Veja
A farra é deles. A conta é nossa
Salário médio de 18 000 reais; horário de trabalho flexível, que permite dar expediente em casa ou em qualquer outro lugar do país; plano de saúde com reembolso integral de despesas; pagamento de horas extras nas férias; gratificações por tempo de serviço; gratificações por funções exercidas; gratificações por funções não exercidas; possibilidade de ascensão na carreira por mérito; possibilidade de ascensão na carreira por demérito; aposentadoria integral; pensão familiar vitalícia em caso de morte; estabilidade no emprego. É imenso o rol de possibilidades de 7 000 servidores do Senado Federal, em Brasília. Nos últimos meses, revelou-se que a parte mais nobre do Parlamento funciona nos moldes de um sultanato, em que tudo pode – inclusive infringir leis, desde que em benefício dos senadores e dos próprios funcionários. Nepotismo é proibido. No Senado, há parentes de servidores espalhados em várias repartições. O maior salário da República, 24 500 reais, deve ser obrigatoriamente o de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Há pelo menos 700 pessoas no Senado, segundo levantamentos oficiais, recebendo acima desse limite. Sem fiscalização e funcionando de maneira autônoma, o Senado é administrado como se fosse uma confraria – uma confraria com o meu, o seu, o nosso dinheiro.
Em uma década, o orçamento do Senado saltou de 882 milhões de reais para 2,7 bilhões neste ano. É, disparado, a casa parlamentar mais cara para os brasileiros. Cada um dos 81 senadores consome 33,8 milhões de reais por ano. É cinco vezes o custo de um deputado federal em Brasília. Nada menos que 2,2 bilhões de reais, ou 80% de seu orçamento anual, são gastos com pagamento de salários. No total, o Senado tem 9 677 servidores, entre ativos, aposentados e pensionistas. Há ainda os servidores terceirizados, cujo número exato o próprio Senado até hoje alega desconhecer, mas que pode passar de 2 000. Muito dinheiro, pouca luz e uma boa dose de desapego moral criam o substrato perfeito para todo tipo de malandragem. E ela tem eclodido como praga. Há casos de senador usando funcionários e a estrutura da Casa para fins pessoais e de funcionário usando apartamento de senador para abrigar parente. Casos de nepotismo, irregularidade em contratos, existência de servidores fantasmas. Histórias que deixam evidente a simbiose entre parlamentares e o corpo administrativo do Senado para o simples bem-estar de ambos.
E não há santos. O senador Mão Santa, do PMDB do Piauí, tem um servidor lotado em seu gabinete, Aricelso Lopes, que exerce função de “coordenador de atividade policial” do Senado. Com direito a broche azul de “autoridade”, uma relíquia que dá acesso a várias benesses, o diretor deveria cuidar da segurança dos parlamentares, entre outras coisas. Mas ele nunca foi visto nem no gabinete de Mão Santa, onde é lotado, nem na Polícia Legislativa, em que ocupa a prestigiosa função de diretor. Na semana passada, VEJA visitou a sala dos seguranças e perguntou pelo tal chefe. “Ari o quê?”, indagou o primeiro funcionário. “Acho que ele está no Piauí”, disse um segundo. O terceiro reconheceu: “Faz no mínimo dois anos que ele não aparece aqui”, informou Rauf de Andrade, chefe de gabinete da polícia do Senado. Aricelso, ao que tudo indica, é um fantasma. O gabinete de Mão Santa disse que ele foi contratado para capturar um pistoleiro que ameaçava o senador.
O personagem mais exemplar da confraria em que o Senado se transformou é Agaciel Maia, o ex-diretor-geral, demitido depois de sonegar informações sobre a propriedade de uma mansão avaliada em 5 milhões de reais. Ex-datilógrafo, Agaciel era diretor da gráfica do Senado quando se soube que os parlamentares usavam o local para imprimir material de campanha política, o que é ilegal. Na ocasião, uma das investigadas era a então deputada Roseana Sarney. Foram encontrados no Maranhão cadernos supostamente impressos em Brasília, mas as provas do crime desapareceram da gráfica. Quando assumiu a presidência do Congresso, em 1995, o senador José Sarney fez de Agaciel diretor-geral. A gestão de Agaciel provocou um inchaço assombroso na Casa. Nos últimos catorze anos, foram criadas 4 000 vagas. Dessas, pouco mais de 150 foram preenchidas por concurso público. As demais foram ocupadas por nomeações políticas. Hoje, existem quase 10 000 funcionários para atender 81 congressistas. Vale ressaltar que, embora oficiais, esses números são estimados. A máquina administrativa se fecha para os próprios senadores. Presidente do Senado entre dezembro de 2007 e fevereiro deste ano, Garibaldi Alves (PMDB-RN) jamais conseguiu que lhe entregassem a lista dos 85 cargos de confiança do gabinete da presidência. “Diziam que tinha muito fantasma aqui, mas não pude descobrir”, reclama o ex-presidente. O senador poderia perguntar ao colega Wellington Salgado se fantasma existe. Um gradua-do assessor de Salgado, Weber Magalhães, recebe religiosamente seu salário, mas nunca aparece para trabalhar. Diretor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ele justifica: “Acompanho projetos para o senador”. “Ele é muito feio. Melhor não aparecer por aqui”, ironiza o parlamentar.
