Reportagem – é o aprofundamento de uma notícia ou o mergulho em um fato importante, mesmo que não seja recente, em busca de revelações exclusivas. A reportagem, na acepção aqui utilizada, está no universo do “jornalismo investigativo”, que remete ao esforço para tornar públicos fatos relevantes que autoridades ou pessoas poderosas gostariam de manter ocultos. Uma boa reportagem requer pesquisas intensas, entrevistas com grande diversidade de fontes, reiteradas checagens e cuidado especial na apresentação do conteúdo final, que pode trazer complementos como vídeos, infográficos, mapas e painéis de visualização de dados. Também deve trazer – ou, no mínimo, tentar obter – as explicações de quem pode ter sua imagem arranhada pela sua publicação.
Conhecida por sua preocupação com as causas sociais e, em especial, com as lutas pela igualdade de direitos, a cantora e compositora Leci Brandão diz que a violência é o maior problema para as mulheres e o acesso, principalmente à educação, é a grande dificuldade para negros e índios atingirem essa igualdade.
Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco ela, que foi a primeira mulher a entrar para a ala de compositores da escola de samba Mangueira e chegou a ser cotada para assumir a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) após a saída de Matilde Ribeiro, afirma que a sociedade está mudando. E se mostra otimista.
Como desafios na luta pela igualdade de gêneros, no entanto, ela põe a violência contra a mulher como um grande desafio. Para Leci, a atuação das delegacias de mulheres ainda é tímida e a presença do machismo disfarçado é comum. “Mas eu acho que agora com a Lei Maria da Penha isso vai melhorar”, pondera.
Conselheira da Seppir, Leci reclama que ainda faltam referências positivas para negros e mulheres, seja nas novelas, nas passarelas ou mesmo em brinquedos. “Por exemplo, um novelista pode fazer uma história em que uma mulher lute para chegar no poder e consiga. Porque tem que se escrever a novela com um episódio de vitória. Não adianta só a questão do sofrimento, senão não haverá um final feliz”, diz ela.
“É como, por exemplo, a questão da criança negra, que quase não tem referenciais infantis. Você quase não vê crianças negras em comerciais. Então a criança negra fica, coitadinha, lá embaixo. As fábricas de brinquedo, por exemplo, quase não fazem bonecas negras. Você só vê bonecas loirinhas, magrinhas, de cabelo lisinho. Aí a minha sobrinha não vai querer a boneca negrinha quando você der para ela, porque ela aprendeu a só ver boneca loira”, acrescenta Leci.
Apesar dos obstáculos, a cantora, que completa 30 anos de carreira em 2008, acredita que a sociedade está mudando. “A sociedade brasileira está passando por uma transformação muito grande e quem não representar, literalmente, o que o povo necessita, o povo muda, o povo tira”, diz ela referindo-se à cobrança em relação à atuação dos políticos.
Veja a entrevista:
Qual a maior dificuldade enfrentada pelas mulheres em sua luta pela igualdade de direitos?
A grande dificuldade para a mulher hoje é a violência. O que a gente tem visto aí no jornalismo diário são agressões, estupros, seqüestros-relâmpagos, a violência doméstica. Enfim, são mulheres apanhando dentro de casa. A criação e a atuação das delegacias de mulheres ainda está muito tímida; deveria ter mais. Muitas vezes a mulher tem medo de denunciar, mas aí o vizinho que escuta a mulher gritando denuncia, ou as pessoas ligam para o disque-denúncia. Mas eu acho que agora com a Lei Maria da Penha isso vai melhorar.
E a senhora acredita que a Lei Maria da Penha tem resolvido esse problema?
Ela ainda está muito recente. Mas a gente vai lutar para que essa lei seja cumprida de verdade, para que qualquer homem que bata na sua mulher de forma covarde seja preso. Vá para dentro da cela e vá responder a processo.
E essa lei tende a ser cumprida? Porque, afinal, ainda vivemos em uma sociedade machista.
