Em entrevista à revista IstoÉ, o presidente Lula disse que sempre foi contra a reeleição e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso "vai carregar pelo resto da vida o gesto irresponsável de ter aprovado a reeleição em benefício próprio". Lula, que é o candidato do PT à reeleição, acrescentou que irá lutar para aprovar o mandato de cinco anos para presidente, sem reeleição.
Lula declarou que ser for reeleito irá assumir, pessoalmente, a construção das alianças. "Vou conversar com os aliados, com o PMDB, com outros partidos políticos e com os governadores. É assim que vamos construir as condições políticas para dar ao país a tranqüilidade de que ele necessita". Lula acredita que o governo tem de fazer o possível para garantir uma base de sustentação no Congresso e levar adiante os projetos necessários para continuar mudando o Brasil.
O presidente fez uma comparação do seu governo com o de FHC. "Em qualquer área – na economia, na geração de empregos, na distribuição de renda, nas políticas sociais, na infra-estrutura, na participação democrática da sociedade, na política externa, no combate à corrupção, na segurança pública – nosso governo, em menos de quatro anos, fez muito mais do que o governo anterior em oito anos".
Leia também
Em relação à reforma política, Lula disse que será feita. "Felizmente já colocamos o Brasil nos eixos. E nossa democracia completou um ciclo muito importante, no qual todos os grandes partidos foram governo. Por isso, acredito que existam todas as possibilidades de aprovar uma reforma política e eleitoral, com fidelidade partidária, financiamento público de campanhas e fim da reeleição".
Nesta entrevista, concedida ao jornalista Hugo Studart, ele ainda falou sobre a situação econômica do país, voto distrital, Bolsa Família, quadro eleitoral, entre outros assuntos.
Confira a entrevista na íntegra:
"Como o sr. planeja governar junto com o Congresso, diante do desgaste sofrido pelos parlamentares e da possibilidade de esse mesmo Congresso não atuar de forma majoritária na votação de pautas?
Se reeleito, vou assumir pessoalmente a construção das alianças que o governo tem de fazer para garantir uma base de sustentação no Congresso e levar adiante os projetos necessários para continuar mudando o Brasil. Vou conversar com os aliados, com o PMDB, com outros partidos políticos e com os governadores. É assim que vamos construir as condições políticas para dar ao País a tranqüilidade de que ele necessita. Além disso, o País precisa urgentemente de uma reforma política, que fortaleça os partidos e a identidade entre o voto do eleitor e um projeto nacional. Uma reforma que construa mecanismos para corrigir as distorções hoje existentes no sistema político. O papel do Partido dos Trabalhadores será o de liderar uma coalizão e ampliar o diálogo interno e externo, sempre tomando por base o nosso programa de governo. Nós vamos governar o País, portanto, com as forças políticas que estão nos apoiando nas eleições, mas estaremos dispostos a fazer quantos acordos forem necessários com a oposição sobre questões de interesse nacional.
O gargalo do crescimento já vem sendo apontado como o mais grave já enfrentado pelo País. Há pelo menos uma década o crescimento tem sido residual diante do resto do mundo. Qual o seu plano para mudar esse processo?
A situação econômica do país é segura e estou convencido de que ela vai melhorar cada vez mais. É preciso lembrar o que a política econômica do nosso governo conseguiu nesses três anos e meio. Depois de anos de inflação alta, desequilíbrios orçamentários e nas contas externas, finalmente conseguimos colocar a economia brasileira na rota do crescimento sustentado. Temos, hoje, um conjunto de fatores positivos: crescimento econômico com inflação baixa e geração de empregos, expansão das exportações com ampliação do mercado interno, aumento do crédito e do investimento com redução constante da taxa de juros e do risco-país. Essa combinação de fatores é excepcional na história do Brasil. A política econômica bem-sucedida vai continuar, só que agora em uma nova fase: superados os desequilíbrios e controlada a inflação, estamos em condições de caminhar para uma taxa de crescimento mais vigorosa, continuando a baixar os juros.
Com a cláusula de barreira, uma nova realidade política se estabelece no Brasil. Como o sr. projeta o processo democrático brasileiro a partir desse quadro?
Além da reconfiguração do quadro partidário, devido à cláusula de barreira, estou convencido de que o Brasil precisa fazer a reforma política com urgência. Ela é a mãe de todas as reformas. Nosso governo sempre teve consciência disso, embora a iniciativa e deliberação a respeito do assunto caibam ao Legislativo e não ao Executivo. De toda forma, tivemos que atender a outras prioridades, como vocês sabem, porque recebemos um país praticamente quebrado. Agora, felizmente, já colocamos o Brasil nos eixos. E nossa democracia completou um ciclo muito importante, no qual todos os grandes partidos foram governo. Por isso, acredito que existam todas as possibilidades de aprovar uma reforma política e eleitoral, com fidelidade partidária, financiamento público de campanhas e fim da reeleição.
O ex-governador Adhemar de Barros uma vez definiu que não existe abismo do tamanho do Brasil. Gostaríamos de saber do sr.: que Brasil estamos construindo e a que Brasil iremos chegar ao final do próximo mandato.
O Brasil é de fato um grande país, com um povo extraordinário, e tem todas as condições de superar as limitações históricas a que vem sendo submetido por grande parte de suas elites dominantes. Para isso, o papel do presidente da República é muito importante. Ele tem que conhecer os problemas e a alma do povo, para governar com a cabeça e com o coração, como temos procurado fazer. As dificuldades, contudo, são enormes porque há aqueles setores das elites que têm se beneficiado desde sempre com a desigualdade e a miséria do povo – e resistem às mudanças, apelando para tudo quanto é artifício, mentiras e calúnias.
