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A origem do prestígio
Circulam em Brasília teorias sobre a origem do prestígio do delegado Paulo Lacerda, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), afastado do comando há quase três meses, desde que se descobriu que seus espiões haviam se metido clandestinamente em uma investigação policial, vigiando, fotografando e grampeando ilegalmente telefones de autoridades. Lacerda tem dito a amigos que sairá definitivamente, mas não pela porta dos fundos. O presidente Lula, que admira o delegado, pretendia reconduzi-lo ao cargo no fim das investigações que tentam identificar os autores da interceptação clandestina de uma ligação entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres. Lula estava certo de que Lacerda seria isentado de culpa no caso. Não é mais assim. O presidente confidenciou a um assessor que a volta do delegado ao comando da Abin não é mais possível diante da profusão de ilegalidades que já foram descobertas no curso da chamada Operação Satiagraha.
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Está provado que a Abin, sob o comando de Lacerda, destacou mais de oitenta espiões para fazer uma investigação que deveria ser exclusiva da Polícia Federal. Na incursão, que tinha o objetivo de pegar o banqueiro Daniel Dantas, eles manipularam material protegido por segredo de Justiça e produziram relatórios com base em escutas telefônicas – algumas legalmente autorizadas, outras não. Os espiões também monitoraram os passos do presidente do Supremo, grampearam seus telefones, vigiaram parlamentares e produziram relatórios com base nesse material clandestino – tudo dentro da Abin, com o conhecimento do delegado Paulo Lacerda. Há depoimentos formais que comprovam que a legião de arapongas agiu acreditando estar cumprindo uma "missão presidencial". Como Lula, até onde se sabe, nada tem a ver com a operação, fica óbvio que o nome do presidente foi indevidamente usado para justificar ações ilegais – o que já seria motivo mais que suficiente para, no mínimo, demitir os responsáveis. Imagine se tudo o que foi descoberto realmente tiver origem em uma "missão presidencial". Melhor nem imaginar.
Tudo por dinheiro
Em apenas seis dias, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, migrou de um discurso virulento contra a farra realizada pelo PMDB na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para um silêncio sepulcral a respeito do tema. Em uma reunião do Conselho Nacional de Saúde, Temporão afirmou sem meias palavras que a gestão da Funasa era "de baixa qualidade e corrupta". Foi uma resposta às críticas que recebeu por ter enviado ao Congresso um projeto para retirar da fundação uma de suas principais atribuições: a assistência à saúde de 400 000 indígenas. Por esse motivo, Temporão passou a ser alvejado pelos caciques do PMDB, partido ao qual é filiado e responsável pela tal gestão "de baixa qualidade e corrupta" da Funasa. Chegaram mesmo a pedir sua cabeça. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cedeu a essa pressão. Cedeu a outra. Orientou Temporão a fumar o cachimbo da paz com os chefes do PMDB na última terça-feira. Simultaneamente, injetou 1,6 bilhão de reais no Ministério da Saúde. Enfim, deu ao PMDB e ao seu ministro o que todos, afinal, queriam de verdade: mais dinheiro.
Tião, o candidato da oposição
Há dois anos, PT e PMDB fecharam um acordo que previa um rodízio entre os dois partidos nas presidências da Câmara e do Senado. Pelo acerto, a partir de fevereiro o petista Tião Viana (AC) presidirá o Senado e o peemedebista Michel Temer (SP), a Câmara. A combinação, porém, está ameaçada desde que o senador Renan Calheiros, que renunciou à presidência do Senado para escapar da cassação por crimes de corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, exploração de prestígio e sonegação fiscal, decidiu retomar o comando do Congresso. Renan colocou de prontidão seus seguidores dentro do PMDB – que não são poucos – para minar a ascensão do candidato petista. Os argumentos contra Viana revelam o grau de degradação que atingiu o Senado. Os peemedebistas alegam que o petista não pode ser presidente porque, no ano passado, ao assumir interinamente o cargo, ele teria criado terríveis constrangimentos para os colegas ao determinar a transparência nos gastos dos parlamentares, além de impedir o uso da máquina para salvar o mandato de Renan Calheiros. Diante de argumentos tão republicanos, o PMDB quer o senador José Sarney como o próximo presidente do Congresso.