Exatamente. Mas vai depender muito da participação das mulheres. Acho que as mulheres têm que entender que acabou essa questão do medo. A gente não pode mais ser covarde. Tem que chegar e denunciar na delegacia, na associação de moradores, na passeata, na prefeitura, na câmara de vereadores, na assembléia legislativa, no Congresso Nacional. Então tem que falar, tem que ter atitude.
Qual a maior vitória que as mulheres tiveram durante o governo Lula?
A criação dessa secretaria [Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres] presidida pela ministra Nilcéia Freire. Porque ela tem criado mecanismos para abranger todas as indicações que todas as mulheres do Brasil têm trazido. Então eu estou gostando muito da gestão da ministra Nilcéia.
E o que faltou? O que o governo poderia ter feito e não fez?
Acho que principalmente essa questão da saúde. A saúde da mulher ainda está bem precária. Quando você sai das grandes capitais e vai para o interior do Brasil, vê que ainda falta muita coisa.
Mas, se a questão da saúde pública é um problema geral, porque para as mulheres o problema é maior?
Porque a mulher tem problemas como o câncer de mama, tem o pré-natal, tem o problema da anemia falciforme nas mulheres negras, porque as crianças têm anemia falciforme e nem todo o sistema de saúde sabe tratar disso aí. Também tem a questão do aborto. Então tem muita coisa.
O que a senhora entende como igualdade de direitos quanto a gênero?
Por exemplo, que a mulher tenha o mesmo salário de um homem, porque ela não tem. Que a mulher esteja mais presente no Senado e na Câmara, porque são poucas. As mulheres que são excluídas da sociedade e as que estão na penitenciária também têm que ter direito à visita íntima. Elas teriam que ter direito a ficar com os filhos durante um pouco mais de tempo e não só seis meses, porque o homem não tem que amamentar filho, mas a mulher precisa.
Na época da revolução feminista as mulheres deixaram suas casas para ingressarem no mercado de trabalho. E hoje muitas mulheres têm feito o movimento inverso. Estão deixando o emprego para se dedicar mais aos filhos…
Mas esse é um percentual pequeno, porque a maioria das mulheres hoje está trabalhando.
Mas, ainda assim, algumas mulheres têm optado por deixar o trabalho para cuidar dos filhos, principalmente nos primeiros anos de vida destes. A senhora acha que tinha que haver uma política diferenciada para as mulheres para se corrigir isso? Ou teria que ser uma política geral, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho?
Uma política geral, sim, assim como hoje existe a licença paternidade. Porque a mulher precisa do seu companheiro. Principalmente para estar ali com ela nos primeiros dias após o nascimento de uma criança. Eles têm que tomar uma série de providências. E não é só o fato de lamber a cria não. É um tempo para que você possa dar toda a assistência para o bebê. Agora eu acho que há uma discriminação, por exemplo, porque a mulher tem que dar uma atenção para a sua família, para a sua criança. E eu acho que ela não poderia ser prejudicada, principalmente na questão salarial, por ter que dedicar esse tempo para cuidar do seu filho. Porque nem todo mundo tem condições de pagar por uma babá.
Onde o machismo está se manifestando hoje? Ainda tem muito machismo ou isso está mudando?
Nas empresas. Eu tenho várias amigas que não são do meio artístico e que trabalham em empresas privadas. E, nelas, para a mulher exercer um cargo de comando, para chegar a gerente, a diretora é muito difícil. Claro que hoje já se vê muito mais mulheres executivas e no poder, mas os homens machistas estão sempre dando um jeitinho de se fechar na “panela” deles, machista, e de não dar oportunidade para as mulheres.
E como resolver isso?
Acho que com as lutas. Essas lutas todas aí, essas comissões [criadas no Congresso para defender o direito das mulheres]. Essa discussão que está vindo na imprensa, que está vindo nos programas de televisão. Inclusive eu acho que tinha até que ter mais. Na TV aberta, pelas tardes, ao invés de ficar dando “futrica” e contando fofoca, as pessoas poderiam trazer assuntos mais sérios. Porque televisão todo mundo assiste. Levar para a novela seria uma outra solução importante.
Me dê, por favor, um exemplo prático de como resolver essa questão.