Sob a condição de permanecer anônimo, do alto de seus vencimentos mensais de 17 000 reais líquidos, trabalhando três dias por semana, recebendo horas extras e gratificações, um servidor do Senado explica por que acredita ter um dos melhores empregos do mundo: “O Senado é igual ao Céu. A diferença é que aqui você ainda chega vivo”.
Por dentro e por fora
A prisão de três diretores e de um alto executivo da empreiteira paulista Camargo Corrêa pode ter sido a senha para que o Brasil comece a esmiuçar os detalhes de um sistema endêmico de corrupção: a relação entre os partidos políticos e as empresas que vivem de contratos públicos. Os alicerces da Camargo Corrêa foram abalados por uma investigação da Polícia Federal. As apurações se iniciaram há um ano, quando os policiais, ao investigar doleiros, receberam a denúncia de que os diretores da construtora usavam outros doleiros para enviar fortunas para fora do país ilegalmente. Estima-se que, no período da investigação, o esquema tenha movimentado até 30 milhões de reais. A dinheirama saía do Brasil sem deixar rastros nem pagar imposto e era dividida em contas bancárias em paraísos fiscais. Sua destinação final ainda é um mistério, mas há pelo menos uma boa pista: a polícia descobriu que esse mesmo grupo de executivos cuidava das doações feitas a políticos pela Camargo Corrêa. Em conversas gravadas, eles indicam que havia doações “por dentro”, registradas na Justiça, e “por fora”, para formação de caixa dois.
Há anos, empreiteiras como a Camargo Corrêa estão no grupo de empresas que mais recebem recursos dos governos — de todos os governos — graças à construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras de grande porte. Quando chega o período das eleições, aparecem entre as maiores financiadoras dos partidos políticos — de todos os partidos. É um ciclo vicioso no qual os empreiteiros recebem montanhas de dinheiro dos contribuintes e repassam parte dele aos políticos. Até os ascensoristas do Tribunal de Contas da União sabem que empreiteira que não ajuda partidos políticos tem menos chance de conquistar contratos. Gigantes como a Camargo Corrêa são generosos. No ano passado, quando houve eleições municipais, ela repassou “por dentro” 7,4 milhões de reais. Como toda empreiteira, a Camargo Corrêa é apartidária: contribui para agremiações de todo o espectro ideológico. Afinal, nunca se sabe quem estará no poder no futuro. A investigação da Polícia Federal trouxe à tona um mundo que, embora conhecido, nunca havia sido exposto. A empreiteira reagiu com uma nota na qual se diz “perplexa” com a devassa. Três diretores da empresa acabaram na carceragem da PF em São Paulo: Fernando Dias Gomes, da auditoria, Dárcio Brunato, da controladoria, e Raggi Badra Neto, da divisão de obras públicas. Também foram detidos Pietro Bianchi, que tem cargo de consultor, e duas secretárias.
Um abrigo contra a crise?
O governo federal lançou, na semana passada, um pacote habitacional cuja promessa é construir 1 milhão de casas. A injeção de 34 bilhões de reais na construção civil tem o objetivo de aquecer o setor – um dos mais propícios à criação de novos negócios e de empregos – e, com isso, aplacar os efeitos da crise mundial sobre a economia brasileira. O plano conjuga isenções fiscais, subsídios aos compradores, financiamento à infraestrutura, garantias contra a inadimplência e modernização de processos produtivos. Da forma como foi anunciado pelo presidente Lula e pela ministra Dilma Rousseff, o projeto parece ser uma boa ideia. A questão é saber se essa obra se sustentará de pé. Sua execução depende de um número tão grande de agentes envolvidos, e de condições ainda tão incertas, que provocou mais desconfiança que aprovação. Principalmente devido à falta de um prazo determinado para sua conclusão, sem o qual nenhuma obra com o dinheiro público pode ter seu andamento fiscalizado. Não há sequer a definição sobre que instituição fará a coordenação das ações. O que foi apresentado no Palácio do Planalto é quase somente uma carta de boas intenções.
Para dar certo, serão necessárias reformulações profundas na máquina pública e em seus ritos burocráticos, que hoje fazem com que o licenciamento de uma obra demore quatro meses para sair. O governo conta com a redução desse prazo para trinta dias. Essa é uma questão crucial porque, se demorar a engrenar, o plano terá chegado tarde a sua missão de minorar os efeitos da crise mundial. Alterações no sistema habitacional vinham sendo discutidas pelo governo nos últimos anos; no entanto, assim que a crise se fez sentir com mais força no Brasil, os trabalhos foram apressados. “Parece mesmo uma boa ação social, mas, como há muitas questões ainda a ser resolvidas, pode ser que, quando as obras começarem, a crise já tenha se dissipado”, afirma o economista Armando Castelar, analista da Gávea Investimentos. Essa é a razão pela qual vários aspectos ainda precisam ser mais bem delineados.
Não se pode negar que o plano tem um objetivo nobre. Ele visa à redução do déficit habitacional brasileiro, cuja gravidade se faz notar pela quantidade de favelas espalhadas por todas as grandes cidades. Mas é preciso estar atento. Intervenções governamentais nem sempre saem como o esperado.
Um dia a casa cai. Cai?
