Época
Quando os arapongas vão às compras
Serviços secretos, por natureza, costumam manter segredo sobre suas atividades. A Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, não foge à regra. Inclusive nas próprias finanças, sempre bem guardadas sob o manto do sigilo. Por ironia, a Abin, acostumada a produzir relatórios com informações sigilosas sobre seus alvos – de narcotraficantes a suspeitos de terrorismo, de corruptos de quinta categoria a grandes chefes do crime organizado –, acaba de virar, ela própria, um alvo. O motivo da investigação está justamente em suas contas secretas. De março de 2006 até o mês passado, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) se debruçaram sobre as faturas sigilosas dos cartões corporativos usados pelos arapongas, como são conhecidos popularmente os agentes da Abin.
Esses gastos consumiram R$ 22 milhões dos cofres públicos nos últimos três anos. É a primeira vez que o TCU, único órgão externo com atribuição de fiscalizar os gastos secretos da Abin, realiza uma investigação sobre as despesas com cartões na agência. O resultado do trabalho, a que ÉPOCA teve acesso, revela uma série de problemas na aplicação e na prestação de contas desse dinheiro. Os auditores encontraram uma lista de gastos suspeitos, que incluem despesa de R$ 5 mil numa churrascaria sofisticada de Brasília, notas fiscais frias, saques milionários na boca do caixa e vultosos pagamentos a informantes sem que haja maneira de averiguar se, de fato, os arapongas gastaram o dinheiro em troca de alguma informação relevante.
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Ao analisar os gastos, os técnicos verificaram que praticamente tudo o que a Abin gasta com cartões é sacado, antecipadamente, na boca do caixa. Em 2005, quando as despesas totalizaram R$ 5,2 milhões, 98,7% foram retirados, em dinheiro vivo, em bancos ou caixas eletrônicos. Em 2006 e 2007, 100% dos quase R$ 18 milhões gastos nos dois anos foram sacados antes de ser usados para bancar as despesas. Para o TCU, isso configura uma irregularidade grave. “Houve um total desvirtuamento do cartão de pagamento”, escreveram os fiscais no relatório. Nos próximos dias, o documento chegará às mãos do ministro Ubiratan Aguiar, relator do processo. É justamente dessa prática de saques em dinheiro vivo pelos agentes que derivam todas as outras irregularidades detectadas pela auditoria do TCU.
O pagamento aos supostos informantes é um exemplo da dificuldade encontrada pelos auditores para fiscalizar os gastos da Abin. Num dos processos analisados, um agente cujas iniciais são L.A.S. – ÉPOCA optou por revelar apenas as iniciais dos agentes, em respeito à natureza secreta de sua função – sacou R$ 108 mil. Era 24 de maio de 2005. Ao prestar contas, o agente apresentou um conjunto de folhas de papel ofício para atestar que a verba fora utilizada para pagar pelo serviço de informantes. Os papéis, sem timbre, trazem um texto-padrão: “Importa o presente documento de despesa na importância supra de R$ 28.000 (vinte e oito mil reais), referentes a gastos efetuados com colaborador eventual, em proveito da atividade fim da Abin, sem comprovante”.
Veja
Depois de inúmeros desmentidos, seis versões oficiais, dezenas de negativas da ministra Dilma Rousseff e várias teorias da conspiração, está comprovado: como VEJA revelou há oito semanas, o dossiê com o detalhamento dos gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua família foi feito mesmo na Casa Civil da Presidência da República e, de lá, ganhou asas rumo ao Congresso Nacional. As investigações sobre o autor ou autores do documento ainda não foram concluídas, mas o caso ganhou um personagem que pode ser decisivo para a elucidação definitiva dessa última parte do mistério. Ele se chama José Aparecido Nunes Pires, é auditor do Tribunal de Contas da União, antigo militante petista e, desde o início do governo Lula, chefe da Secretaria de Controle Interno da Casa Civil. Uma perícia da comissão de sindicância apontou o secretário como suspeito de ter vazado o dossiê. Extra-oficialmente, chegou-se até a espalhar a versão de que José Aparecido seria também o autor do documento, numa ação voluntária, feita por conta própria, sem o aval do governo. José Aparecido nega, em público, todas as acusações. Mas não esconde dos amigos que, se for convocado a depor, contará tudo que sabe sobre o caso. Ele sabe muito. Sabe quem fez o dossiê, sabe como foi feito, sabe com que objetivos e, principalmente, sabe o nome de quem deu a ordem.
O surgimento de José Aparecido no caso arrepia o governo sobre vários aspectos. Em conversa com amigos, ele já confidenciou que a secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, braço-direito da ministra Dilma Rousseff, teria sido a responsável pela elaboração do dossiê. O trabalho foi feito por um grupo de oito pessoas selecionadas, e, oficialmente, o objetivo era levantar informações para ser usadas "no enfrentamento com a oposição" na futura CPI dos Cartões Corporativos. Em-bora não tenha feito parte diretamente da manipulação das informações, o secretário revelou ter acompanhado todo o trabalho a partir de relatos de dois assessores seus que participaram do grupo encarregado da coleta e da seleção dos dados. A euforia com o resultado era tão grande, segundo ele, que alguns funcionários do Palácio do Planalto comemoravam aos gritos cada despesa considerada exótica encontrada nos processos de prestação de contas. "Se eu for convocado à CPI, conto tudo", disse ele na sexta-feira passada. O deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) já anunciou que pretende apresentar nesta semana o requerimento de convocação de José Aparecido.
encontrada nos processos de prestação de contas. "Se eu for convocado à CPI, conto tudo", disse ele na sexta-feira passada. O deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) já anunciou que pretende apresentar nesta semana o requerimento de convocação de José Aparecido.
