Época
As novas ameaças de Valério
De tempos em tempos, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza sai das sombras. Sempre como personagem de escândalos. Foi assim no mensalão, quando se revelou como o grande artífice da compra de votos para o governo Lula no Congresso Nacional. Em 1998, ele foi pivô do valerioduto tucano, o esquema de distribuição de dinheiro a aliados do PSDB em Minas Gerais. No ano passado, foi preso pela Polícia Federal, acusado de forjar denúncias contra dois fiscais da Receita de São Paulo. Passou 98 dias na cadeia.
A mais nova história que envolve Marcos Valério é ele mesmo quem conta. É uma história estranha e obscura. Valério afirma ter sido agredido e espancado na prisão. Ele exibe dentes quebrados, hematomas e cicatrizes que sugerem dor e violência. O empresário mineiro – que faz questão de apresentar-se como arquivo vivo de negociatas tanto do PT quanto do PSDB – atribui a agressão justamente a seus antigos aliados da política. Sem citar nomes, aponta para os petistas. Diz que gente do PT teria encomendado a agressão para intimidá-lo.
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Na versão de Valério, a surra aconteceu no período em que ficou detido no presídio de Tremembé, em São Paulo. Valério diz que quatro presos invadiram a cela 101, onde ele estava, e começaram a agredi-lo com socos e golpes de barras de ferro. Valério afirma que os presos queriam um DVD, supostamente gravado durante o escândalo do mensalão, com detalhes ainda desconhecidos do esquema.
O cotidiano de Valério é cercado de episódios obscuros, mas algumas verdades estão estabelecidas. Pelo menos uma vez, ele já conseguiu pôr dinheiro no bolso. ÉPOCA teve acesso a um acordo, assinado em março do ano passado, em que o PT se comprometeu a lhe pagar R$ 400 mil. O dinheiro, diz o acordo, se destina a ressarcir Valério pelos empréstimos que ele afirma ter obtido nos cofres do banco BMG, ainda nos tempos do mensalão, em nome do PT. Sem poder movimentar conta bancária, Valério diz ter recebido os recursos numa conta em nome da filha. Pelos termos, o PT aceita pagar R$ 400 mil em dez parcelas, condicionando o pagamento ao recebimento de dinheiro público, por meio do fundo partidário. É mais um dado misterioso: o partido que institucionalizou o caixa dois com o nome de “recursos não contabilizados” agora usa o fundo partidário para acertar as contas do mensalão.
Como a crise afeta a candidatura Dilma?
Depois que o país tomou contato com a face real da crise econômica, a pergunta não é saber se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai perder popularidade. A questão é apurar até onde ela será reduzida nos próximos meses e de que modo isso afetará a campanha de Dilma Rousseff em 2010. Em conversas internas, o governo se conforma com a ideia de que os índices de aprovação de Lula deverão cair. Apenas torce para que a queda não passe de 20 pontos porcentuais. Isso jogaria o presidente para a casa dos 60% de aprovação – “o que ainda é muito bom e permite pensar na sucessão em boa posição”, diz um graduado membro do PT. Será possível?
Ninguém sabe como estará o Brasil dentro de um ano, momento em que o grosso do eleitorado começará a se preocupar com a eleição presidencial. Na vida real, tanto PSDB como PT olham para 2010 com uma visão parecida. Numa disputa em que nenhum concorrente tem uma personalidade particularmente cativante nem exibe diferenças doutrinárias consideráveis, o raciocínio é assim: enquanto o cidadão comum achar que sua vida está melhorando, não se interessará por mudanças e terá mais chances de votar em Dilma. Se isso mudar, crescem as chances do candidato da oposição.
A crise pode também modificar o perfil de uma candidata como Dilma Rousseff. “Sem a crise, ela já estaria no segundo turno. Com a crise, surge a dúvida: é preciso observar como ela vai se portar”, diz o cientista político Murillo de Aragão. Para ele, a cada sinal de piora na situação do país, Dilma terá de sair da sombra de Lula e mostrar a que veio. “Em tempos de calmaria, ela construiu a imagem de boa gerente. Mas nunca foi testada num ambiente de adversidade econômica. Todos vão querer saber quais são suas respostas e suas ideias.”
