Veja
Sem limites
A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, será lembrada como um sucesso por ter conseguido o feito inédito na história do combate à corrupção no Brasil de levar à condenação na Justiça Criminal um ex-banqueiro – no caso, Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity. Mas a operação também ficará marcada para sempre por ter servido de fachada para o funcionamento de uma máquina ilegal de espionagem que, em ousadia e abrangência, também não tem paralelo na história brasileira. Protógenes, que durante um ano e meio comandou a Operação Satiagraha, está sendo investigado por tais abusos pela própria Polícia Federal. O inquérito em andamento tem como uma de suas principais fontes de evidências o conteúdo do computador apreendido por policiais na casa de Protógenes. Na semana passada, VEJA teve acesso à integra desse material. O conteúdo é estarrecedor e prova que o delegado centralizava o trabalho de uma imensa rede de espionagem que bisbilhotou secretamente desde a vida amorosa da ministra Dilma Rousseff até a antessala do presidente Lula, no Palácio do Planalto – passando pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo governador José Serra, além de senadores e advogados.
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Nos documentos encontrados na residência do delegado há relatórios que levantam suspeitas graves sobre as atividades de ministros do governo, fotos comprometedoras que foram usadas para intimidar autoridades e gravações ilegais de conversas de jornalistas – tudo produzido e guardado à margem da lei. O material clandestino – 63 fotografias, 932 arquivos de áudio, 26 arquivos de vídeo e 439 documentos em texto – foi apreendido em novembro do ano passado pela Polícia Federal e estava armazenado em um computador portátil e em um pen drive guardado no apartamento do delegado no Rio de Janeiro. Os policiais buscavam provas de ações ilegais da equipe de Protógenes, entre as quais o áudio da interceptação clandestina de uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres. A existência do grampo foi revelada a VEJA em agosto do ano passado por um agente da Abin que participou da Operação Satiagraha como encarregado da transcrição de centenas de outras conversas captadas ilegalmente. O resultado final da investigação deve ser anunciado até maio, mas, pelo que já se encontrou nos arquivos pessoais de Protógenes, não resta mais sombra de dúvida sobre a extensão de suas ações ilícitas, cuja ousadia sem limite chegou à antessala do presidente Lula e a seu filho Fábio Luís.
Minha gente!
A política admite a volubilidade, as alianças de ocasião e certa dose de incoerência. Mas o que se viu no Senado brasileiro, na semana passada, com a eleição do ex-presidente da República Fernando Collor para a presidência da Comissão de Infraestrutura daquela casa, foi a mais pura falta de vergonha. Com apoio do presidente Lula – repita-se, do presidente Lula –, Collor chegou a um cargo para lá de estratégico. Como presidente da comissão, ele encaminhará a tramitação das ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o projeto com o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende alavancar a campanha presidencial de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Lidará, portanto, com a liberação de muitas verbas. Muitas. Para usar uma metáfora cândida, é como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Mais uma. Collor disputava a posição com a senadora Ideli Salvatti, do PT – aquele partido ao qual, acreditava-se, pertencia Lula antes que ficasse claro que seu único partido é ele próprio. Os senadores petistas não escondem a mágoa pelo fato de o Palácio do Planalto ter-se empenhado ativamente em favor de Collor, por intermédio do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. O senador Aloizio Mercadante, com um muxoxo, falou da formação de uma "aliança espúria". Reclamava da composição entre o governo, o PTB de Collor e Múcio e o PMDB de José Sarney e do ínclito Renan Calheiros. Pois é, senador, quem mandou salvar Calheiros, que tinha contas pessoais pagas por uma empreiteira, da cassação em 2007? Depois, convenhamos, o ex-presidente da República, impichado em 1992, é só mais um morto-vivo que o governo federal e seus parlamentares ajudaram a ressuscitar.
Fora do Tom
Na semana passada, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) extinguiu uma portaria que, desde 2005, limitava as operações do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, à ponte aérea Rio-São Paulo. A decisão irritou o governador Sérgio Cabral. A saída de linhas regionais do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), em sua visão, dificultaria as conexões para voos para o exterior, mais rentáveis. Como defende a privatização do aeroporto internacional, Cabral teme que a medida esvazie o interesse de investidores. Até aí, nada de mais. O governador tem o direito – e o dever – de incluir os aeroportos em sua estratégia de desenvolvimento econômico e de procurar influenciar nas decisões da Anac em favor do que considera ser o melhor para seu estado. Porém, apesar dos argumentos tecnicamente frágeis para sustentar seu ponto de vista, Cabral não se conteve. Ele usou instrumentos técnicos com fins políticos, ameaçou não renovar a licença ambiental do aeroporto e acenou com o aumento de ICMS sobre os combustíveis somente para as empresas aéreas que utilizarem o Santos Dumont.