Por exemplo, um novelista pode fazer uma história em que uma mulher lute para chegar no poder e consiga. Porque tem que se escrever a novela com um episódio de vitória. Não adianta só a questão do sofrimento, senão não haverá um final feliz. É como, por exemplo, a questão da criança negra, que quase não tem referenciais infantis. Você quase não vê crianças negras em comerciais. Então a criança negra fica, coitadinha, lá embaixo. As fábricas de brinquedo, por exemplo, quase não fazem bonecas negras. Você só vê bonecas loirinhas, magrinhas, de cabelo lisinho. Aí a minha sobrinha não vai querer a boneca negrinha quando você der para ela, porque ela aprendeu a só ver boneca loira.
Qual tem sido a grande barreira na luta para a igualdade racial?
O acesso. O acesso à inclusão. Porque você não vê, por exemplo, nenhum descendente indígena no poder, não vê no serviço público. Os negros, você já vê, mas falta ainda estrutura, principalmente a questão de acesso à escolaridade. Temos que dar educação para essas pessoas terem direito a cursar uma universidade, a sair com um diploma. Eu quero ver um engenheiro negro, quero ver arquiteto, médico. Eu quero ver… porque eu não vejo.
E nesse caso, as cotas são uma opção?
Eu acho que ajuda bastante.
Mas as cotas, dessa maneira como são feitas hoje, geram polêmica sobre como distinguir quem tem ou não direito às vagas especiais. Há casos, por exemplo, de irmãos gêmeos, cujas condições de educação foram as mesmas, só que um é branco e outro é negro. Como dizer quem deve ser beneficiado com esse sistema?
Mas essa questão da cota de negro – eu tenho falado muito isso e nem sei se o pessoal do movimento gosta – mas acho que a questão é cota para os pobres. Porque pobre você tem negro, tem branco, tem amarelo… tem todas as etnias. Então acho que a questão é cota para pobre. Porque quem é pobre não pode cursar um pré-vestibular.
O grande argumento dos idealizadores do sistema de cotas para negros nas universidades, no entanto, é de que elas ajudariam a formar uma elite negra para que, uma vez que os negros começassem a ocupar posições de poder, se atingisse uma igualdade de forças entre negros e brancos e, assim, se chegasse à igualdade de condições e direitos.
Eu não vejo essa questão da elite. Eu vejo que é mais uma questão de justiça, de direito que a pessoa tem a uma profissão. Sem a palavra elite. Eu não gosto dessa palavra. Eu acho que as pessoas têm que ter oportunidade, para poder exercer a sua profissão, para que ele possa ganhar mais, possa sustentar sua família, conseguir comprar um apartamento, ter o seu carrinho. Por que não?
Então a idéia é atacar o preconceito em várias frentes.
Em todas as frentes. A questão dos comerciais, a partir das agências de publicidade, é muito complicada. Por exemplo, o FashionRio fez aquele desfile de moda esse ano e excluiu todos os modelos negros e negras. E isso foi um horror. Ou será que não tem mulher negra e homem negro bonito? Claro que tem. Mas isso se chama discriminação.
E a senhora acha que essa lei que criminaliza o preconceito racial está funcionando direito?
Agora a própria imprensa tem fiscalizado isso aí. Toda vez que há qualquer tipo de constrangimento envolvendo essa questão da cor da pele todo mundo fala. As pessoas vão para a imprensa e a imprensa procura saber se houve resultado, se teve punição na delegacia. Porque as pessoas fazem registro na delegacia, então está todo mundo fiscalizando.
E a senhora acredita que, com a lei, os casos de discriminação diminuíram?
Pelo menos está todo mundo tomando um pouco mais de cuidado, porque sabe que agora a lei vai funcionar.
A senhora identifica algum problema nessa caminhada pela igualdade de direitos?