Benefícios ocultos
Em janeiro, os senadores estavam de férias. Plenário e salas de reunião estavam fechados. Nas alas onde ficam os gabinetes dos senadores, corredores desertos e escritórios vazios. Nesse cenário, o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, dava expediente integral: era cabo eleitoral da campanha de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado e trabalhava para continuar no cargo em que chegara pelas mãos de Sarney, 14 anos antes. Agaciel avisou os colegas que havia dinheiro sobrando no caixa. Pediu uma relação de servidores para receber um presente: o pagamento de horas extras. Assessores dos 81 senadores atenderam ao pedido. Ele custou R$ 6,2 milhões aos contribuintes. Dos 3.883 servidores beneficiados, 1.189 trabalham nos gabinetes dos senadores.
A benesse foi facilitada pelo fato de os funcionários do Senado não baterem ponto. O controle de horas extras é feito pelo chefe de gabinete. Para comparar, na Câmara dos Deputados, em que o servidor é obrigado a assinar lista de presença quando trabalha além do expediente, 610 funcionários receberam hora extra em janeiro. A conta foi de R$ 653 mil. Na semana passada, quando a regalia virou escândalo, o presidente do Senado, José Sarney, prometeu adotar o controle de ponto eletrônico. Sarney e outros cinco senadores anunciaram que seus assessores devolveriam o dinheiro. O que receberam à vista, no entanto, seria devolvido em dez parcelas.
Amazônia para dar e vender
Entre as lendas e os mistérios que sempre existiram em torno da Amazônia, há um mito que a realidade teima em confirmar: todos os projetos de ocupação racional da maior área verde do planeta começam com entusiasmo e acabam em fracasso. A floresta imensa tragou sem piedade, nos anos 1970, a estrada megalomaníaca por meio da qual os governos militares quiseram levar “homens sem terra para uma terra sem homens”. Nos anos seguintes, incursões desorganizadas de madeireiros, garimpeiros, agropecuaristas e até colonos da reforma agrária produziram mais mal que bem ao meio ambiente e às populações originais da região.
Esses antecedentes justificam os temores em torno do ambicioso programa de distribuição e regularização de terras da Amazônia que o governo federal acaba de lançar. Bem conduzido, o programa Terra Legal, como foi batizado, poderá legalizar a situação de quase 300 mil famílias de pequenos produtores, estimular a economia não predatória e funcionar como instrumento poderoso de recuperação e preservação da floresta. (Sobre outra iniciativa pela Amazônia, leia a entrevista com o príncipe Charles) Mas, se ocorrer o que temem os críticos do projeto, ele poderá se transformar num fracasso estrondoso e confirmar a maldição da floresta.
Uma das consequências mais graves, porém pouco visível, de décadas de ocupação desordenada da Amazônia é a bagunça fundiária. Calcula-se que menos de 4% das terras rurais em mãos de particulares estejam regularmente registradas e livres de demandas judiciais. O restante – mais de 96% das terras – encontra-se na ilegalidade. Mesmo longe da Amazônia, ouve-se falar muito de casos de grilagem de terras – títulos de propriedade forjados com papéis falsos, como foi o caso do proprietário “fantasma” Carlos Medeiros, que tinha o registro de 12 milhões de hectares no Pará, uma área do tamanho de Cuba.
Desapropriação financeira
Os movimentos de trabalhadores sem terra seguem um modelo padrão de organização. Não têm um comando centralizado, não possuem registro legal e promovem invasões de propriedades particulares e protestos em nome da reforma agrária e contra o agronegócio. Por não ser uma entidade legalizada, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não pode ser alcançado pela lei quando comete crimes. Na semana passada, no entanto, o MST e um de seus filhotes, o Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) – dissidência inspirada no movimento zapatista do México –, foram atingidos num ponto nevrálgico até mesmo para aqueles que defendem o socialismo e abominam o capitalismo: o bolso. Duas decisões judiciais e medidas do Tribunal de Contas da União (TCU) bloquearam o envio de dinheiro público para entidades ligadas aos movimentos.
