Veja
A conta secreta de “JS” lá fora
Em junho de 2001, o presidente do Senado, José Sarney, esteve em Veneza, na Itália, ao lado do banqueiro Edemar Cid Ferreira, amigo de mais de três décadas. Eles foram acompanhar a cultuada Bienal de Artes da cidade. Sarney e Edemar visitaram exposições e foram a festas. Semanas depois, já em São Paulo e de volta ao trabalho, o então dono do Banco Santos mandou registrar em seu computador detalhes financeiros da temporada da dupla em Veneza. O registro faz parte dos milhares de arquivos digitais que integram o processo sigiloso de liquidação do banco. O documento tem como título “JS-2”. Em sete linhas ele relata a movimentação de uma conta em dólares no exterior. Há um ano, VEJA teve acesso a esse e outros documentos do rumoroso caso de liquidação extrajudicial do Banco Santos. Na semana passada, finalmente ficou claro que JS-2 era o nome-código de uma conta em dólares de José Sarney e que as anotações feitas em 10 de junho de 2001, exatamente no dia da abertura da Bienal, se referiam a movimentações de fundos. Edemar registrou a entrega de 10.000 dólares em Veneza a “JS”. Edemar Cid Ferreira se referia ao presidente José Sarney em documentos do banco recolhidos pelos interventores e em poder da Justiça pelas iniciais “JS.” Caso encerrado? As evidências são inequívocas, mas à polícia e à Justiça cabe a palavra final.
Procurados por VEJA, tanto Sarney quanto Edemar garantiram desconhecer os fatos apurados pelos interventores e pela Polícia Federal e registrados nos documentos que ilustram estas páginas. Essa é uma questão que cabe à Justiça dirimir. Como também cabe às autoridades determinar se essa conta e os fundos nela contidos são de origem legal e se foram devidamente declarados à Justiça Federal. Não é crime ter conta no exterior. Crime é mandar para fora os recursos sem conhecimento das autoridades e sem comprovar a licitude de sua origem. Por enquanto, o que os documentos significam é mais um grande constrangimento para o presidente José Sarney em um momento em que ele já se encontra assoberbado por uma série de denúncias extremamente graves. A simples proximidade com o controlador do Banco Santos é problemática. Edemar foi condenado pela Justiça, em primeira instância, a 21 anos de cadeia, já passou duas temporadas em uma penitenciária em São Paulo e está com todos os bens bloqueados pela Justiça.
Leia matéria do Congresso em Foco em 2008
Mansão do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, entra na mira da oposição
Cultura da pedofilia
Tio Branquinho gosta de meninas – quanto mais novas, melhor. Ele mora na pequena Tefé, no interior do Amazonas, cidade de 65 000 habitantes esquecida no meio da selva, aonde só se chega de barco, numa aventura que se prolonga por quatro horas partindo de Manaus. Tio Branquinho, como é chamado pelas alunas da Escola Estadual Frei André da Costa, comunga de uma mentalidade tristemente comum nos estados do Norte e do Nordeste, a qual tolera, quando não incita, a iniciação sexual de meninas, sejam crianças ou adolescentes, por homens mais velhos. Todo mundo em Tefé conhece há anos os hábitos sexuais de Tio Branquinho. No Brasil, contudo, não importa em qual estado, fazer sexo com menores de idade chama-se pedofilia – e, embora não tenha esse nome nas leis do país, é crime, passível de prisão. Tio Branquinho, ou Antônio Carlos Branquinho, sabe bem disso. Ou deveria saber: ele é um homem da lei, juiz do Trabalho em Tefé. Deveria saber que não pode fazer sexo com meninas, muito menos, creia, nas dependências da Justiça em Tefé, como o Ministério Público Federal descobriu. Há duas semanas, o tempo fechou para Tio Branquinho. Ele foi preso pela Polícia Federal – numa demonstração de que a força dessa mentalidade não é mais a mesma.
Não sabem o que falam
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que faz 173 mudanças na Lei Eleitoral. Dessas, 22 tratam do uso da internet nas eleições e podem ser divididas em dois blocos. No primeiro estão as regras liberalizantes. Elas ampliam, por exemplo, o espaço na rede em que é permitido fazer campanha eleitoral, hoje restrita aos sites dos próprios candidatos. Pelo projeto, os políticos podem passar a usar blogs, redes sociais e e-mails. O restante das medidas é autoritário e está em descompasso com a realidade. Elas equiparam sites de veículos de comunicação e portais a emissoras de rádio e TV, como se os primeiros fossem também concessões públicas e, portanto, sujeitos a supervisão estatal. Não são, fique claro. No projeto, há uma regra que diz que sites e portais devem dar o mesmo tratamento a candidatos e partidos, sob pena de ser multados, e outra que chega a ser mais rígida com a internet do que com os veículos impressos. Veda a propaganda paga na rede, hoje permitida em jornais e revistas. Os deputados também querem proibir a veiculação de vídeos e áudios com montagens que ridicularizam candidatos. É uma tolice que cairá no vazio. Muitos dos sites que divulgam esse tipo de material têm sede no exterior e não são regidos pelas leis brasileiras.
Honduras: o risco do neogolpista
A condenação rápida e uníssona à deposição do presidente Manuel Zelaya, de Honduras, comprova o repúdio latino-americano aos golpes de estado. Ninguém deve mesmo apoiar golpes militares contra um presidente eleito. As sanções orquestradas por governos e instituições multinacionais, como a Organização dos Estados Americanos, encurralaram os golpistas e abriram caminho para a busca de uma solução negociada para a crise hondurenha. As conversações começaram na quinta-feira passada, com a mediação do presidente da Costa Rica, o Nobel da Paz Oscar Arias. A América Latina é hoje um continente democrático. Com exceção de Cuba, todos os países da região elegeram seus governantes em votação livre. Três décadas atrás, apenas Colômbia, Costa Rica e Venezuela tinham esse privilégio. O golpe em Honduras é um inédito golpe de estado bem-sucedido nas últimas duas décadas. Uma quartelada chegou a depor Chávez, em 2002, mas os golpistas resistiram apenas dois dias.
Época
Controlar o vento
A internet é um meio de comunicação que já nasceu livre. Controlar a difusão do que é produzido e circula nesse ambiente sem limitações físicas é um desafio. Na semana passada, a Câmara dos Deputados se aventurou nesse terreno. Os deputados aprovaram um projeto de reforma da lei eleitoral, de autoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que trata – entre outras coisas – do uso da internet nas campanhas eleitorais. O projeto ainda será examinado pelo Senado e, se for modificado, passará novamente pela Câmara antes de ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas os parlamentares querem fazer tudo até setembro, para que possam valer na eleição de 2010.
O projeto aprovado avança pouco em termos de liberação do que já pode ser feito em termos eleitorais pela internet. A propaganda continua proibida em sites comerciais. É liberada apenas nos sites de candidatos e partidos. Eles podem criar blogs, enviar e-mails e usar redes sociais e o Twitter. Mas o texto submete a internet às mesmas regras seguidas por jornais, revistas, rádios e TVs. “Não podemos sair de uma lei em que nada pode para o ‘liberou geral’”, afirma o deputado Flávio Dino. “É preciso acabar com essa mitologia de que não há regras na internet.” A diferença básica é que rádios e TVs são concessões do governo a agentes privados, enquanto a internet não. A equiparação vai obrigar sites e portais a fazer mudanças. A lei atual não impõe nenhuma restrição a debates na internet. Se o projeto for aprovado como está, sites e portais só poderão fazer debates se todos os candidatos concordarem.
Leia também
Deixe um comentário