Bolsa baderna
Foi em tom ofendido que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, respondeu na semana passada à justa cobrança feita pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Disse o ministro, ao comentar a mais recente onda de crimes perpetrada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que o Ministério Público, chefiado pelo procurador-geral, deveria tomar providências para evitar que o dinheiro público servisse (como há tempos vem servindo – veja quadro) para financiar as ilegalidades cometidas pelo MST. Antonio Fernando de Souza respondeu que o MP "não está dormindo" e que já investiga o assunto "há muito tempo, sem estardalhaço". O procurador-geral da República já teve diversas oportunidades de provar sua independência e capacidade de trabalho, e o fez muito bem. Desta vez, no entanto, saiu-se mal. Se é fato que o MP investiga o assunto pelo menos desde 2001, é também incompreensível que até agora não tenha chegado a nenhuma conclusão. Mesmo porque a irregularidade já foi sobejamente comprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – e de forma bem mais célere
"Um carimbo e já era"
Para ganhar o benefício da delação premiada, o investigador Augusto Pena, preso no ano passado, fez uma série de denúncias acusando colegas e superiores de "vender" cargos de direção na Polícia Civil de São Paulo. Pena está detido desde abril, acusado de sequestro e tentativa de extorsão. Entre as acusações que fez, estava a de que o ex-secretário adjunto de Segurança Pública Lauro Malheiros Neto havia negociado cargos com três delegados e "vendido" a reintegração de outros três policiais demitidos por tentativa de extorsão. Por caso, Malheiros Neto teria recebido entre 100 000 e 250 000 reais. O intermediador seria o advogado Celso Augusto Valente, primo e ex-sócio de Malheiros. Na semana passada, as denúncias de Pena ganharam áudio e vídeo. Numa gravação recebida pelo Ministério Público, o advogado Valente surge, de terno e óculos escuros, negociando com um investigador sua absolvição num processo administrativo. Em um trecho, ele diz ao seu interlocutor, identificado apenas como José Luiz: "Esse negócio de PA, parecer administrativo, é tudo baboseira. É um carimbo, um risco e já era". Noutro, procura vender seu peixe dizendo que as pessoas não têm "ideia do conceito que o Laurinho tem com o governador do estado". Lauro Malheiros Neto diz que foi "tudo armação" – inclusive o vídeo.
O Contra-ataque
Ao denunciar, em entrevista a VEJA, que a maioria dos integrantes do PMDB usa o partido e a política para fazer negócios, o senador Jarbas Vasconcelos colocou-se como alvo natural de retaliações. Na semana passada, logo depois de ir a plenário e ratificar as acusações, ele foi afastado da Comissão de Constituição e Justiça. Na Câmara, um obscuro deputado levantou suspeitas sobre a aposentadoria do senador. Mas veio das sombras o ataque mais insidioso. Nesta terça-feira, Jarbas Vasconcelos ocupará mais uma vez o plenário para fazer uma nova e explosiva revelação: integrantes de seu partido, o PMDB, teriam contratado uma famosa empresa americana de investigação privada para grampear seus telefones, vasculhar sua biografia e vigiar os passos dele e de seus familiares. O objetivo seria encontrar algo que pudesse criar constrangimento ao parlamentar e, com isso, desqualificar suas denúncias. Jarbas vai pedir à Polícia Federal que apure o caso. "Já é inadmissível que arapongas vasculhem a vida de um senador da República. Mas é um escândalo descomunal imaginar que a contratação dos espiões tenha partido daqui", diz o senador, referindo-se ao Congresso.
IstoÉ
Gilmar x Lula
No clássico Do espírito das leis, Montesquieu ensinou que um dos pilares da democracia é a harmonia entre os Poderes da República. O preceito do barão francês data de 1748 e tem aplicação universal. Mas no Brasil, hoje, o espírito que prevalece é outro. Executivo, Legislativo e Judiciário vivem se engalfinhando. E o principal exemplo de desarmonia são os frequentes batebocas entre o presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, órgão máximo do Judiciário. Na Quarta-Feira-de-Cinzas, Gilmar voltou a exibir sua língua afiada, ao cobrar providências contra as ONGs que apoiam as ações do MST.