É comum, no Brasil, reclamar das penas aplicadas pela Justiça: muito baixas para crimes hediondos, muito duras para ladrões de galinha, quase nulas para colarinhos-brancos. Nesse contexto, o anúncio da sentença de 94 anos e seis meses de prisão a Eliana Tranchesi e seu irmão Antônio Carlos Piva de Albuquerque foi recebido tanto com indignação, em certos círculos, quanto com satisfação, em outros. Eliana e Antônio Carlos são sócios da Daslu, a loja paulistana que se tornou símbolo do alto luxo no Brasil, e a condenação refere-se ao esquema montado pela empresa para burlar o Fisco na importação de produtos de marcas caras. Os indignados consideram a sentença exagerada em um país em que um assassino qualificado pode ficar apenas cinco anos preso em regime fechado, se for réu primário. Os satisfeitos lembram que criminosos ricos e poderosos raramente são punidos e, portanto, é preciso dar o exemplo. Ao comentar a sentença, o procurador da República Matheus Baraldi Magnani, autor da denúncia, comemorou o fato de que, finalmente, a Justiça estava atingindo o que ele chamou de fidalgos. “É preciso tomar cuidado com esses dois extremos”, diz o jurista Luiz Flávio Gomes, de São Paulo. “Não é porque a Justiça é injusta para alguns que deve ser assim para todos.” Na tarde de sexta-feira, um habeas corpus permitiu que Eliana fosse para casa, mas não afastou a possibilidade de sua volta à prisão.
IstoÉ
Blindado pelo PMDB
No inquérito no qual o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) é acusado de tráfico de influência e fraudes em licitações, revelado na semana passada por ISTOÉ, o Ministério Público e a Polícia Federal também investigam indícios de lavagem de dinheiro e a evolução patrimonial de várias pessoas supostamente ligadas ao esquema. O documento da PF mostra que o grupo do empreiteiro Marco Antonio Camino, dono da MAC Engenharia, intermediou a contratação da Cotação DTVM Empresa de Câmbio Internacional para provavelmente realizar os negócios do grupo na área financeira. A Cotação DTVM negou a acusação e afirmou que “não fez operações para o grupo de Camino”.
A PF acredita que os desvios de dinheiro de obras de infraestrutura tenham alcançado R$ 300 milhões. Consta do inquérito que Camino pagou duas parcelas de R$ 100 mil a Padilha, mas o deputado afirma que a negociação envolve a compra de uma casa. A PF constatou ainda que a Fonte Consultoria Empresarial, registrada em nome de Padilha, recebeu R$ 267 mil da MAC. O deputado, porém, diz que este dinheiro seria o pagamento por serviços prestados a outra empreiteira, a Magna Engenharia.
Nos relatórios da PF constam tabelas com suposto enriquecimento ilícito de várias pessoas ligadas ao esquema que se formou no Rio Grande do Sul em torno de fraudes em licitações, desvio de dinheiro de merenda escolar e fraudes no Detran. Além de Padilha, a PF investiga funcionários do deputado. Um dos investigados chama-se Luciano. Numa escuta feita com autorização da Justiça, Padilha pergunta ao empresário Camino: “Você conhece o Luciano daqui (do seu gabinete)?” Camino diz que sim e pede que Luciano passe na MAC Engenharia. ISTOÉ fez contato com o funcionário, Luciano Celaro, que trabalha no gabinete de Padilha no Rio Grande do Sul. Mas ele negou conhecer Camino. “Jamais estive na sede da MAC Engenharia”, garantiu Luciano.
“Dilma não tem projeto”
Embora seja um pré-candidato assumido à sucessão do presidente Lula em 2010, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) é sempre mencionado na lista de possíveis vices na chapa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, provável concorrente do PT ao Palácio do Planalto. No entanto, Ciro diz que a candidatura de Dilma foi uma estratégia do presidente para evitar brigas internas no PT. Ele acredita que a ministra pode alcançar “fácil” 25% da preferência do eleitorado (hoje ela tem em torno de 11%). Mas ainda falta a ela um projeto para o País. “Eu advogo que a gente tem que discutir projetos”, disse. Depois de sumir de cena por muitos meses, o deputado, 51 anos, se diz recuperado de problemas de saúde e está pronto para retornar ao debate político. Sempre no mesmo estilo. Nesta entrevista à ISTOÉ, na terça-feira 24, atacou seu antigo partido, o PSDB, o Democratas, o PMDB e o governo federal. “A administração pública brasileira não vai bem”, afirmou. E alimentou o embate com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acusado por ele de “espalhar a cizânia” e destruir a memória de Itamar Franco. Leia os principais trechos da entrevista.
ISTOÉ – O sr. passou um período retraído e agora está saindo para a estrada de novo, se lançando para a campanha presidencial?
Ciro – Tive alguns problemas. Tive uma paralisia facial causada por um vírus, que me deixou no estaleiro 40 dias. Na sequência, minha sogra internou- se, minha mulher gravando uma novela, sem poder dar assistência, achei que era meu dever dar apoio a ela. Minha sogra morreu. Foram basicamente dois ou três meses que eu não podia estar na luta. Já fui candidato a presidente da República duas vezes, portanto não posso andar mentindo, como certos candidatos notórios que dizem que não são candidatos. Eu sou. Mas já tenho experiência suficiente para saber que ninguém consolida uma candidatura a tal distância do processo.
ISTOÉ – Seu projeto para o País se parece com o da ministra Dilma?
Ciro Gomes – Eu diria que a Dilma não tem projeto.
ISTOÉ – É bom que ela bote logo as ideias na rua?
Ciro – Advogo que a gente tem que discutir projetos. Uma mera luta pelo poder, sem nenhum conteúdo, fará muito mal ao Brasil. Trata-se de quê? De voltar à hegemonia do PSDB-PFL ou garantir a presença do PT a qualquer preço, a qualquer circunstância? É isso que o País precisa que se ponha em discussão.
