Pesquisa encomendada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (C-femea) mostra que mais da metade dos parlamentares entrevistados são contrários qualquer mudança na legislação do aborto. De acordo com o levantamento, 57% dos congressistas ouvidos manifestaram-se contra a qualquer tentativa de mudança na lei para permitir a interrupção da gravidez.
Segundo a pesquisa, 15% dos parlamentares rejeitam a prática do aborto em qualquer situação, inclusive estupro ou risco de morte para a mãe ou o feto. Apenas 1% acha que a legislação deve ser ampliada, de maneira que a interrupção voluntária de gravidez seja permitida em determinados casos. Já aqueles que apoiam a ampliação irrestrita da lei são 18%, enquanto 8% não souberam opinar.
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A pesquisa traz ainda outro dado revelador. Segundo o C-femea, ele explica a posição predominante entre deputados e senadores em relação ao aborto: um terço dos parlamentares diz pautar sua atuação legislativa conforme sua crença religiosa.
Foram consultados 321 congressistas, entre deputados e senadores: 27 mulheres (8% dos mandatários no Congresso) e 294 homens (92%), a mesma proporção entre os 594 parlamentares. O questionário foi elaborado pelo centro de estudos em 2007 e aplicado em 2008 pelo Instituto Soma. Somente agora, no entanto, os resultados estão sendo divulgados.
Livro
Os dados levantados pela pesquisa deram origem a um livro, Como os parlamentares pensam o direito das mulheres?, organizado pelas pesquisadoras Eneida Vinhaes Dutra e Soraya Fleischer, que faz parte da coleção 20 Anos de Cidadania e Feminismo, numa referência às duas décadas de criação do Cfemea. Na avaliação da entidade, o levantamento mostra o “grande distanciamento dos parlamentares em relação ao direito de livre escolha frente uma gravidez indesejada”.
“Esse distanciamento vem se mantendo ao longo das duas últimas décadas. Quanto à ampliação para os permissivos legais para a realização da interrupção da gravidez, os parlamentares conseguem acolher a ideia apenas em situações de grave risco à saúde da mulher, e de má formação congênita incompatível com a vida ou doença fetal grave e incurável”, diz trecho do livro, antecipado pelo Congresso em Foco (confira a íntegra).
Religião e política
O estudo aponta que 34% dos 321 parlamentares entrevistados admitem legislar, parcial ou totalmente, conforme suas convicções religiosas particulares. Outros 60% declararam ser contra deliberar de acordo com suas crenças religiosas. A maioria dos legisladores que trabalhavam a partir de suas convicções religiosos era católica (70%) e evangélica (22%).
O estudo mostra que 10% dos parlamentares entrevistados declararam não professar nenhuma crença religiosa. Dos 321 ouvidos, 237 disseram ser católicos; 39, evangélicos, e seis, espíritas. A maioria é católica tanto entre os homens (75%) quanto entre as mulheres (63%) pesquisadas.
Segundo a entidade, os parlamentares que agem segundo suas convicções religiosas comprometem a instituição pública para a qual se elegeram ao confundirem religião e Estado, afrontando o princípio da laicidade, previsto na Constituição.
“Como destacado pelas autoras, a grande maioria dos parlamentares não reconhece o direito das mulheres realizarem o aborto por motivação sócio-econômica ou por livre solicitação. A luta contra o direito ao aborto e a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo constituem bandeiras paradigmáticas das forças conservadoras e religiosas de cunho fundamentalista, que vem se organizando e fortalecendo a cada dia em todo o planeta”, destaca outro trecho da publicação.
“Bolsa estupro”
A pesquisa mostra, ainda, que 64% dos entrevistados concordam com a concessão de um salário mínimo (R$ 465) para a mulher vítima de estupro que decida não interromper a gravidez até que o filho complete 18 anos. O assunto, polêmico, é objeto do Projeto de Lei 1763/07, da ex-deputada Jusmari Oliveira (PR-BA), batizado pelo movimento feminista de “Bolsa estupro”. Outros 4% dos parlamentares declararam concordar parcialmente com a proposta.
“Toda a justificativa dos autores em defesa do projeto parte de uma imagem das mulheres como uma simples peça na engrenagem do ato sexual e da reprodução”, considera o estudo.
A entidade faz firmes críticas à CPI do Aborto na Câmara – criada em novembro de 2008, mas até hoje não instalada na Câmara – que teria sido proposta por uma “minoria fundamentalista” de deputados que, na avaliação do centro, trabalha pelo “retrocesso” na legislação.
De acordo com o C-femea, esses parlamentares se pronunciam “sempre que percebem a presença da mídia” e exercem pressão sobre seus pares. Com 210 assinaturas de adesão, a CPI teria a intenção de identificar e criminalizar “mulheres que praticam o aborto, profissionais que acolhem e cuidam de tal decisão, e organizações de mulheres que defendem o direito ao abortamento legal e seguro”.
Além de Soraya e Eneida, outros cinco integrantes da entidade assinam a pesquisa, que é dividida em áreas de especialização: Patricia Rangel, Juliano Alessander, Natália Mori, Sarah Reis e Kauara Rodrigues. O tema do aborto foi analisado por Soraya, Kauara e Natália.
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