O juiz José Carlos Francisco, da Justiça Federal em São Paulo, decretou o bloqueio dos bens da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), ligada ao MST. Em seguida, ele determinou que o governo federal não repasse mais nenhum centavo à Anca. Dois dias depois, o TCU cobrou do MLST a devolução de R$ 3,3 milhões passados pelo governo. “Bloquear o envio de dinheiro público é como fechar o tubo de oxigênio desses movimentos”, diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), ministro do Desenvolvimento Agrário durante seis anos no governo Fernando Henrique Cardoso.
Entrevista – João Pedro Stedile
“Não usamos dinheiro público”
Líder afirma que as entidades são fiscalizadas pelo governo e não repassam recursos ao MST
ÉPOCA – A Justiça bloqueou repasses de verbas públicas à Anca, apontada como entidade ligada ao MST. O MST recebe dinheiro público por meio de ONGs como a Anca?
João Pedro Stedile – Entidades como a Anca estão habilitadas nos órgãos públicos e são fiscalizadas com rigor. Desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais. Isso é feito por centenas de entidades em todo o país. Isso acontece por culpa do governo neoliberal do Fernando Henrique, que implementou a substituição do Estado por ONGs. O MST sempre defendeu que direitos como educação, saúde e assistência técnica rural têm de ser implementados pelo Estado para garantir a sua universalização.
ÉPOCA – Como o MST banca os custos de suas ações, como invasões de terra e protestos?
Stedile – As parcelas mais conscientes se organizam, mobilizam suas forças e lutam. Nossa luta é fruto dessa consciência e recebemos solidariedade dos trabalhadores, dos estudantes e professores, das igrejas e da sociedade brasileira. Existimos há 25 anos graças ao apoio político da sociedade brasileira e internacional. Nunca usamos um centavo de dinheiro público para fazer ocupações. Seria o fim de qualquer movimento. Isso é um absurdo e fere a inteligência do povo.
ÉPOCA – O MST será afetado caso o governo não repasse mais dinheiro a ONGs apontadas como ligadas ao movimento?
Stedile – Não. Apenas achamos engraçado como eles se preocupam com ONGs que atuam na reforma agrária.
Veja
Ele é um canhão à solta
Em setembro do ano passado, duas semanas depois de revelados os primeiros abusos na, de outra forma bem-sucedida, operação que levou à condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz foi espontaneamente à Procuradoria da República dar sua versão sobre o caso. Ele negou ter cometido ilegalidades, mas fez uma revelação que, se verdadeira, pode vir a ter consequências graves. Protógenes disse à Procuradoria que a operação não foi uma ação comum, mas o desfecho policial de uma investigação sigilosa que teria sido realizada "por determinação da Presidência da República". Protógenes não disse que recebeu ordens para gram-pear telefones sem autorização ou para espionar a vida privada e profissional de ministros, políticos, juízes, advogados e jornalistas – o que efetivamente ocorreu no decorrer da operação. Ao localizar a origem das ordens para a investigação no Palácio do Planalto, o delegado aventa a hipótese da criação de uma incomum e ilegal cadeia de comando que, como mostra a história, só existe regularmente em ditaduras e, sempre com resultados funestos, em alguns poucos regimes democráticos. Protógenes contou à Procuradoria que as ordens de cima chegavam até ele por intermédio do então chefe do serviço secreto brasileiro, delegado Paulo Lacerda, que dirigiu a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, até ser afastado há três meses em consequência das irregularidades hierárquicas e de procedimento da operação comandada pelo delegado Protógenes.