A manobra de Renan Calheiros fragilizou a candidatura de Tião Viana, mas ainda não conseguiu inviabilizá-la por completo. Ao contrário, produziu um fato inédito no Congresso Nacional na era Lula: está se materializando uma curiosa aliança entre o PT e a oposição. Um grupo de senadores encabeçado por Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, Tasso Jereissati, do PSDB do Ceará, e Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, já fechou questão em torno da candidatura do petista. Os senadores continuam na oposição, votam e discursam contra o governo Lula, mas consideram que a volta de Renan Calheiros e sua tropa ao comando do Parlamento seria um retrocesso sob todos os aspectos, principalmente em relação à já tão desgastada imagem da Casa. Resume o senador Demóstenes Torres: "Tião Viana, nesse contexto, acaba sendo uma noiva charmosa. Ele é criticado por suas virtudes. Entre ele e esse pessoal do PMDB que todo mundo conhece, não há dúvida".
Isto é
Chinaglia, o autoritário
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), é considerado autoritário e explosivo por muitos de seus pares. Na quinta-feira 13, ele mais uma vez fez jus à fama que carrega. Diante da decisão tomada um dia antes pelo STF de ratificar a posição do Tribunal Superior Eleitoral em favor da fidelidade partidária, o presidente do TSE, ministro Ayres Britto, reiterou uma determinação que já havia feito por mais de uma vez para que a Câmara cassasse o mandato do deputado paraibano Walter Brito Neto, que trocou o DEM pelo PRB. Uma determinação mais do que natural, uma vez que o TSE decidiu pela perda do mandato de Brito Neto em março. Como resposta, Chinaglia não apenas resistiu a cassar o deputado infiel como atacou Ayres Britto e o Poder Judiciário de forma bem mais explosiva do que se pode esperar de um parlamentar. “Quero dizer ao ministro Ayres Britto que Sua Excelência não preside um Poder, Sua Excelência preside o TSE. Se eu quiser cobrar publicamente do ministro Ayres Britto processos em que Sua Excelência ficou determinado tempo sem deliberar, posso fazê-lo publicamente também”, reagiu Chinaglia. E emendou dizendo saber que há ministros que “sentam” em cima de processos.
Ayres Britto entra assim para a longa lista de vítimas das explosões do presidente da Câmara. “Ele sempre foi duro, sincero, nunca foi de dourar a pílula. Mas reconheço que, às vezes, ele se excede”, avalia o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos principais amigos de Chinaglia no Parlamento. Na quarta-feira 12, no meio do plenário, atrás do microfone de apartes, o deputado Francisco Rodrigues (DEMRO) ficou vermelho como um pimentão. É que, do alto de sua cadeira, o presidente Chinaglia bradava a plenos pulmões na direção do deputado: “O senhor se ausenta das votações e depois acha que pode vir aqui atrapalhar os trabalhos? Não vou aceitar isso de maneira alguma. Não venha me criar problemas.” Rodrigues tinha perdido a votação de um dos destaques de uma MP e queria às pressas se justificar e manifestar qual seria seu voto. Com isso, acabou interrompendo outro parlamentar. Diante dos gritos de Chinaglia, Rodrigues respondeu: “O senhor é quem cria problemas com todo mundo.”