Para ele, "o financiamento público de movimentos que cometem ilícitos é ilegal e ilegítimo". Alvo da crítica, o Executivo reagiu de pronto. Na opinião do presidente Lula, Gilmar falou "como cidadão – e não como presidente da instância máxima do Poder Judiciário". Gilmar ressaltou que falou "como chefe do Judiciário que tem responsabilidades políticas e institucionais inerentes ao cargo". E assim a discórdia entre os Poderes voltou a se instalar. Na verdade, o presidente Lula e o ministro Gilmar estranham-se há muito tempo. Quando o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido pela morte da missionária Dorothy Stang em maio de 2008, Lula disse que a decisão do Tribunal do Júri de Belém "manchava a imagem do Brasil no Exterior". Gilmar rebateu:
"Temos de parar com esse tipo de consideração. Alguém acha que a imagem da Inglaterra ficou manchada no mundo por conta do episódio Jean Charles?". Em julho, Gilmar criticou a "espetacularização" das prisões efetuadas pela PF e, em agosto, alvo de grampo na Operação Satiagraha, denunciou que "o País vivia um quadro preocupante de crise institucional pelo total descontrole estatal no uso de grampos". Em tom desafiador, advertiu que "nesse caso, o próprio presidente da República é chamado às falas, ele precisa tomar providências".
A fila andou
A Justiça Eleitoral está mesmo com a faca nos dentes. Depois da cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), há menos de um mês, o TSE, por cinco votos a dois, também cassou, no fim da noite da terça-feira 3, os mandatos do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e do vice Luiz Carlos Porto (PPS), por abuso de poder na eleição de 2006. Com a decisão, a senadora Roseana Sarney (PMDB), segunda colocada na disputa estadual, deverá assumir o governo do Estado. O ex-ministro do STF Francisco Rezek, advogado do governador do Maranhão, entrou com recurso por meio do chamado embargo de declaração. "Vamos apelar a todas as instâncias possíveis", disse Rezek. Mas fontes do TSE dizem que dificilmente haverá uma revira volta no caso, pois o recurso será julgado pelos mesmos ministros que condenaram Lago.
Fábrica de buracos
Responsável pela manutenção das principais rodovias do País, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) é um campeão de irregularidades em obras públicas, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). De 56 obras fiscalizadas pelo TCU, 25 apresentam desvios graves, que vão do superfaturamento ao desperdício de recursos públicos. O TCU, na maioria dos casos, recomenda a paralisação das obras. Em entrevista à ISTOÉ, o diretor-geral do DNIT, Luiz Antônio Pagot, reconheceu que o quadro é preocupante, mas garantiu que faz o possível para retirar a autarquia da lista de órgãos mais corruptos do País. Ele decidiu suspender algumas das obras irregulares – muitas delas incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Das 84 obras do PAC no setor de transportes, 58 são tocadas pelo DNIT. Uma delas é a BR- 010, no Tocantins, de R$ 60 milhões. "Estamos cancelando a obra, o acórdão determina devolução do dinheiro, por superfaturamento", conta Pagot.
O deputado de 20 votos
Embora esteja apenas em seu segundo mandato, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é hoje um dos parlamentares mais poderosos e influentes da Câmara. Sua força advém dos cargos que controla, da ascendência sobre a bilionária Furnas e, principalmente, do comando que exerce sobre uma bancada informal composta por pelo menos 20 deputados do PMDB e de outros partidos da base governista, como PTC e PSC.
Ele costuma referir-se ao grupo como "os meus". No Congresso, são conhecidos como a "turma do Cunha". Toda vez que o governo precisa dos votos de setores do PMDB, PSC e PTC para aprovar matérias consideradas caras ao Planalto, já sabe: tem que negociar com Cunha. "Não tem isso de liderar, mas posso dizer que sou um porta-voz da bancada do PMDB do Rio de Janeiro. Decidimos tudo em conjunto. Quanto aos outros partidos, de fato, acho que tenho mais de 20 amigos", reconhece.
O pac agora é delle
Na véspera do Carnaval, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, foi ao Palácio do Planalto a chamado do presidente Lula, que estava preocupado com as negociações em andamento no Senado. Com a bênção de José Sarney, Renan avisou que o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) era o nome escolhido pelo PMDB e o DEM para assumir a Comissão de Infraestrutura. "Minha única preocupação é com a governabilidade", explicou Lula. "Fica tranquilo, presidente, o governo vai sair ganhando, pois a base aliada vai conquistar mais estabilidade", respondeu Renan.
E na quarta-feira 4 ajudou Collor a se eleger titular da comissão responsável pela análise dos grandes projetos do governo. O PAC, carro-chefe da campanha da ministra Dilma Rousseff, ficará sob o crivo do ex-presidente da República. Dezesseis anos depois do impeachment e com 59 anos, elle está de volta à cena política. Confirmada a votação, ficou feliz ao ouvir novamente a palavra "presidente" e abriu um largo sorriso. "Como é bom ganhar!", disse aos amigos. "Eu nunca mais experimentei esse sabor.
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