ÉPOCA
Planalto tenta “blindar” Lula contra grampos
Num país onde se calcula que 5 milhões de pessoas sejam grampeadas a cada ano, até o mais protegido dos cidadãos convive com o receio de que suas conversas sejam gravadas. Na última semana de agosto, o serviço de segurança do Palácio do Planalto reforçou a defesa dos telefones usados pelos filhos e familiares do presidente Lula. A troca de números e aparelhos e a realização de varreduras nesses telefones constituem uma providência de rotina, mas desta vez o motivo para a cautela foi a suspeita de que uma organização clandestina de espionagem tem como um de seus alvos a família do presidente. Num encontro com os ministros do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, que foram ao Planalto pedir providências diante da descoberta de um grampo no telefone do ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, Lula queixou-se de que seus filhos estariam entre os milhões de brasileiros com telefones grampeados ilegalmente. Disse que considera essa situação “insuportável”. O presidente revelou aos ministros apenas uma ponta da suspeita investigada pelo Planalto. Os agentes da Presidência tentam rastrear uma organização formada por delegados da Polícia Federal e da Polícia Civil de São Paulo, auditores da Receita Federal baseados no Rio de Janeiro e em São Paulo, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e de uma empresa de espionagem industrial, além de um empresário envolvido em grandes disputas comerciais. A organização se intitula “Grupo dos 13”, uma referência ao número de seus componentes originais, mas é possível que já conte com 20 integrantes, de acordo com o primeiro relato de sua existência, feito ao presidente por um político de sua confiança.
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VEJA
Rouco de tanto ouvir
A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) espionou autoridades do governo, senadores da República e ministros do Supremo Tribunal Federal provocou uma vigorosa reação institucional contra o aparato estatal que vem violando de maneira acintosa a privacidade dos cidadãos. Na semana passada, uma reportagem de VEJA mostrou que o descontrole chegou ao extremo de agentes a serviço da Abin terem interceptado ilegalmente uma conversa telefônica entre o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, a mais alta corte de Justiça do país, e o senador Demóstenes Torres, um dos líderes oposicionistas no Congresso. O episódio só não se transformou numa grave crise graças à ação rápida e convincente das autoridades. De imediato, o presidente Lula afastou o diretor da Abin, Paulo Lacerda, e toda a cúpula do órgão. Também mandou instaurar sindicância para apurar o envolvimento de servidores da agência estatal na instalação de escutas e na obtenção e manuseio de informações por meio da captação de diálogos telefônicos sem autorização judicial. O presidente ainda determinou ao ministro da Justiça que acionasse a Polícia Federal para investigar o caso e encaminhasse ao Congresso um projeto de lei estabelecendo punições severas aos espiões que atuam à margem da lei. Foi uma reação inicial equivalente à revelação do problema.
O triângulo do pó
O Trapézio Amazônico, nome da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, deveria ser considerado estratégico pelo governo. A região é a porta de entrada de cerca de 70% da cocaína traficada no país. Apesar disso, é tratada com desleixo pelas autoridades. Em Tabatinga, no Amazonas, 34 policiais federais carimbam passaportes e fazem revistas no aeroporto e no porto locais. A repressão às drogas foi relegada a nove agentes federais. Em Letícia, do lado colombiano da divisa, a mesma tarefa envolve 390 policiais. Por esse motivo, o tráfico prefere cometer crimes deste lado da fronteira. Agora a situação se agravou. Uma quadrilha peruana passou a disputar com os colombianos o controle do comércio de cocaína para o Brasil. No mês passado, o conflito entre os criminosos ganhou contornos semelhantes aos de uma guerra. O líder da bandidagem colombiana, Isauro Porras, foi assassinado pelo peruano Jair Michhue, seu antigo sócio. Doze pessoas já morreram na refrega, metade delas na banda brasileira. O assassinato mais recente ocorreu na quinta-feira passada.
CARTA CAPITAL
O mesmo do mesmo do mesmo
Entre domingo e segunda-feira passada, a mídia nativa, instigada pela revista Veja, que formou a primeira bola-de-neve geradora de aludes de típica marca nativa, aceitou em uníssono que grampo houve de ligações do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Personalidades de alto bordo aderiram à crença com ímpeto fundamentalista, da ministra Dilma Rousseff ao governador de São Paulo, José Serra. O próprio presidente da República curvou-se como se estivesse diante de prova provada e dispensou em bloco a cúpula da Abin, a agência acusada de realizar o grampo, a começar pelo diretor Paulo Lacerda, veterano e respeitado policial que de 2003 a 2007 comandou a Polícia Federal com resultados importantes. Oficialmente afastado a bem da investigação. Tranqüila? Isenta? Para quem? Cabe, neste enredo, a primeira entre inúmeras perguntas. Que investigação seria esta se já se pretende assentada a verdade factual? O ministro da Defesa, Nelson Jobim, imponente nas suas fardas de campanha como convém à gravidade do momento, afirma que a Abin dispõe dos mesmos equipamentos de interceptação telefônica em dotação das Forças Armadas, como se com este argumento caíssem quaisquer dúvidas quanto aos autores da operação. Admitamos então que as Forças Armadas também se deleitem em vasculhar a intimidade de semelhantes graúdos. Talvez não seja por acaso que o saboroso editorial do Estadão de segunda, 1º de setembro, se apressa a denunciar, no efetivo da Abin, a presença de egressos do SNI, “um dos pilares da ditadura”, aquela que o jornal invocou nos começos da década de 60. A rigor, não há prova de coisa alguma, com a única certeza de que uma conversa entre São Francisco e os irmãos passarinhos teria mais impacto do que a relatada por Veja entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres. De raspão, uma pergunta menor: que tem a dizer o magistrado a um parlamentar?
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