a uma ampla auditoria que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez nos 42 cartões corporativos da Presidência da República. Eles servem para cobrir gastos e, principalmente, sacar na boca do caixa dinheiro vivo destinado a custear as despesas do gabinete presidencial, incluindo aquelas realizadas pelo casal Marisa e Lula da Silva e seu staff.
A auditoria revelou que, a exemplo do que fizeram os ministros Orlando Silva (Esportes), Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e Altenir Gregolin (Aqüicultura e Pesca), os assessores palacianos também estão usando os cartões de forma fraudulenta. "Foram comprovadas fraudes" na utilização dos cartões, certificou o TCU, depois de três anos de investigação. O relatório final do Tribunal de Contas poderá levar para dentro do gabinete de Lula uma série de denúncias que nos últimos dias têm ficado restritas a ministros de pouca expressão.
Conexão Chávez
Parecia um seqüestro relâmpago. Era meia-noite de sábado, 4 de agosto de 2007, quando dois bicampeões mundiais de boxe, os cubanos Erislandy Lara, 24 anos, e Guillermo Rigondeaux, 26, foram embarcados às escondidas, em um hangar lateral do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Entraram em um jato executivo privado, um Falcon 900, prefixo YV-2053, de 14 poltronas. O avião pertence a uma empresa espanhola, Gestair. Mas a aeronave, registrada na Venezuela, fica estacionada em Caracas, onde presta serviços especiais para o presidente Hugo Chávez. Naquele vôo estavam dez pessoas: o comandante do jato, o venezuelano Jorge Machado Mujica, quatro tripulantes e três agentes cubanos, além dos boxeadores. Contudo, o que houve de mais nebuloso foram os personagens que protagonizaram aquela operação na calada da noite. Uma delas é uma autoridade brasileira. Chamase José Hilário Medeiros.
Chegou ao PT pelas mãos do ex-ministro José Dirceu, foi segurança pessoal do presidente Lula e hoje chefia o setor de inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Foi Medeiros quem comandou a equipe que saiu à caça dos boxeadores e coordenou a operação burocrática para legalizar a entrega sumária dos jovens à ditadura de Fidel Castro. O outro personagem até aqui misterioso é cubano. Chama-se Tomás Issac Mendez Parra. Oficialmente, é um dos cônsules de Cuba em São Paulo. Mas uma autoridade brasileira garante que Parra seria da inteligência cubana. Há um terceiro personagem misterioso; este é espião mesmo. Chamase Luis Mariano Lora.
Ele é chefe do Departamento de Combate à Atividade Subversiva Inimiga de Cuba. Lora, um dos homens mais temidos de Cuba, estava dentro do avião venezuelano, acompanhado de outros dois agentes. Foram Medeiros e o cônsul Parra, juntos, que entregaram os jovens campeões Lara e Rigondeaux nas mãos de Lora.
O contra-ataque Petista
Os ânimos estão exaltados. Somente dentro do Palácio do Planalto ocorreram nos últimos dias duas brigas entre ministros. Outras estão se espalhando pela Esplanada dos Ministérios. Por trás de todas elas está a sucessão presidencial. O projeto político capitaneado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é construir uma forte e duradoura aliança do PT com o PMDB, não descartando inclusive a possibilidade de seu partido ceder a cabeça de chapa na hora de eleger o sucessor. Nem todo o PT, porém, reza pela mesma cartilha do presidente. A maior parte das facções do partido prefere uma aliança pontual, sem ter que entregar ao PMDB setores estratégicos do governo. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, é a figurachave.
Ela está afinada com o presidente, mas vislumbra a possibilidade de sua própria candidatura em 2010 e acabou escalada pelo próprio PT para resistir à entrega dos cargos em estatais para os peemedebistas. Outro fator da discórdia entre os ministros vem da área econômica. Conforme revelou ISTOÉ na edição anterior, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, são pólos opostos e contraditórios na estratégia de enfrentar a crise internacional em curso. Eis algumas histórias que ilustram a guerra provocada pelo PT ao reagir contra o projeto de Lula:
Requião fora do eixo
governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), nunca adotou a política do bom-mocismo. Suas diatribes contra adversários causam tanto furor quanto suas articulações políticas heterodoxas. Recentemente, Requião brigou com a Justiça e o Ministério Público por causa da proibição, pelo Tribunal Regional Federal (TRF), do uso da Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE) para fazer promoção pessoal. Agora, Requião vem provocando a ira do Itamaraty ao apoiar, nos bastidores, a candidatura do bispo Fernando Lugo à Presidência do Paraguai.