ISTOÉ – A ministra elogiou o sr.
Ciro – Minha relação com ela é de muita amizade, de muita fraternidade. A Dilma é uma administradora sem par. Talvez a única lacuna na vida pública dela seja a falta de vivência política. Mas isso não é nada que não possa suprir com esforço.
ISTOÉ – O problema numa dobradinha com Dilma é que hoje o sr. tem mais votos do que ela? Ciro – Isso tudo é ilusão de ótica. Na hora certa, vamos ver o que interessa.
ISTOÉ – Ela pode crescer nas pesquisas?
Ciro – Com certeza, se ela for a candidata apontada pelo Lula. O cruzamento da influência dele com a preferência relativa que o PT tem dá a ela um patamar de 25% fácil.
O Congresso contra um juiz
Na manhã da quarta-feira 25, quando entraram na sede da construtora Camargo Corrêa, prenderam quatro diretores e duas secretárias da segunda maior empreiteira do País, além de quatro doleiros no Rio de Janeiro e em São Paulo, os 100 agentes da Polícia Federal escalados para a Operação Castelo de Areia se tornaram coadjuvantes de um enredo policial com todos os ingredientes para dar errado. O primeiro deles é de ordem cronológica. A operação se baseia em investigação que teve início em janeiro do ano passado e não seria prejudicada caso fosse defl agrada alguns dias depois. Mas o juiz Fausto De Sanctis, responsável pelo caso, autorizou a operação na segunda-feira 23 – a menos de 72 horas da data prevista para um julgamento que pode excluí-lo da carreira.
De Sanctis responde no Tribunal Regional Federal em São Paulo a processo disciplinar por desacato a decisões de tribunais superiores. No mesmo dia da Operação Castelo de Areia, o julgamento foi adiado para 15 de abril. Os outros ingredientes que podem comprometer a investigação estão presentes na própria decisão de De Sanctis, redigida em 111 páginas. Com base em centenas de interceptações telefônicas colhidas ao longo de 15 meses, a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz constroem uma série de ilações que supostamente ligariam caixa 2, evasão de divisas e doações ilegais de recursos para parlamentares e partidos políticos.
A menos que existam outras provas ainda não reveladas, nada na manifestação do juiz assegura essa relação. Como a Camargo Corrêa é oficialmente uma das principais empresas financiadoras de campanhas políticas no Brasil – nas últimas quatro eleições doou R$ 30 milhões aos pri ncipais partidos do País , as 111 páginas evidenciam que o juiz misturou em um mesmo balaio doações legais com suposições de ilegalidade. De Sanctis, que na grande operação anterior, a Satiagraha, cultivou desavenças com a cúpula do Judiciário, terminou a última semana também como alvo do Congresso.
“Juiz não pode soltar algo levianamente sem ter como comprovar”, criticou o presidente do PPS, Roberto Freire. “Vamos processar o juiz.” Em sua decisão, De Sanctis escreve que a partir de conversas gravadas entre Dárcio Brunati e Pietro Bianchi, ambos diretores da Camargo Corrêa, é possível constatar a “distribuição de dinheiro a diversos partidos, como a princípio, PPS, PSB, PDT, DEM e PP” e que havia a participação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na intermediação dos repasses. No despacho, De Sanctis acredita que “as investigações lograram apurar, em tese, alguns diálogos que envolveriam supostas doações não declaradas para políticos e partidos”.
Ministros em campanha
Num fato inédito na história política do Brasil republicano, pelo menos seis ministros de Estado deverão se lançar candidatos aos governos estaduais em 2010. Nunca houve tantas candidaturas no primeiro escalão do Executivo. Coincidência ou não, dados do Siafi(Sistema de
Acompanhamento Financeiro do Governo Federal), apurados por ISTOÉ, mostram um direcionamento na celebração de convênios e na liberação de recursos para os Estados de origem dos ministros hoje pré-candidatos. São eles, pelo menos até agora: Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, Hélio Costa, das Comunicações, Tarso Genro, da Justiça, Alfredo Nascimento, dos Transportes, Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Fernando Haddad, da Educação. As ações desses ministros são capazes de multiplicar votos, mas podem configurar o uso da máquina administrativa com objetivos eleitorais. Exatamente por isso, podem complicar a vida dos ministros no futuro, segundo uma autoridade do TSE ouvida por ISTOÉ.
Patrus, por exemplo, aspirante ao governo de Minas Gerais pelo PT em 2010, privilegiou claramente seu Estado natal nos convênios firmados entre o Ministério do Desenvolvimento Social e as 27 unidades da federação. Minas ocupa o topo do ranking por ter recebido R$ 296 milhões em recursos. Em seguida, aparece a Paraíba e Pernambuco. Um dos convênios, firmado em novembro de 2007, destinou- se à construção de um restaurante popular em Teófilo Otoni (MG). O município de 130 mil habitantes é administrado pela petista Maria José, mas Patrus não é bem avaliado lá, segundo políticos locais. “Vejo esse direcionamento de verbas como uma forma de o Patrus montar uma base eleitoral aqui, já que ele não tem um eleitorado forte na cidade”, diz o presidente do diretório do PSDB em Teófilo Otoni, Paulo Afonso. Se forem considerados os três principais programas de transferência de renda do ministério: Bolsa Família, Assistência Social e Segurança Alimentar, Minas Gerais também figura no topo do ranking, de acordo com dados disponíveis no próprio site do órgão.