O depoimento de Protógenes Queiroz à Procuradoria-Geral da República, ao qual VEJA teve acesso, traz uma segunda revelação incômoda. O delegado afirma que a atuação dos mais de oitenta espiões da Abin no caso era do conhecimento do juiz federal Fausto de Sanctis e do procurador da República Rodrigo de Grandis. Alguém está mentindo. O juiz e o procurador já negaram publicamente ter tido conhecimento da participação dos agentes secretos do governo – embora ambos tenham ponderado que não haveria nenhuma irregularidade na hipótese de uma eventual "colaboração informal" da Abin. Protógenes também afirmou à Procuradoria que o pedido de ajuda à Abin "não foi formal", mas "verbal", e que esse tipo de coordenação entre policiais e espiões do governo "é comum". No campo das formalidades, não haveria o que reparar no caso. Ocorre que, no tempo decorrido entre o depoimento de Protógenes à Procuradoria e a semana passada, ficou patente que:
1) a participação dos espiões da Abin foi muito mais intensa do que uma simples colaboração;
2) os agentes da Abin foram acionados para dar a forma de relatório a escutas telefônicas legais e ilegais;
3) eles seguiram autoridades e vigiaram suspeitos.
O Senado perde a compostura
A eleição de José Sarney para a presidência do Congresso deu novo impulso à, digamos assim, carreira política de Renan Calheiros. O senador, que renunciou à presidência da Casa em meio a uma avalanche de denúncias de corrupção, ressurgiu das cinzas – e, juntamente com sua turma no PMDB, está ocupando todos os espaços disponíveis de poder. O resultado disso é mais que previsível. Mas, até para quem já conhece o padrão moral de Renan, o que está acontecendo no Senado não deixa de espantar. Milhões de reais são pagos em horas extras durante o período de férias dos senadores, aditivos milionários são assinados com data retroativa e funcionários públicos estão sendo remunerados para executar missões privadas. Criado em 1824, sob inspiração da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha, o Senado brasileiro parece ter sido irremediavelmente contaminado pela notória descompostura do senador alagoano e de seus asseclas peemedebistas – todos eles identificados com aquela filosofia de vida denunciada pelo senador Jarbas Vasconcelos, segundo a qual a maioria de seus colegas de partido está interessada apenas em cargos para praticar corrupção.
Entre o recente festival de absurdos, o mais gritante é o pagamento de 6,2 milhões de reais em horas extras a 3 883 funcionários do Senado, mais da metade de seu quadro funcional. O trabalho deveria ter ocorrido em janeiro passado, quando os senadores se encontravam em férias, o Congresso estava em recesso e não houve uma única reunião, sessão, votação ou atividade legislativa em Brasília. O pagamento foi autorizado pelo senador Efraim Morais (DEM-PB), conhecido pelos laços políticos e de amizade com Renan Calheiros. A presepada foi corretamente debitada na conta do PMDB graças à ligação de Efraim com Renan e à tibieza com que o partido tratou o caso. "Eu acho um absurdo. Não acho correto, não", afirmou o presidente Sarney, para em seguida dizer que não teria como anular o pagamento. Só restou transferir a responsabilidade do caso para cada um dos 81 senadores. Apenas seis anunciaram a disposição de obrigar os funcionários a devolver o dinheiro. Ainda assim, a restituição deverá ser realizada em dez parcelas, sem juros.
Isto É
Bicadas Tucanas
Nos últimos dias, prefeitos tucanos de cidades importantes receberam telefonemas de aliados do governador paulista, José Serra. Depois de enumerar as virtudes eleitorais de Serra e os bons índices nas pesquisas de opinião, eles criticaram o governador de Minas, Aécio Neves. "Ele é muito novo", foi um dos argumentos para dizer que ele não deve ser candidato à sucessão de Lula. Alguns casos de tons mais elevados levaram estes políticos a se queixar do nível da disputa. "Esse tipo de política silenciosa e camuflada pode rachar o partido", disse à ISTOÉ um prefeito tucano na manhã da quinta-feira 12. "E partido dividido perde eleição. O Serra sabe bem disso."
Se a tática do governador paulista era segurar a proposta de prévias numa panela partidária, enquanto injetava mais pressão contra Aécio, ela vazou na semana passada quando o presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, desceu do muro. "Eles são governadores, têm que trabalhar", disse FHC, num recado direto ao mineiro, que propôs viajar pelo País com Serra. "Não podem sair pelo Brasil a fazer prévias e não trabalhar." Não tinha um mês que FHC havia pregado o "amplo debate" para a escolha do candidato. A mudança de postura foi a senha para que Serra, que havia declarado nada ter contra as prévias, explicitasse sua contrariedade. "Não posso deixar de governar para ficar no tititi", disse.