Eu não gosto de falar de problemas. Eu gosto de falar das lutas, das ações afirmativas que estão sendo criadas. A secretaria de mulheres tem mostrado na sua atuação, a cada ano, uma evolução fantástica. O governo Lula proporcionou que qualquer pessoa possa ter acesso, vir ao Senado. Acabaram com essa coisa de “eu não posso ir a Brasília”. E agora todo mundo vem. Vem de ônibus, caminha, vem a pé. Então há uma aproximação maior hoje da população brasileira com o governo de uma forma geral. Então as pessoas hoje falam: “Ah, não vai atender a gente? Então vamos colocar carro de som, vamos fazer faixas”. E essas pessoas acabam sendo recebidas. Então a sociedade brasileira está passando por uma transformação muito grande. Quem vir para cá e não representar, literalmente, o que o povo necessita, o povo muda, o povo tira. E isso aconteceu nas eleições mais recentes. A oligarquia, por exemplo, do Nordeste, acabou toda, caiu todo mundo, o povo cansou. As coisas estão mudando, hoje há uma conscientização maior, o povo está pensando mais. Você liga a TV e vê a TV Senado. Por isso que eu pedi ao presidente do Senado que tenha um canal aberto, porque as pessoas têm que ver a TV Senado para ver o que está acontecendo aqui dentro.
Já há um sistema de cotas para que os partidos reservem 30% das vagas para as mulheres, mas nem sempre elas são preenchidas e os partidos alegam que isso é por falta de interesse das próprias mulheres.
Mas não é bem assim, não. O problema é que eles não dão a estrutura que elas precisam para fazer a campanha. Há uma certa má vontade, porque hoje para fazer uma campanha política é preciso ter uma estrutura financeira. Sem estrutura, é difícil você chegar lá. Mas se houver uma punição, assim como hoje é feito em outros países, para o partido que não cumprir isso aí, eles vão correr atrás. Porque quando mexe no bolso todo mundo dá um jeitinho de resolver. É a questão da multa, né. No trânsito, por exemplo, todo mundo tem que andar direito, tem que usar cinto de segurança, não pode falar no celular senão vai ser multado. Porque no Brasil você tem que mexer no dinheiro das pessoas para elas poderem andar na linha.
Muitas vezes a mulher ainda é vista como um objeto, e muitas pessoas dizem que essa visão machista é culpa da própria mulher que usa decotes, que se insinua, que posa nua em revistas. Isso mudou?
Eu acho que a maioria da população feminina não visa a isso. É claro que a mulher quer se arrumar, ela tem que se enfeitar, porque é uma coisa natural nossa de querer estar com uma roupa legal, de querer mostrar sensualidade. Porque é um percentual bem pequeno que quer sair nua na capa e que quer chamar a atenção por isso e que acha que tem que conquistar as coisas por meio da sedução. Isso é uma coisa que está caindo. Hoje a mulher faz concurso, ela vai estudar, ela quer competir de uma forma absolutamente digna. Mas o homem também está mudando. Por exemplo, meu pai jamais usaria uma camisa vermelha. Jamais usaria uma camisa cor-de-rosa, cor-de-abóbora. E isso acabou. Hoje os caras estão andando de bermuda florida. Hoje o homem usa brinco. A camiseta em casa às vezes você não sabe de quem é, se da filha ou do filho. De quem é a argola pequena, se é do rapaz ou se é da moça. Então isso mudou. Esses preconceitos estão sendo paulatinamente retirados do comportamento da sociedade. Agora, infelizmente, ainda há homens que têm uma máscara de serem bonzinhos. São bonitos, são bonzinhos, mas, entre quatro paredes, eles são agressores. E isso independe até da classe social. Porque tem homem rico, tem artista que mete a pancada mesmo. É só contrariá-lo que ele mostra o outro lado dele. E isso é muito ruim. Por isso eu acho que essa questão da Lei Maria da Penha é muito importante.
A senhora acha então que a gente está caminhando mais para uma igualdade de direitos ou para o aumento de um preconceito camuflado?
Não, eu prefiro dizer que nós estamos caminhando para uma igualdade de direitos. Inclusive com a criação da subcomissão [dos direitos da mulher, criada no Senado] nos vamos ter grandes avanços. Eu sou esperançosa, eu sou otimista à beça.
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