Em relação aos investimentos feitos nos Programas de Segurança Alimentar, Minas figura em primeiro lugar. É contemplada com R$ 169 milhões anuais. Nos repasses do Bolsa Família, embora Minas tenha o décimo maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, só está atrás da Bahia. O Estado de Patrus aparece na frente de todos os outros Estados nordestinos como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Maranhão. Recebe por ano R$ 969, 6 milhões. Se for considerada a verba destinada para os Programas de Assistência Social, Minas só perde de São Paulo. “Trata-se de uma ação politiqueira”, critica Paulo Afonso. Mas o ministério contesta. Por meio da assessoria de imprensa, respondeu que o critério do Bolsa Família é a renda e as prefeituras beneficiárias dos programas de segurança alimentar são escolhidas por edital público, logo, seria impossível direcionar porque tudo é regulamentado por lei.
Grampo às pampas
Há dois meses o Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho, é o epicentro de crises desencadeadas por gravações. A mais recente veio à tona na semana passada, quando uma coletânea de grampos telefônicos apontou para a prática de tráfico de influência e uso indevido de informações sigilosas. É que a voz de Ricardo Lied, chefe de gabinete da governadora Yeda Crusius (PSDB), apareceu em quatro de oito gravações entregues à seção gaúcha da OAB pelo ex-ouvidor de Segurança Pública Adão Paiani. Em um dos grampos, feito durante a campanha municipal de 2008, o chefe de gabinete da governadora avisa que a ficha policial do candidato petista à Prefeitura de Lageado é limpa. “Não tem nada na ficha dele”, relata Lied a Márcio Klaus (PSDB), então vereador da cidade. “Ele tem só uma perda de documento, nunca teve nada na ficha.”
A gravação foi feita por meio do Guardião, o sistema de escuta telefônica utilizado pela Secretaria de Segurança para investigar crimes. Para Luís Fernando Schmidt, o objeto da conversação, houve uso indevido de um instrumento público criado para proteger o cidadão. “Se minha ficha fosse suja, seria provavelmente usada contra mim”, acredita Schmidt. “Era o momento de intimidar, de coagir, de constranger.”
Em outra gravação, divulgada na segunda-feira 23 pela Rádio Gaúcha, Klaus aparece conversando com a prefeita de Lageado, Carmen Regina Cardoso, que se reelegeu, sobre o comandante da Brigada Militar do município, Antônio Scussel. “Deixa ele quieto. Antes da eleição não se mete com nada”, diz a prefeita. Em seguida comenta que Cado, como é conhecido o chefe de gabinete, conhece bem o comandante. “O próprio governo vai tomar alguma decisão”, informou a prefeita, em telefonema interceptado no dia 19 de setembro.
Uma semana depois, Klaus foi preso pela Brigada Militar. Mesmo atrás das grades, ele se reelegeu vereador, mas acabou cassado posteriormente, acusado de compra de votos e uso de bem público na campanha. Klaus está em todas as gravações em poder da OAB, mas há dúvidas sobre a origem dos grampos. Segundo o Tribunal Regional Federal, apenas uma das conversas integra o processo que corre em sigilo contra Klaus. Um promotor de Lageado garante que entregou o material para o ex-ouvidor, que teria se apresentado como emissário da governadora no dia 12 de março, após ser demitido do cargo. Paiani, por outro lado, assegura que recebeu as gravações de outra fonte, cuja identidade não pode revelar.
Carta Capital
Gilmar Mendes vs. Tarso Genro
Não sei se o que mais me impressiona é a resposta, ou a pergunta não formulada. Sabatina Folha de S.Paulo, terça 24. Sabatinado o presidente do STF, Gilmar Mendes. Leio o jornal, tropeço na passagem sobre o famoso grampo não provado, praticado por uma Abin que não dispõe de aparelhagem para tanto: “Com ou sem grampo – diz Mendes –, os fatos que estavam a ocorrer indicavam que aquilo era extremamente plausível. Se a história não era verdadeira, era extremamente verossímil”.
E a pergunta que não houve? A seguinte: “E o senhor ministro ilustre, jurista de fama mundial, baseia-se em algo apenas verossímil para chamar às falas o presidente da República e exigir o afastamento do diretor da Abin?” In dubio pro reo, repetia o professor Alexandre Correia aos meus ouvidos de aluno do primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Perdoem Plotino e Ulpiano se me permito empregar uma expressão daqueles meus tempos estudantis: ministro Gilmar, esta é de lascar.
Sabatina? Bah… A Associação dos Juízes Federais do Brasil, Ajufe, emitiu dia 25 uma Nota Pública, em que manifesta sua “veemente discordância” em relação a outra afirmação do sabatinado na Folha. Ou seja, o momento em que acusa o juiz Fausto De Sanctis de pretender “desmoralizar o STF” quando mandou prender o banqueiro Daniel Dantas pela segunda vez no quadro da Operação Satiagraha.
Além de sublinhar que, com suas palavras, Mendes ofende toda a hierarquia judiciária, o documento aponta como afrontado um ministro do próprio STF, Marco Aurélio Mello, que reconheceu os fundamentos para a decretação da prisão. Quanto ao juiz De Sanctis, trata-se, na visão de CartaCapital, de figura rara, sem que a mediocridade e a leniência reinantes diminuam seu valor.
