Durante todo o processo de discussão das regras que nortearão a realização da Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em 2014, o discurso tanto do governo quanto das autoridades esportivas tem sido no sentido de garantir que a legislação federal brasileira será respeitada. Sobre os pontos mais polêmicos da Lei Geral da Copa, como a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios e o fim da meia-entrada para estudantes, o discurso de autoridades do governo e da Fifa tem sido no sentido de dizer que não há lei federal sobre esses temas. Um estudo da consultoria legislativa do Senado, obtido pelo Congresso em Foco, porém, aponta o contrário: a Lei Geral da Copa afrouxa, sim, a legislação brasileira, principalmente para permitir o comércio de bebidas alcoólicas durante os jogos.
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A venda de bebidas está proibida nos estádios brasileiros desde o ano passado, conforme o Estatudo do Torcedor. E pode acabar liberada nos dois torneios organizados pela Fifa. Para isso acontecer, basta o Congresso manter a redação atual do inciso segundo do artigo 34 do projeto da Lei Geral da Copa, enviado em setembro pelo governo e atualmente em tramitação em uma comissão especial da Câmara.
A argumentação feita pela Fifa é que o Estatuto do Torcedor não veda claramente a venda de bebidas alcoólicas. O estudo do Senado, elaborado pelo consultor legislativo Alexandre Sidnei Guimarães, mostra que não é bem assim. Embora não fale especificamente de bebida alcoólica, o texto do Estatuto do Torcedor vai claramente no sentido de proibi-la. E o texto da Lei Geral da Copa claramente visa extinguir essa proibição.
No estudo feito a partir do pedido de vários senadores, Alexandre compara o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor com o artigo 34 da Lei Geral da Copa. No texto que está em vigor, é colocado como uma das condições para entrar nos estádios “não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência”. A redação foi dada no ano passado, quando foi sancionada uma lei de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).
O projeto da Lei Geral da Copa diz apenas que a condição para entrar nos estádios é “não portar objeto que possibilite a prática de atos de violência”. No primeiro caso, ao mencionar bebida que pode incitar a violência, fica claro tratar-se de bebida alcoólica. No segundo caso, ao falar apenas de objeto, a referência clara passa a ser somente o porte de armas.
Na visão do consultor legislativo, a redação é um retrocesso na legislação atual. “A liberação implícita do porte (pela venda, óbvia) de bebidas alcoólicas é um retrocesso claro em relação ao Estatuto do Torcedor, somente podendo se justificar pelo fato de que um dos patrocinadores oficiais vem a ser uma marca de bebidas”, afirmou Guimarães. A marca Budweiser, cerveja americana produzida pela AB-Imbev, é patrocinadora da Copa do Mundo.
Desde o início das discussões na comissão interministerial responsável por elaborar o projeto, a liberação de bebidas alcoólicas se colocou como uma das principais polêmicas do texto. A posição do governo começou a ficar mais clara em julho. Na oportunidade, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, admitiu a possibilidade de liberar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa de 2014.
Em julho, o Congresso em Foco mostrou que o anteprojeto de Lei Geral da Copa já previa afastar alguns direitos e deveres previstos no Estatuto do Torcedor, que contém diversas exigências de segurança para os amantes da bola. Ao site, o membro do Plano Integrado de Ação no Futebol do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Maurício Ribeiro Lopes, lembrou que o caderno de encargos da Fifa diz que os estádios devem prever um espaço para “cervejarias”.
Lei da Copa fala em rever Estatuto do Torcedor
Quando a proposta foi apresentada na Câmara, em 19 de setembro, começaram as críticas. A proposta tira a possibilidade de a Fifa responder por prejuízo causado aos torcedores durante as duas competições previstas para ocorrer em 2013 e 2014. Inicialmente, o projeto mantém em vigor o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor. No entanto, com a redação dada pelo governo, o consultor do Senado entende que a lei está enfraquecida.
Liberação
A venda das cervejas nos estádios é hoje a principal polêmica na comissão especial. “Esse é um ponto quente em debate. Não chegou ao consenso, tem posições de todos os gostos. Desde o detalhamento da comercialização só na Copa até a liberação em geral”, resumiu o relator do projeto, Vicente Cândido (PT-SP). O petista, no entanto, discorda da avaliação feita pelo consultor do Senado. Para ele, a redação feita pelo governo endurece e restringe ainda mais a possibilidade de qualquer objeto, entre eles cervejas, entrar nos estádios.
Dentro da comissão, ele é o principal defensor da liberação das bebidas alcoólicas nos estádios. Torcedor do Corinthians e um dos vice-presidentes da Federação Paulista de Futebol (FPF), Vicente tem procurado fazer a interlocução entre os desejos da Fifa e as orientações do governo. Para isso, conversa regularmente com o secretário-geral da entidade, Jerome Welcke, e com o ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
O relator do projeto é favorável à liberação total da venda de cervejas. Inclusive trabalha para aprovar uma mudança que seja permanente e não valha apenas para a Copa. Para o petista, a venda de bebida alcoólica pode ajudar os clubes a se financiar com a venda da marca dos estádios. “Se você proibir, você inibe que as empresas de bebidas, que são grandes promotores dos eventos esportivos, a comprar a marca de um estádio”, opinou.
Apesar de acreditar que já existe uma maioria dentro da comissão especial favorável à liberação das bebidas alcoólicas, o relator tem que superar a objeção de outros parlamentares, como Jonas Donizete (PSB-SP) e Vanderlei Macris (PSDB-SP). “A porta de entrada para as drogas muitas vezes é a bebida alcoolica. Temos que pensar bem nesta situação para a Copa”, disse Donizete durante a reunião de ontem (29) do colegiado.
Ingressos
Outra polêmica na Lei Geral da Copa era relativa à meia-entrada para idosos e estudantes. A proposta original estabelece que a Fifa é que terá a incumbência de estabelecer o valor dos ingressos. Porém, com a sugestão da entidade em criar uma nova categoria de ingressos, a questão perdeu força dentro da comissão. Ontem, o relator do projeto confirmou que serão colocados à venda aproximadamente 400 mil entradas.
Metade deste número será destinada a idosos e jovens estudantes. A outra para pessoas com deficiência, baixa renda – seguindo os critérios do Bolsa Família –, indígenas e para a campanha do desarmamento. “Se a demanda for maior que a oferta, haverá sorteio, o que eu acho justo”, disse Cândido. A intenção do relator é acrescentar na lei a possibilidade de pessoas que entregarem armas de fogo possam receber em troca bolas, camisas da Copa e até ingressos para jogos da primeira fase.
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