A guerra de todos contra todos
A advogada Heloísa Garcia, 31 anos, esposa do delegado Protógenes Queiroz, diz que jamais vai esquecer as cenas de pavor que viveu quando quatro policiais armados com pistolas Glock, com uniforme de guerra, entraram em seu apartamento, na madrugada da quarta-feira 5. "Tive de abrir a porta de camisola", diz Heloísa. "Meu sentimento foi de invasão, como se tivesse sido violentada." Não lhe permitiram usar o telefone. Seu filho de sete anos ficou traumatizado. "Isso para mim é ditadura", diz a advogada. Os policiais abriram sua bolsa e levaram o pen drive, computador pessoal, chip da máquina fotográfica e celular. No mesmo dia que invadiu a casa de Protógenes, a PF também revistou a sede da Abin em Brasília e as subsedes no Rio de Janeiro e São Paulo. Os responsáveis pela Operação Satiagraha passaram de investigadores a investigados. Depois que ISTOÉ revelou a presença do espião do extinto SNI Francisco Ambrósio do Nascimento dentro da PF, a apuração de vazamento e grampo ilegal identificou 70 agentes da Abin que participaram do inquérito, abrindo uma grave crise nos órgãos de inteligência.
O mistério de Dina
Conhecida como Dina, a geóloga Dinalva Oliveira dos Santos tinha 29 anos em 1974, quando desapareceu durante a guerrilha do Araguaia. Ela foi a única mulher, entre os guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que enfrentaram o Exército, a comandar um destacamento militar insurgente. Segundo seus companheiros e até alguns militares, Dina era valente, atemorizava os soldados com sua audácia e saiu ilesa de vários combates. Seu desaparecimento é um dos maiores mistérios do Araguaia. Há versões de que ela morreu em combate; outras garantem que Dina foi executada pelos militares. Seus restos mortais jamais foram encontrados. Agora, um documento do Exército obtido por ISTOÉ com exclusividade revela que a guerrilheira foi presa e interrogada antes de desaparecer.
As provas do depoimento de Dina estão no telex nº 191-E2.1, datado de 12 de junho de 1990, enviado ao Estado-Maior do Comando Militar do Oeste, aos cuidados do então capitão Aurélio da Silva Bolze, hoje, coronel e chefe de comunicação do Comando Militar Sul. Segundo os relatos dos sargentos José Albérico da Silva e Paulo Eduardo do Carmo Cunha e do soldado Marcelino Nobre de Oliveira, Dina teria admitido aos oficiais que a interrogaram sua participação numa tocaia a uma patrulha militar próximo a Bacaba, uma das duas bases militares perto de Marabá (PA). "Presa e interrogada, ela declarou ter desistido da emboscada ‘a uma patrulha militar’ em face da maior potência de fogo da tropa regular", atestam os militares. A patrulha que Dina cercou era comandada pelo então sargento José Vargas Jiménez, hoje tenente da reserva. O telex faz parte de uma investigação interna do Exército para a concessão da Medalha do Pacificador ao sargento Vargas, que na última semana revelou à ISTOÉ que os militares tinham ordem de exterminar os guerrilheiros no Araguaia.
Carta Capital
E Lula assinou
Na quinta-feira 20, o presidente Lula assinou o decreto que altera o Plano Geral de Outorgas (PGO). É o sinal verde para que a Oi, sócia de seu filho Fábio na Gamecorp, incorpore a Brasil Telecom.
Quem defende a idéia argumenta que a mudança contempla a atual tendência do mercado mundial de telecomunicação, de concentração. E que a união dará ao Brasil uma empresa nacional capaz de competir internacionalmente. Os detalhes político-policiais prefere-se esquecer.
Sob o comando do delegado Protógenes Queiroz, a Operação Satiagraha, que tantas dores de cabeça trouxe ao governo, a ponto de provocar uma guerra interna na Polícia Federal e entre esta e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), iria redundar inevitavelmente nas articulações que levaram à fusão agora autorizada pelo presidente. Basta reler o relatório de Queiroz para encontrar o fio da meada a unir os anseios particulares e políticos encobertos sob o manto do interesse público.
O delegado, vê-se, está sendo bombardeado. Confia-se que seu substituto, Ricardo Saadi, não desperdiçará as linhas de investigação. De qualquer maneira, o doutor Queiroz produziu durante quatro anos farto material, suficiente para explicar parte essencial das relações de poder no Brasil. E a fusão entre a Oi e a BrT é um capítulo recente e importante.