FHC e Serra tentam assim demarcar um território inexistente: o do governador que governa sem fazer política. É como se o lançamento do PAC paulista nada tivesse a ver com a intenção de criar um contraponto eleitoral ao PAC da ministra Dilma Rousseff. Ou como se a nomeação do ex-governador Geraldo Alckmin para a Secretaria de Desenvolvimento fosse apenas um ato burocrático e não uma tentativa de unir o partido em São Paulo.
Cercada por todos os lados
Quando ganhou a eleição de maneira surpreendente, rompendo com 11 anos de alternância entre o PT e o PMDB no Palácio Piratini, Yeda Crusius parecia ser uma novidade para os gaúchos: paulista, tucana e mulher, ela prometia renovar a polarizada política do Rio Grande do Sul. Em três anos, saneou as finanças do Estado, mas um escândalo de corrupção no Detran local colocou seu projeto de ser a terceira via numa contramão macabra.
No dia 17 de fevereiro, um Toyota Corolla amanheceu vazio sobre a ponte Juscelino Kubitschek em Brasília. Ele pertencia a Marcelo Cavalcante, 41 anos, cujo corpo foi encontrado no dia seguinte, boiando no Lago Paranoá. Até julho do ano passado, ele comandava a representação do governo do Rio Grande do Sul em Brasília. Sua demissão foi uma tentativa de Yeda de se afastar do escândalo do Detran. Considerado testemunha- chave, ele tinha um depoimento marcado para 5 de março e pretendia negociar com o Ministério Público a delação premiada, dispositivo legal que permite a redução da futura pena em troca de informações privilegiadas.
Cinco dias antes de o carro ser encontrado sobre a ponte, Cavalcante havia desaparecido de casa, mas enviara mensagens à mulher, Magda Koenigkan. Dizia que "estava indo para outra vida". Abalada com a morte do marido, Magda diz que vai esperar a investigação. "Para mim está sendo muito difícil, pois colocaram como suicídio", afirma ela. "Estou passando por uma pressão violentíssima, há uma investigação grande da polícia."
O homem de R$ 6,2 milhões
No dia 29 de janeiro, três dias antes de deixar a primeira-secretaria do Senado, o senador Efraim Morais (DEM-PB) aprovou, com uma simples canetada, uma verdadeira farra com o dinheiro público. Num despacho inédito na Casa, deu aval para o Senado pagar nada menos do que R$ 6,2 milhões em horas extras para 3.883 servidores relativas a janeiro, mês em que o Senado se encontrava em recesso e, portanto, não foi registrada nenhuma atividade parlamentar.
O caso, considerado um "absurdo" pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), já está sendo apurado pelo Ministério Público do Distrito Federal. Depois que a decisão veio à tona, durante a semana, Efraim empurrou a batata quente para o colo dos chefes de gabinete dos 81 senadores. "Todos os gabinetes enviaram a solicitação. As informações são de responsabilidade do gestor do gabinete", disse o senador paraibano. José Sarney não aceitou a explicação: "Não acho correto, não. Tem que se verificar o que aconteceu e por que isso ocorreu."
O Ministério Público pode responsabilizar os autores da medida na esfera criminal e até pedir a devolução do dinheiro. Mas o novo primeirosecretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI), já se antecipou e, mesmo com o parecer da Advocacia-Geral do Senado que considerou legal o pagamento de horas extras, disse que pedirá o ressarcimento. Heráclito propõe que os servidores possam parcelar a devolução dos valores.
"O que não podemos é cometer injustiças com o servidor que trabalhou, perdeu férias, abdicou do descanso familiar. É uma falha, mas não podemos satanizar", afirmou. A justificativa do Senado para pagar os R$ 6,2 milhões foi a de que 3.883 servidores trabalharam além do expediente normal em janeiro para preparar apenas uma sessão que ocorreu no dia 2 de fevereiro: a da eleição da Mesa Diretora da Casa. Como os funcionários não precisaram assinar o ponto, a tarefa de comunicar à Secretaria de Recursos Humanos os nomes dos funcionários que teriam feito a hora extra coube aos chefes de gabinete.