Como vota o brasileiro
O sociólogo Alberto Carlos Almeida causou polêmica no ano passado ao lançar um livro, A Cabeça do Brasileiro, em que mostrava que a parcela mais educada da população – ou seja, a elite brasileira – é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos do que a parcela formada pelos brasileiros menos escolarizados. Exatamente o contrário do que a turma costuma apregoar, afeiçoada ao mito do "povo sábio" e da "elite retrógrada", entre outros anacronismos que a história já se encarregou de enterrar. Agora, com seu novo livro, A Cabeça do Eleitor (308 páginas, 40 reais, editora Record), que será lançado na próxima semana, o sociólogo se arrisca a provocar nova grita. Com base na análise de 150 eleições – municipais, estaduais e presidenciais –, Almeida analisa a lógica que orienta a escolha de um candidato por parte do eleitor brasileiro. E chega à conclusão de que essa lógica é bem mais simples do que se poderia supor. Constrangedoramente simples até: o brasileiro vota a favor do governo ou do candidato do governo se considera que sua vida está boa ou melhorou.
E vota no candidato da oposição se considera que ela está ruim ou piorou. Questões como ética, corrupção, separação entre o público e o privado não entram nessa conta. "O eleitorado, sobretudo o de baixa renda, vota em função de suas necessidades imediatas e da satisfação dessas necessidades", concorda o sociólogo Demétrio Magnoli.
Bicadas paulistanas
O tucano Geraldo Alckmin teve sua candidatura a prefeito de São Paulo lançada pelo diretório municipal de seu partido. Mas a festa virou baderna. Seus aliados trocaram insultos com tucanos que apóiam a reeleição do prefeito Gilberto Kassab, do DEM. Aos gritos, as facções expuseram publicamente sua divisão. Era uma explosão com data marcada para ocorrer: nos últimos meses, em conversas privadas, os integrantes de um grupo só se referiam aos do outro com palavrões. A ala pró-Kassab é composta pela maioria dos deputados estaduais do PSDB e por onze dos doze vereadores do partido. Eles dizem que, como Kassab foi leal a Serra quando este deixou a prefeitura para concorrer ao governo paulista, deve ser apoiado pelos tucanos. De fato, o prefeito deu seguimento à gestão Serra. Kassab é praticamente um discípulo do governador, a quem chama, inclusive, de "chefe". Mas a raiz da briga tucana não está na administração de São Paulo. O problema reside na esfera nacional.
A eleição paulistana é um lance fundamental para a disputa pela vaga de candidato do PSDB a presidente da República em 2010. Kassab trabalha para que Serra seja o escolhido, e sua manutenção na prefeitura da maior cidade do país seria uma bóia de salvação para o DEM, grande aliado do PSDB que sangrou muito nas urnas em 2006. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, também almeja o Palácio do Planalto. Como quer anular Serra e não tem o apoio da cúpula do DEM, insufla a candidatura de Alckmin – que, se for eleito prefeito, poderá viabilizar o sonho presidencial de Aécio. Há um ano, o grupo pró-Kassab tenta convencer Alckmin a trocar a candidatura a prefeito pela de governador de São Paulo em 2010. A oferta foi feita pela primeira vez no início de 2007, quando Alckmin se recuperava da derrota nas eleições presidenciais. Na ocasião, Serra lhe disse que pretendia se candidatar a presidente em 2010 e que gostaria que ele concorresse ao governo estadual. Alckmin preferiu a prefeitura. Aos seus correligionários, justifica que, se não concorresse neste ano, poderia ser esquecido pelo eleitorado. Além disso, afirma não ter garantias de que Serra não concorrerá à reeleição para o governo em 2010.
Milícia do Rio ameaça até a PM
A Liga da Justiça é uma das milícias que aterrorizam o Rio de Janeiro. Ela extorque comerciantes, moradores e motoristas de vans que trafegam ilegalmente na Zona Oeste do Rio. Em troca do dinheiro, promete segurança. O deputado estadual Natalino José Guimarães, do DEM, e seu irmão, o vereador Jerônimo Guimarães, do PMDB, são acusados de liderar a quadrilha. Jerônimo está preso desde dezembro último, por formação de quadrilha. Natalino só não lhe faz companhia porque tem imunidade parlamentar. Na semana passada, tornou-se público um inquérito da polícia que envolve os Guimarães em uma tentativa de assassinato. Em 2005, os bandidos da Liga da Justiça atiraram em Marcelo Lopes, um informante da polícia que denunciou os achaques feitos pela máfia aos donos de vans. De acordo com o inquérito, os irmãos teriam assistido ao crime. Luciano Guimarães, filho do vereador, é apontado como autor de alguns dos disparos. A polícia também recebeu denúncias de que os irmãos Guimarães planejavam matar o coronel da Polícia Militar Dario Cony, que atrapalhava os negócios da milícia.
Organizações como a Liga da Justiça constituem um poder paralelo no Rio. Pelo menos noventa das 500 favelas da cidade são controladas por milícias. A maioria delas é chefiada por policiais reformados. Os irmãos Guimarães, por exemplo, eram policiais civis. Enriqueceram, entraram na política e, agora, tentam legalizar seu negócio. Em abril, Natalino Guimarães conseguiu que a Assembléia Legislativa do Rio aprovasse uma proposta de criação de polícias comunitárias constituídas por policiais aposentados. O governador Sérgio Cabral garante que vetará essa e qualquer outra iniciativa semelhante.
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