Não tenho nível para pôr em dúvida o saber jurídico de Gilmar Mendes, em todo caso não fica em questão quando afirma que a Polícia Federal está “descontrolada”. Certo é que não esteve quando foi dirigida pelo delegado Paulo Lacerda, com o reconhecimento unânime da própria mídia. Se o ministro se refere aos anos do segundo mandato de Lula, tem de anotar que quem manda agora é Luiz Fernando Corrêa.
Ocorre-me recordar que Mendes foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil do presidente Fernando Henrique Cardoso de 1996 a 2000. À época, Vicente Chelotti dirigia a PF e se habilitava a fantásticas estripulias, devidamente demonstradas, entre elas a de grampear o primeiro mandatário. Não consta que o subchefe de Assuntos Jurídicos tenha, de alguma forma, manifestado contrariedade, ou interferido no assunto.
Em pleno festival eleitoreiro, pois a despeito da crise gravíssima e de tantas incertezas já estamos entregues à expectativa do pleito de 2010, a ribalta apinha-se de versões, em detrimento dos fatos. O sabatinado presidente do STF fornece as suas. Constata-se que quem o interroga não faz, ou não sabe fazer, as contraperguntas.
Não consigo evitar as questões que eu dirigiria ao ministro Tarso Genro, outro notável produtor de versões, para explicar os argumentos por ele brandidos a justificar o asilo político a Cesare Battisti, o ex-terrorista italiano. Por exemplo: “Qual seria o denominador comum entre os chamados anos de chumbo da Itália e os do Brasil?” Ou então: “Existe alguma chance de comparar os terroristas de esquerda e de direita que atormentaram a Itália nos anos 70 com os resistentes democráticos e os participantes da luta armada contra a ditadura brasileira no mesmo período?”
Outra: “É admissível que o ministro da Justiça de qualquer país julgue sentença passada em julgado onde vigora o Estado Democrático de Direito?”
Tenta-me a comparação entre Gilmar Mendes e Tarso Genro. O primeiro não hesita em apresentar como verdade factual meras suposições. Conhecedor do exato paradeiro do Bem e do Mal, fortalece-o a indomável convicção de estar sempre, e automaticamente, do lado certo. O ministro da Justiça é bem mais criativo. Talvez, de quando em quando, se permita umas dúvidas e alguns temores, mas na pasta revelou extraordinária vocação de ficcionista.
Camargoduto
Iniciada às 6 da manhã da quarta-feira 25, a Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, promete provocar um novo vendaval no meio político brasileiro. As dezenas de policiais que vasculharam escritórios da Construtora Camargo Corrêa em São Paulo estavam em busca de um singular documento, típico produto de quem costuma considerar-se protegido das garras da lei: uma lista de doações ilegais a partidos e políticos. A tal lista, se obtida, poderá revelar muito mais do que as primeiras informações vindas a público nas primeiras horas após a operação policial que prendeu dez suspeitos de integrar uma rede criminosa de lavagem de dinheiro, remessas ilegais ao exterior, desvio de dinheiro público e contribuições irregulares a políticos. Estima-se que, somadas, as fraudes ultrapassariam a marca de 500 milhões de reais.
E mais: as doações a partidos não diriam respeito apenas à última campanha municipal, em 2008. Interceptações telefônicas dos últimos vinte dias registraram uma intensa movimentação para abastecer o caixa de partidos diversos. Haveria ainda indícios de corrupção no Tribunal de Contas da União (TCU). A Camargo Corrêa é uma das maiores empresas nacionais. Faturou cerca de 16 bilhões de reais no ano passado, venceu licitações de obras públicas nos planos federal e estaduais, a exemplo de projetos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Rodoanel de São Paulo. Segundo o que foi divulgado até o momento, o esquema teria sido arquitetado pela empresa, em parceria com doleiros do Rio e de São Paulo, para enviar dólares irregularmente para o exterior. O esquema alimentaria também o caixa de ao menos seis partidos: PSDB, DEM, PPS, PSB, PDT e PP. Os valores das remessas variavam entre 200 mil e 2 milhões de reais.
Quem intermediaria as contribuições da construtora, segundo a PF, seria a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O responsável pela mediação seria Luiz Henrique Bezerra, chefe do escritório de Brasília e ex-assessor do presidente da entidade, Paulo Skaf. Bezerra teria como principais contatos os senadores José Agripino Maia (DEM-RN) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Estes cuidariam de levar os recursos às diversas legendas. Em um diálogo gravado, o ex-diretor administrativo e financeiro e hoje consultor da empreiteira Pietro Francesco Giavina Bianchi diz para o diretor Darcio Brunato que o pagamento já havia sido feito. “Foram 300 mil reais para o Agripino e partido” e “outros 200 para Flexa Ribeiro”, conforme a transcrição. Os senadores confirmam o recebimento dessas doações, mas afirmam que elas foram legais.
A retomada em obras
Anunciado em clima de campanha pelo presidente Lula, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, o pacote habitacional lançado na quarta-feira 25 foi festejado pelo empresariado e sindicatos ligados à construção civil. Economistas ocupados em reverter a drástica desaceleração econômica vivida pelo País também viram com bons olhos as medidas. Em todos os casos, chamou atenção o volume de dinheiro envolvido no programa, de 34 bilhões de reais do Orçamento federal, com prioridade à parcela da população mais pobre, que terá crédito subsidiado. Pelos cálculos do governo, 80% dos recursos atenderão as famílias com rendimento de até 2,8 mil reais.