O político Meirelles
Quando deixou para trás a bemsucedida trajetória profissional que o levou à presidência mundial do Banco de Boston, Henrique Meirelles tinha um sonho: investir numa carreira política que, no ápice, poderia levá-lo ao Palácio do Planalto. Deu o primeiro passo ao se eleger, em 2002, deputado federal pelo PSDB de Goiás, com 182 mil votos. Porém, convidado para a presidência do Banco Central, foi forçado a adiar o projeto. À frente do BC há mais de seis anos, um recorde de permanência, Meirelles, no momento, usa a principal arma ao seu alcance – a taxa básica de juros – para atenuar os efeitos da crise financeira. Mas, nos bastidores, articula sua candidatura ao governo de Goiás em 2010. Nessa tarefa, conta com um cabo eleitoral extremado: o presidente da Valec, José Francisco das Neves, o dr. Juquinha, responsável pela expansão da malha ferroviária no País. Doutor Juquinha não tem dúvida: "Ele será candidato a governador e ninguém conseguirá derrotá-lo."
Ao entrar em campo para pedir os 3,8 milhões de votos do povo de sua terra – nasceu em Anápolis em agosto de 1945 -, Meirelles terá de oferecer ideias que ultrapassem os limites da política econômica. Na opinião do dr. Juquinha, a principal bandeira será o desenvolvimento de Goiás e a criação de postos de trabalho. Nas palestras que fez ao percorrer o Estado no fim do ano passado, Meirelles, de fato, expôs uma espécie de mantra a favor da geração de emprego e do aumento do padrão de vida da população. "Além disso, ele tem notória capacidade administrativa e assumirá compromisso com a reorganização das finanças estaduais", conta dr. Juquinha, que, em 2002, abriu mão da reeleição para deputado federal e pôs suas bases eleitorais à disposição do amigo. Ele também ressalta que Meirelles, graças ao bom trânsito no mercado financeiro, vai atrair investimentos estrangeiros para Goiás, como nenhum outro governante.
Carta Capital
As novas terras de Yeda
O torniquete deu mais um giro em torno da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. Enredada em um mar de denúncias de corrupção e fraude no Detran do estado, com prejuízo estimado de 40 milhões de reais aos cofres públicos, Yeda corre o sério risco de se tornar o segundo chefe estadual do PSDB a ser defenestrado do cargo. O primeiro, Cássio Cunha Lima, da Paraíba, perdeu o mandato em fevereiro no Tribunal Superior Eleitoral.
Como nas denúncias anteriores, o fogo contra a governadora teve como origem alguns de seus até então aliados. Adão Paiani, ouvidor da Secretaria Pública do Rio Grande do Sul até o início do mês, afirma que o Executivo tem realizado escutas clandestinas com o objetivo de de pressionar e chantagear políticos locais. O esquema teria nascido na própria secretariam afirma Paiani, com a participação de funcionários graúdos do Executivo. "Há muito tempo as pessoas sabem dessa ação ilegal, mesmo que neguem publicamente. A diferença é que agora tenho como provar", afirmou o ex-ouvidor, que promete apresentar as provas em alguns dias.
Em uma reunião com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil em Porto Alegre, na semana passada, Paiani entregou um CD com gravações de integrantes do governo estadual. Neles, estariam os elementos que confirmariam o tráfico de influência, crime eleitoral, favorecimento e outros atos contrários aos interesses públicos envolvendo o governo. A OAB gaúcha pretende divulgar em breve uma análise do material.
Algumas semanas atrás, gravações em áudio e vídeo apresentadas por Lair Ferst, lobista e arrecadador da campanha de Yeda em 2006, redundou em uma lista de 28 denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal, como parte de um acordo de delação premiada firmado com Ferst.