Qual a sua opinião sobre o voto distrital, sobre o fim do mecanismo da reeleição e sobre o modelo de bipolaridade partidária, ou seja, de dois partidos, nos moldes do sistema americano?
Acredito que devemos debater a questão do voto distrital no âmbito das discussões sobre a reforma política. Quanto à reeleição, sou contra, como sempre fui, e espero que possamos voltar ao mandato de cinco anos, sem direito à reeleição. Aliás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vai carregar pelo resto da vida o gesto irresponsável de ter aprovado a reeleição em benefício próprio. Em relação à bipolaridade partidária, não me parece que essa seja a tendência aqui no Brasil. Você pode vir a ter dois partidos mais fortes, mas sempre teremos outros, de peso relativo maior ou menor, que vão configurar o espectro de posições político-ideológicas da nossa sociedade.
No que o seu governo pode ser melhor do que o do seu adversário?
Em qualquer área – na economia, na geração de empregos, na distribuição de renda, nas políticas sociais, na infra-estrutura, na participação democrática da sociedade, na política externa, no combate à corrupção, na segurança pública – nosso governo, em menos de quatro anos, fez muito mais do que o governo anterior em oito anos. No segundo mandato, depois que arrumamos a casa, o Brasil vai dar um salto de qualidade. Nós governamos para 190 milhões de brasileiros, mas damos atenção especial à grande maioria mais pobre da população. E esta é a diferença histórica: estamos mudando as políticas públicas para corrigir injustiças praticadas há tanto tempo por setores das elites brasileiras. Eles só sabem governar para menos de 30 milhões de brasileiros. O compromisso deles é com essas elites.
A partir do programa assistencialista do Bolsa Família, qual o passo seguinte que se faz necessário para a efetiva inclusão social?
Digo sempre que o Bolsa Família só é assistencialista para quem vive de barriga cheia e tem preconceito contra o povo. Para mais de 11 milhões de famílias que passavam fome e viviam há décadas abandonadas pelo Estado, o Bolsa Família é uma salvação, é um primeiro passo para poder erguer a cabeça, garantir os filhos na escola, atendimento médico e ter condições para procurar meios próprios de garantir a sobrevivência. O Bolsa Família é um dos maiores e mais eficientes programas de transferência de renda do mundo. Ele é o principal instrumento do Fome Zero, o qual integra ações de combate à fome, distribuição de renda, acesso a alimentos mais baratos, fortalecimento da agricultura familiar, entre outras iniciativas voltadas para a geração de oportunidades de trabalho e renda. Entre 2002 e 2005, o Bolsa Família aumentou em 152% o volume de recursos destinados às famílias mais pobres do nosso país. Foram mais de R$ 14 bilhões no ano de 2005, que chegaram a 99,9% dos municípios brasileiros. Não por acaso, o valor do Índice de Gini, que mede a desigualdade social, foi o menor dos últimos 29 anos. Além disso, segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a miséria foi reduzida em 19% no nosso governo.
Com que quadro partidário o sr. imagina governar?
Estou preparado para governar com o quadro partidário que as urnas determinarem. Mas, para mim, o fundamental é que tenhamos uma coligação de partidos em torno de um claro programa de governo.
No seu futuro ministério, qual a proporção que o sr. imagina construir de quadros técnicos e políticos nos principais cargos?
A política tem a primazia na condução do governo e dos ministérios. Por isso mesmo, não se trata de definir uma proporção ideal entre técnicos e políticos. Ambos são indispensáveis. Os meus ministros, mesmo os de perfil técnico mais acentuado, são políticos na plena acepção da palavra.
O que deu certo e o que deu errado no governo que termina ao final deste ano?
Estamos satisfeitos porque muito mais coisas deram certo do que errado. Preparamos o Brasil para um ciclo de desenvolvimento sustentado, que agora vai avançar muito mais. Isso deu certo. Criamos mais de seis milhões de empregos, quatro milhões dos quais com carteira assinada. Uma média de mais de 100 mil por mês, enquanto a média dos oito anos do governo anterior foi pouco mais de oito mil. Criamos, portanto, mais de dez vezes mais empregos. Conseguimos mais de 19% de diminuição da miséria no nosso governo. Mas acredito que o êxito de um governo não pode ser medido pela ausência de problemas, mas, sim, pela sua capacidade de superá-los e de aprender com eles. Esse aprendizado, às vezes, é doloroso. Enfrentamos, por exemplo, crises políticas. E, no entanto, fizemos tudo o que precisava ser feito: afastamos os supostos envolvidos, determinamos que a Polícia Federal e a CGU investigassem e não colocamos obstáculo a que as outras instituições, como o Ministério Público e o Legislativo – com três CPIs -, também investigassem com total independência. O governo, por sua vez, continuou a funcionar em ritmo acelerado. Tanto é assim que os resultados estão aí: melhoria das condições econômicas, distribuição de renda, investimento em educação, obras de infra-estrutura, etc. Nunca, nem um dia sequer, deixei de cumprir rigorosamente a agenda de governo em função da crise. Essa talvez tenha sido a principal lição: a de que o melhor remédio quando se tem problemas é trabalhar mais duro ainda."
Deixe um comentário