O viés econômico do conjunto de medidas levou em conta a ampla capacidade de geração de empregos e renda característica do setor, que hoje emprega mais de 2 milhões de pessoas no País. Soma-se a esse fator a baixa utilização de matérias-primas importadas. É consenso que o pacote terá o efeito de estimular o mercado doméstico, sem pressionar as importações e a balança comercial de modo geral, nos últimos meses em estado de alerta diante do agravamento da crise mundial.
A produção de minério de ferro e de produtos siderúrgicos está entre os setores mais beneficiados, hoje às voltas com a queda vigorosa da demanda em países desenvolvidos, como EUA e Japão, mas também na China. A consequência foi a queda generalizada dos preços internacionais dessas commodities. A exportação de minério de ferro caiu 30% nos primeiros meses do ano. A de produtos siderúrgicos, 50%.
“O programa vai mobilizar a produção de aço, alumínio, revestimentos, madeira e bens de capital, entre outros. Com isso, vamos movimentar a formação bruta de capital fixo e sustentar os investimentos”, afirmou Mantega durante o lançamento. O ministro estima que serão criados mais de 1 milhão de novos postos de trabalho, levando em conta a expectativa de construção de 1 milhão de novas casas e apartamentos. “O PIB crescerá mais 2% além daquilo que cresceria normalmente”, afirmou. Para evitar cobranças, Lula preferiu não estabelecer prazo para a meta visada.
O fim da era do incentivo?
Pode apostar. Quando a política cultural invade os contados minutos do Jornal Nacional é porque são grandes – e poderosos – os interesses em jogo. Pois, na noite da segunda-feira 23, a Lei Rouanet, que tem 18 anos de vida e jamais interessou às tevês, foi tema de uma reportagem no jornal da Rede Globo. O mesmo havia acontecido à época da redefinição do destino das verbas de patrocínio das empresas estatais, em 2003, e quando o governo tentou criar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), em 2004. Curiosamente, uma mesma expressão repetiu-se nos três episódios: “Dirigismo cultural”.
Esta semana, coube ao produtor teatral Eduardo Barata, do Rio de Janeiro, dizer, no Jornal Nacional, que o projeto de mudança da Lei Rouanet, trazido agora a público, contém em si a ameaça de “dirigismo cultural”. Antes, em situações absolutamente diversas, figuras como Arnaldo Jabor e o cineasta Cacá Diegues apareceram, na mesma tela, à mesma hora, falando exatamente a mesma coisa.
Há de se analisar com cuidado o projeto de lei que foi disponibilizado para consulta pública antes de seguir ao Congresso Nacional e exigir transparência do Ministério de Cultura (MinC) na divulgação dos dados que dão base à mudança. Mas olhá-lo sob a ótica da ameaça de intervenção estatal na cultura é, no mínimo, simplista. O que está em jogo, neste momento, é a definição dos caminhos pelos quais o dinheiro público deve chegar às produções artísticas.
Criada em 1991, a Lei Rouanet permite a aplicação de parte do Imposto de Renda devido em projetos culturais e mobilizou, de acordo com o governo, cerca de 290 mil empresas desde a sua criação. É importante pontuar que parte razoável desse volume sai dos cofres das companhias estatais e que os seis maiores investidores pela lei representam cerca de 50% do total de recursos captados.
Época
Filho de ministro de TCU foi intermediário de doações da Camargo Corrêa
As escutas telefônicas da Operação Castelo de Areia indicam mais que um suposto esquema de doações ilegais para partidos políticos. Elas também mostram as estreitas relações entre a empreiteira Camargo Corrêa – investigada por suspeita de evasão de divisas e lavagem de dinheiro –, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e pessoas com trânsito no Tribunal de Contas da União. Não é segredo para ninguém que Paulo Skaf quer disputar o governo de São Paulo em 2010 e tenta costurar uma base partidária forte. Um de seus contatos com o mundo político é o diretor de Relações Institucionais da Fiesp em Brasília, Luiz Henrique Maia Bezerra, mencionado nas interceptações telefônicas como intermediário de doações da Camargo Corrêa para campanhas políticas. Luiz Henrique é um dos três filhos do ex-senador Valmir Campelo Bezerra (DEM-DF). Campelo é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), encarregado de fiscalizar contratos do governo federal com grandes empreiteiras, como a Camargo Corrêa, e empresas filiadas à Fiesp.
Outro intermediário mencionado nas conversas entre diretores da empreiteira é Guilherme Cunha Costa, ex-diretor da Fiesp e atualmente representante da Camargo Corrêa nos contatos com o Congresso, Ministérios e o próprio TCU. Antes de trocar a Fiesp pela empreiteira, Guilherme Cunha Costa ajudou o ex-deputado Augusto Nardes (PP-RS) a ganhar a indicação da Câmara para ministro do TCU, em 2005. Na época, o presidente da Câmara e padrinho de Nardes era o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). No TCU, Nardes será responsável por relatar um processo em que auditores do tribunal apontaram um superfaturamento de R$ 184 milhões nas obras do Rodoanel, a maior obra viária do Estado de São Paulo. A Camargo Corrêa faz parte do consórcio responsável pela construção do Rodoanel e está encarregada de um trecho cujas obras teriam sido superfaturadas em quase R$ 40 milhões. Em resposta a reportagem de ÉPOCA, e empresa enviou uma nota em que afirma que entregou esclarecimentos aos questionamentos do TCU sobre a obra. “Trata-se de um procedimento comum, que inclusive foi solicitado aos outros lotes dessa obra rodoviária”, diz o texto.