Protógenes volta a mira
Um documento de 91 páginas repousa, desde o dia 9 de fevereiro, numa gaveta do gabinete do deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), relator da Comissão Parlamentar das Escutas Telefônicas Clandestinas, a chamada CPI dos Grampos. Trata-se de um texto escrito pelo delegado Paulo Lacerda, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), atual adido policial do Brasil em Lisboa. No texto, Lacerda faz um esclarecimento geral sobre as dúvidas recorrentes da CPI, mas, sobretudo, procura desmontar a tese da ilegalidade da participação de agentes na Abin na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, comandada pelo delegado Protógenes Queiroz. Pellegrino jamais deu publicidade ao papel nem levou em consideração o conteúdo do documento. Ao contrário.
Com o beneplácito do parlamentar baiano, Lacerda e Queiroz vão ser obrigados, novamente, a depor na CPI dos Grampos, ressuscitada aos 45 minutos do segundo tempo em mais uma movimentação para lá de nebulosa com a participação dos atores veteranos nesta operação: a revista Veja, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da comissão. Prestes a votar o relatório final, de autoria de Pellegrino, os parlamentares acertaram prorrogar os trabalhos por mais 60 dias após uma reportagem da revista da Abril que tinha por objetivo demonstrar ilegalidades cometidas por Queiroz durante a investigação do banqueiro Daniel Dantas.
Pellegrino, que já havia apresentado o relatório final da comissão, tinha constatado não haver provas para indiciar Queiroz e Lacerda nem a mínima materialidade capaz de sustentar um suposto grampo realizado no Supremo Tribunal Federal de uma angelical conversa travada entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), sem áudio nem transcrição oficiais, confirmada apenas pela dupla. A última reportagem da Veja, que mais uma vez mistura alhos e bugalhos, aproveita para atacar o juiz Fausto De Sanctis (que nada tem a ver com a investigação do vazamento) e não acrescenta nenhuma prova cabal ou mesmo fatos novos das pretensas irregularidades da Satiagraha, foi o pretexto que faltava para Itagiba, com apoio das mais distintas forças políticas, manter acesa a disposição de indiciar a dupla, desejo manifestado pelo deputado faz muito tempo. Mais do que nunca, como diz o apresentador Faustão, a CPI das Escutas Clandestinas virou a CPI da Satiagraha.
Como escapar do serviço militar
Caio Maniero D’Auria é um enxadrista. Calculista. Paciente. Insistente. Irritante, até. Graças a essas características, tornou-se, aos 22 anos, o primeiro brasileiro dispensado do serviço militar obrigatório por “razões políticas e filosóficas”. Na prática, significa que ele foi dispensado sem nem precisar jurar à bandeira. Para muitos, a formalidade é apenas um detalhe. Para ele, uma batalha de quase cinco anos de duração em defesa da “liberdade”.
Todos os anos 1,6 milhão de jovens alistam-se e cerca de 100 mil são incorporados ao Exército, à Marinha ou à Aeronáutica (em 2008 foram 80 mil), segundo o Ministério da Defesa. Desses, 95% declararam no alistamento desejo de servir. Os que não queriam, foram convocados por ter alguma habilidade necessária à unidade militar da região. “A Estratégia Nacional de Defesa pretende alterar esse quadro, de modo a que o serviço militar seja efetivamente obrigatório, e passe a refletir o perfil social e geográfico da sociedade brasileira”, anuncia o Ministério da Defesa, sem dar detalhes de como isso será feito.
Por ora, a única exigência feita para os dispensados é uma pastosa cerimônia de Juramento à Bandeira, tão esvaziada quanto a obrigação de executar o Hino Nacional antes das partidas de futebol em São Paulo. Ninguém reclama. Caio recusou-se.
Determinado a encontrar um meio válido de não jurar à bandeira, entranhou-se nas leis militares. Telefonou para o Comando Militar do Sudeste e soube que podia pedir para prestar um serviço alternativo e que, por não haver convênio firmado, isso resultava na dispensa automática. “Mas a secretária da Junta Militar me falou que só Testemunhas de Jeová podiam alegar objeção de consciência. Ela me mandou jurar à bandeira, mas eu estaria mentindo se jurasse dar a vida pela nação, pois jamais faria isso”, diz, com um sorriso tímido de quem mal deixou a adolescência.
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