As provas não foram para o ralo
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, na quinta-feira 20, a legalidade das provas obtidas numa investigação da Polícia Federal sobre um esquema de venda de sentenças judiciais em favor de donos de casas de bingo e jogos de azar. Resultado da Operação Furacão, o inquérito tem 40 mil horas de gravações, feitas por meio de grampos e escutas ambientais.
O Ministério Público Federal denunciou dois juízes, um procurador-regional da República, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina e o irmão do magistrado, o advogado Virgílio Medina, pelos crimes de corrupção passiva, prevaricação e formação de quadrilha. Gravações da PF mostram Virgílio negociando por 1 milhão de reais a concessão de uma liminar que autorizava o funcionamento de 900 máquinas caça-níqueis em Niterói, no Rio de Janeiro. O julgamento do caso será retomado na próxima quarta-feira 26.
Os réus tentaram, sem sucesso, anular essas provas, sob a justificativa de que as prorrogações das escutas telefônicas foram ilegais. Em setembro, o STJ anulou uma investigação da Polícia Federal que usou quase dois anos de interceptações telefônicas contra o Grupo Sundown, do Paraná, com base nesse mesmo argumento. Desta vez, oito ministros do Supremo consideraram que as prorrogações foram legais. Somente o ministro Marco Aurélio divergiu. Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes não participam do julgamento.
O araponga agitado
Desde o afastamento do delegado Paulo Lacerda da direção-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1º de setembro, o oficial de inteligência Nery Kluwe não perde uma oportunidade para dizer sempre a mesma coisa: Lacerda não pode voltar. Em entrevistas a jornalistas, em conversas com superiores e na Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas, a CPI dos Grampos, ele mantém o discurso monocórdio: Lacerda não pode voltar. A posição de Kluwe, presidente da Associação de Servidores da Abin (Asbin), é semelhante à da defesa do banqueiro Daniel Dantas, baseada na “contaminação” das provas pela participação de espiões da agência na Operação Satiagraha. Mas os motivos são outros. Isso porque a volta de Lacerda poderá encerrar a carreira de Kluwe.
Ao assumir o comando da Abin, em setembro de 2007, Lacerda fez um movimento de aproximação com Kluwe ao definir uma política de aumento salarial, festejada dentro da categoria. Mas acabou por arrumar, em seguida, um inimigo poderoso dentro da instituição ao criar a Corregedoria-Geral da agência, nos moldes da existente na Polícia Federal.
Na Abin, Lacerda notou que não havia nenhum mecanismo formal de investigação interna. No máximo, instauravam-se comitês de sindicância, sem autonomia nem método, que nada investigavam. Muitos dos processos, simplesmente, desapareciam sem jamais ser concluídos. Para o cargo de corregedora-geral foi designada a delegada Maria do Socorro Tinoco, ex-chefe de gabinete de Lacerda na PF, policial com fama de ser linha-dura. Lá, ela trabalha com outros dois delegados federais.
No ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) encaminhou à Corregedoria-Geral da Abin uma denúncia contra Kluwe. O presidente da Asbin foi acusado de advocacia administrativa, por usar informações secretas da agência para atuar em causas particulares (ele é advogado). É crime passível de demissão a bem do serviço público, o que certamente vai acontecer com Kluwe, dadas as informações disponibilizadas à delegada Maria do Socorro.
Ao contrário da PF, no entanto, o cargo de corregedor da Abin não tem mandato, ou seja, o titular pode ser demitido a qualquer momento. Por isso Kluwe corre contra o tempo e insiste no afastamento imediato de Lacerda e, ato contínuo, na nomeação de um servidor da Abin para o cargo. Dessa forma, ele pode apressar a demissão da delegada Maria do Socorro, a extinção da Corregedoria (que estaria “contaminada” pela presença de policiais federais) e o arquivamento do processo – ou, como nos velhos tempos, contar com o sumiço da papelada. A Corregedoria descobriu, ainda, que ele faltava ao trabalho sob alegação de cumprir agenda de atividades da associação de servidores, mas, na verdade, usava os horários para comparecer a audiências de clientes particulares.
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