Lavagem, doações ilegais a políticos, superfaturamento…
A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira (25), em São Paulo, quatro diretores da empreiteira Camargo Corrêa, duas secretárias e três doleiros, todos acusados de praticar crimes como evasão de divisas, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e operação de instituição financeira sem autorização. De acordo com decisão do juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Federal, que determinou a prisão de todos, a PF demonstrou que o grupo teria usado pelo menos quatro empresas de fachada para remeter irregularmente recursos da empreiteira para o exterior e pode ter participado de um esquema de superfaturamento na construção de uma refinaria.
O núcleo do grupo seria formados pelos diretores Dárcio Brunato, Raggi Badra Neto, Fernando Dias Gomes e Pietro Bianchi e pelos doleiros Kurt Paul Pickel e Maristela Brunet. Em conversas gravadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça, os quatro tratavam dos negócios por códigos que envolviam nomes de animais. Além de ouvir as negociações, a PF mostrou que as empresas que faziam as remessas de dinheiro para o exterior não teriam capacidade para isso. A sede de uma delas, descoberta pelos policiais, fica em uma rua de terra de Saquarema (RJ). A PF calcula que o grupo pode ter remetido mais de R$ 20 milhões usando este esquema.
A operação, batizada de Castelo de Areia, seria apenas uma ação policial sobre doleiros e seus clientes, se não incluísse também indícios de fraude a licitações e doações irregulares a partidos políticos. Neste ponto, a investigação entra numa conhecida área escura, onde a política se une aos negócios das empreiteiras. De acordo com o inquérito, ao qual ÉPOCA teve acesso, a Polícia Federal teria encontrado indícios de que o grupo poderia ter operado também doações ilegais de recursos para partidos políticos em campanhas eleitorias. São citados no inquérito DEM, PSDB, PMDB e PPS. O senador José Agripino Maia (DEM-RN) é citado nominalmente. Ele afirma, porém, que todos os repasses foram legais. “Recebemos R$ 300 mil, mas foi tudo legal, registrado e com recibo”, afirmou Agripino Maia.
Há ainda indícios de que o grupo pode ter participado do superfaturamento da construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. As conversas gravadas pela PF mostram o diretor Pietro Bianchi pedindo, com urgência, o transporte de dinheiro vivo em Recife (PE). De acordo com a PF, o pedido poderia estar relacionado à construção da refinaria. A suspeita de superfaturamento na construção da refinaria foi apontada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo o Tribunal, o governo pode ter tido prejuízo de R$ 72 milhões na obra.
Grampo cita doação de R$ 100 mil a Mendonça Filho (DEM-PE). PMDB teria recebido R$ 300 mil “por fora”
Um documento relacionado à Operação Castelo de Areia, que prendeu nesta quarta-feira (25) quatro diretores da construtora Camargo Corrêa e outras seis pessoas, cita uma contribuição de R$ 100 mil de uma empresa do grupo ao ex-governador de Pernambuco José Mendonça Filho, do DEM. O documento também fala em outros R$ 300 mil para o PMDB, mas sem especificar candidato ou região. No caso do PMDB, o documento reproduz a expressão “aprovado por fora”, que teria sido dita na conversa gravada. As duas contribuições foram citadas por Fernando Dias Gomes numa conversa com Pietro Francisco Bianchi, ambos funcionários da construtora presos pela PF. O documento diz que as contribuições são da “empresa Kavo, do Grupo Camargo Corrêa”. Trata-se, na verdade, da Cavo Serviços e Meio Ambiente, especializada no tratamento de resíduos, águas e efluentes, tradicional doadora de campanhas eleitorais.
Na eleição de 2008, segundo as informações disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral, a Cavo Serviços e Meio Ambiente, que pertence ao grupo Camargo Corrêa, doou R$ 675 mil para diversos candidatos e comitês financeiros. Mas não consta nenhuma doação para Mendonça Filho, que foi derrotado na disputa pela prefeitura de Recife. Também não há nada registrado para o comitê financeiro do DEM da capital pernambucana. Com relação ao PMDB, há uma doação da Cavo para o comitê financeiro municipal do partido em Salvador, mas de R$ 200 mil. São R$ 100 mil a menos do que o mencionado no documento da investigação.
Mendonça Filho, que atualmente é presidente do diretório regional do DEM de Pernambuco, afirma que recebeu duas contribuições da Camargo Corrêa no ano passado que totalizam R$ 300 mil. As doações, diz, não foram feitas diretamente ao seu comitê financeiro, mas ao Diretório Nacional do DEM. “O Diretório Nacional repassou o dinheiro ao Diretório Municipal e o Municipal repassou a minha campanha. Foram uma doação de R$ 200 mil e outra de R$ 100 mil. Tudo dentro da lei”, afirma. “Na ocasião, o Diretório Nacional informou que o dinheiro que estava sendo enviado era da Camargo Corrêa”, diz. “Não sei se era exatamente da Camargo ou de uma empresa da Camargo, mas esta tudo declarado conforme a lei”. A prestação de contas de Mendonça Filho mostra três doações de R$ 100 mil feitas pelo Diretório Municipal do DEM e outras duas de R$ 200 mil. A Camargo Corrêa foi procurada, mas até o momento não se manifestou sobre o assunto.
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