É o que demonstra pesquisa do Instituto Promundo divulgada em audiência pública promovida nesta quinta-feira (6) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e pelo projeto Pauta Feminina, da Procuradoria da Mulher do Senado.
– O problema é nacional, brasileiro. Quando falamos em casamento infantil a gente lembra da Índia, da África, de tribos indígenas. Mas, Quando a gente olha pra esse número, tem algo que choca – disse Danielle Araujo, coordenadora da pesquisa.
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O estudo ouviu 250 meninas de até 18 anos e 250 homens, de 24 a 60 anos, casados com adolescentes nos dois estados brasileiros onde esse tipo de união é mais frequente: Pará e Maranhão. Mas o fenômeno é nacional, e ocorre tanto na área urbana quanto na área rural, salientou Danielle.
O casamento vem com frequência após a iniciação sexual da adolescente, ou por uma gravidez indesejada, como forma de “lavar a honra”. É também uma possibilidade de autonomia e independência em relação aos pais, já que a rede de proteção é vulnerável e falha e já naturalizou os enlaces precoces. Em sua maioria, eles não são oficiais. O fator econômico incide de maneira determinante, mas a pobreza não explica tudo, afirmou Danielle. As normas sociais de gênero que pautam as relações também entram no contexto.
– A menina é subestimada, não tem autonomia, é vista como feita para casar ou ser do lar. Sair de casa para casar depois de ter emprego e formação superior não é um horizonte. O casamento é visto como uma possibilidade de saída – destacou.
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A entrevista com os homens participantes da pesquisa mostrou a extensão do pensamento machista que impera em grande parte da sociedade brasileira. Questionados sobre os motivos que os levam a casar com uma pessoa em média nove anos mais nova, a resposta mais frequente é ligada à beleza e aos corpos mais atraentes das adolescentes. Além disso, mais novas são mais fáceis de controlar, principalmente por serem os homens, nesses casos, os provedores da casa.
Os dados também demonstram que o cerceamento e o controle do marido levam a menina a se afastar do círculo de amigos e da família, da escola e da vida em sociedade, até mesmo porque precisam cuidar dos filhos e da casa. Elas não tem autonomia sobre o próprio corpo porque muitas vezes não conseguem nem convencer o marido a usar preservativo.
– As meninas não desejam esse casamento, não é a primeira coisa nas suas vidas. Ele acontece por inúmeros fatores e elas se veem nessa circunstância. O casamento não é uma questão de escolha, pelo menos não foi isso que a pesquisa apontou – registrou Danielle.
Anette Trompeter, diretora da Plan Internacional, salientou o quanto o brasileiro ignora o elevado número de uniões precoces que ocorrem no país. Em pouco tempo, estimou, citando dados de pesquisas, metade das meninas que vivem em países em desenvolvimento estará casada antes de 20 anos, e isso implica em mais abuso e exploração sexual, servidão, abandono escolar e perda de autonomia.
– Embora tenham os mesmos direitos, na prática, meninas e mulheres estão em desvantagem – observou.
Homens
As palestrantes foram unânimes ao defender que o debate sobre a altivez, força, liberdade, autoestima e independência das meninas precisa envolver também os meninos e homens, para mudar os estereótipos.
– Me incomoda um debate só com mulheres. Como os homens podem se apropriar dessa pauta desse jeito? Discutir gênero como coisa de mulher é uma barreira que a gente tem que romper – afirmou a senadora Regina Sousa (PT-PI) propositora da audiência.
Essa inclusão também foi uma reivindicação das 70 meninas que participaram de seminário organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Brasília, no ano passado, sobre o tema. Além de mobilizar os homens para auxiliar nessa conquista de poder e igualdade de direitos para as meninas, é necessário aumentar os espaços de diálogo com gestores e poder público e fortalecer os espaços já existentes, explicou Gabriela Mora, oficial do programa Cidadania dos Adolescentes da Unicef.
As adolescentes, por exemplo, acabam invisíveis para as instâncias responsáveis por sua proteção, já que as políticas para infância e adolescência não fazem o recorte de gênero. Já as voltadas para as mulheres têm olhar mais voltado para os problemas das adultas.
– As jovens ficam nesse vácuo – disse.
Também se discutiu na audiência pública, que teve como tema “O empoderamento das meninas”, a criação de um “Dia das Meninas”, importante para dar visibilidade ao tema e às reivindicações da população feminina jovem.
Rede
A secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Cláudia Vidigal, propôs criar uma rede nacional de empoderamento de meninas para que as participantes da audiência pública se articulem de forma sistemática. Cláudia acrescentou que a questão precisa ser pautada em outros espaços dentro do governo, como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e a Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Infantil (Conaeti).
Cláudia ressaltou ainda a importância do esporte para as meninas. Ela elogiou o projeto “Uma vitória leva à outra”, implantado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro e que usa o esporte como ferramenta para falar sobre igualdade de gênero.
De acordo com Joana Chagas, gerente de programas da ONU no Brasil, o esporte para meninas aumenta a saúde, eleva a autoestima e dá a elas a noção de que são donas do próprio corpo e da própria vida.
Pensando nisso, Cláudia Vidigal sugeriu a provocação ao Ministério do Esporte para participar dessa rede.
– Eu tenho um grupo de amigas que participa de corridas de aventuras pelo mundo e elas montaram uma equipe só de mulheres. Essa equipe acabou vencendo diversas provas de todos os homens. Na corrida de aventura, em que se exigiam estratégia, companheirismo, trabalho em equipe, força física também, as meninas ganhavam. Então eu realmente entendo que essa é uma estratégia em que a gente deve investir – afirmou.
Capacitação
Na audiência pública, a professora Josilene Aires, da Paraíba, fez um relato sobre o projeto “Promoção da inclusão social e empoderamento das meninas através da capacitação em Ciências da Computação“,mostrando um caminho para quebrar paradigmas.
O projeto estimula as mulheres a ocuparem espaços tradicionalmente ocupados por homens, como ocorre com a área de Ciências Exatas. Segundo Josilene, as mulheres representam apenas 13% dos alunos matriculados no bacharelado em Ciências da Computação, enquanto na Engenharia da Computação esse índice é de 17%.
Com o projeto, a professora quer auxiliar as adolescentes a entenderem que podem entrar nesse mercado. Até porque, de acordo as estatísticas oficiais, as mulheres no Brasil já estudam mais anos e tiram notas melhores que os homens na escola. Nada justifica, portanto, que ocupem posições inferiores no mercado de trabalho e não cresçam na carreira, disse Josilene Aires.
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