O Itamaraty torce, discretamente, pela vitória do ex-general Lino César Oviedo, alinhado com a política externa do presidente Lula. Publicamente, o governador diz que não interfere na sucessão presidencial do país vizinho. No entanto, Requião deu sinal verde para que seu secretário de Comunicação, Airton Pissetti, assumisse o marketing da campanha de Lugo. Os maiores empresários do Paraná já foram chamados por Pissetti para trabalhar em favor de Lugo na disputa contra Oviedo. A contratação da empresa de marketing foi fechada em outubro de 2007, quando o bispo candidato foi a Curitiba para se submeter a uma pequena intervenção cirúrgica. Detalhe: a viagem foi feita a bordo de um jatinho do governo do Estado do Paraná, o Citation I prefixo PP-EIF.
CARTA CAPITAL
O mundo ganhou
Em 5 de fevereiro, foram celebradas nos Estados Unidos as eleições primárias para a escolha dos delegados que escolherão os candidatos presidenciais dos dois principais partidos em 24 estados, representando 52% dos que irão à convenção do Partido Democrata, a ser celebrada de 25 a 28 de agosto e 41% dos participantes da convenção republicana, de 1 a 4 de setembro.
Muitas vezes, essa concentração de primárias, conhecida como Superterça, decidiu, na prática, a escolha dos partidos. Outras vezes, ressuscitou ou mesmo consagrou candidaturas tidas como derrotadas. Desta vez, não se pode dizer que o resultado tenha sido tão marcante, mas ainda assim permite duas conclusões que, há um ou dois anos, não podiam ser consideradas como favas contadas.
A revolta da periferia
Moradores do Pela-Porco, onde vivia Djair, queimaram um ônibus ©Ag.A Tarde Negra, pobre, deficiente física, um metro e meio de altura. A desvantagem com que Djane Santana de Jesus entrou na briga é evidente, mas ela não está sozinha. Depois de sofrer com a violência da polícia durante décadas, os moradores das favelas de Salvador resolveram partir para o confronto, em um mês triste de véspera de Carnaval.
Revoltados com a morte de quatro jovens no espaço de apenas 12 dias, fizeram piquetes, fecharam ruas e chegaram a atear fogo em um ônibus em vários protestos, exigindo Justiça contra os policiais acusados de terem cometido os crimes. Em comum, os jovens têm o fato de serem oriundos de comunidades carentes, não terem passagem pela polícia e serem negros.
Por que não anda?
O sol castiga o oeste paulista. É forte, intenso, pouco atenuado pelo vento. Dos dois lados da rodovia Marechal Rondon, entre Araçatuba e Andradina, no lugar dos bois que antes davam o tom da paisagem, há extensos canaviais. Tudo parece uma massa uniforme. Num ziguezague entre estradas vicinais, ora de asfalto, ora de terra batida, vez por outra uma placa indica: “Movimento Sem Terra a 500 metros”. Uma delas em Castilho (SP), quase divisa com o Mato Grosso do Sul, onde 170 famílias vivem às margens da estrada. Reivindicam a desapropriação da fazenda Pendengo, 4.343 hectares de pastagem alta e malcuidada, com uma pequena boiada.
Há quatro anos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) considerou a terra improdutiva. O proprietário não concordou com a avaliação e entrou com recurso na Justiça. “Ele contratou uma auditoria para contestar o Incra, e até mesmo o perito particular mostrou que a fazenda não atinge os coeficientes mínimos de produtividade”, afirma Irineu Xavier de Toledo, da direção regional do MST. Há dois anos, proprietário e sem-terra aguardam um novo laudo.
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