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Trata-se do Projeto de Lei da Câmara 78/2015, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), uma cópia exata de outra proposição cujo trâmite se arrasta há dois anos no Senado, o Projeto de Lei 468/2013 – este, de autoria do próprio Jucá. Ambos têm quase que literalmente a mesma ementa: em resumo, as matérias autorizam advogados a acompanhar e examinar, in loco e em qualquer instituição competente, “autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento”.
Os projetos também garantem que advogados, mesmo sem procuração formal, copiem peças investigatórias e façam apontamentos sobre elas, em meio físico ou digital. Ou seja: permite-se aos operadores do Direito até mesmo registros fotográficos por meio de aparelhos capazes de transmiti-los via internet ou aplicativos de mensagem instantânea, como Whatsapp. Em outras palavras, estaria aberto o caminho para o repasse de informações sigilosas com um simples celular conectado à rede. E, se o responsável por determinada investigação tentar impedir esse livre exame, fica sujeito às sanções previstas para o crime de abuso de autoridade.
Ambos os textos alteram o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Lei nº 8.906/1994. A questão é que, no Senado, por uma série de fatores, como a resistência de alguns senadores, a matéria assinada por Jucá (PL 468) está emperrada na CCJ desde 2013. Na mais recente movimentação do projeto, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) recebeu de volta, “para reexame”, o próprio relatório apresentado para votação no colegiado em 27 de maio. Ciro recomendou aprovação, na forma de um texto substitutivo, mas a matéria saiu da pauta de deliberações com a devolução para seu gabinete.
Diante da situação, o caminho dessa discussão foi encurtado por Jucá. O texto “gêmeo”, subscrito por Arnaldo Faria de Sá, foi aprovado em 14 de julho na Câmara, onde tramitou em caráter conclusivo (sem necessidade de votação em plenário, salvo recurso em contrário). Encaminhado ao Senado três dias depois, atravessou o período de recesso parlamentar (17 de julho a 1º de agosto), cumpriu os devidos trâmites burocráticos e, no último dia 18, caiu no colo de Jucá, por designação do presidente da CCJ, senador José Maranhão (PMDB-PB).
Como relator, Jucá pode acelerar a elaboração do relatório e deixa-lo pronto para votação já nesta semana, caso queira. Caberia a Maranhão, como presidente da CCJ, estabelecer a data de inclusão da matéria na pauta, a depender do nível de entendimento entre os correligionários peemedebistas.
Confira a similaridade entre as ementas de cada projeto:
PLC 78/2015 (mais adiantado, sob relatoria de Romero Jucá) – “Altera a Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, para dispor sobre os direitos dos advogados; estabelece como direito do advogado examinar em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital, podendo a autoridade competente delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova, no caso especificado.”
PLS 468/2013 (travado na CCJ do Senado, sob relatoria de Ciro Nogueira) – “Altera a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) para dispor que é direito do Advogado examinar em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos que seja física ou digitalmente, sob pena de incorrer abuso de autoridade, inclusive pelo fornecimento incompleto e ou retirada de peças já incluídas no caderno investigativo. Sendo que nos casos sigilosos, será necessária a apresentação de procuração.”
Drible regimental
A regra no Senado é que o autor de determinada proposição jamais seja seu relator, seja em comissões temáticas ou em plenário. Tecnicamente, não é esse o caso do projeto sob relatoria de Jucá na CCJ, uma vez que este teve origem na Câmara, embora com conteúdo idêntico ao que que foi apresentado pelo senador de Roraima em 2013.
A proibição para que autores sejam relatores do próprio projeto está no artigo 126, parágrafo 1º, do capítulo X (“Dos relatores”) do Regimento Interno do Senado. “Não poderá funcionar como relator o autor da proposição”, sintetiza o dispositivo regimental. À luz da normatização legislativa, o que acontece nesse caso é uma espécie de drible nessa restrição – não se trata da mesma proposição, uma vez que o número e a origem de ambas são diferentes, mas exatamente do mesmo conteúdo; logo, pode-se dizer que se trata, sim, do mesmo projeto, cuja tramitação fica assegurada com a devida estratégia regimental.
Assim, Jucá não incorre em qualquer violação formal, e poderá relatar sem óbices o projeto de autoria de Arnaldo Faria de Sá, com teor idêntico àquele que o senador do PMDB colocou para andar em 2013. Nesse caso, muda-se a autoria e a Casa de origem, mas mantém-se a paternidade e o teor da proposta – que, a não ser que Jucá mude seu entendimento, terá relatório pela aprovação.
Alto clero
Jucá não terá problemas em viabilizar a aprovação do projeto, que apenas guarda em si uma certa controvérsia a respeito das atribuições e limites funcionais de operadores do Direito. Com margem a provocar disputas corporativas, o projeto não tem relação direta com o uso de dinheiro público, por exemplo, ao contrário das proposições orçamentárias com as quais Jucá está acostumado – foi ele que, na condição de relator-geral do Orçamento 2015, por exemplo, propiciou a triplicação dos valores do fundo partidário para este ano.
No Senado desde 1995, Jucá se tornou experiente o suficiente para dominar os atalhos legislativos e, com as peças certas, movimentar o tabuleiro da vasta pauta de votações do Congresso. É o tipo de político que, a despeito das complicações na Justiça – é um dos investigados na Operação Lava Jato, entre outros enredos judiciais –, consegue emplacar seguidas aprovações em comissões ou em plenário, seja em votações do Senado ou do Congresso. Enquanto muitos parlamentares sem tanta estrada se queixam justamente de que não conseguem sequer fazer avançar a tramitação de suas propostas, Jucá coleciona leis e regulamentações.
Em sua mais recente empreitada, Jucá relatou o conjunto de proposições que promoveram uma minirreforma política no Senado, condensadas no Projeto de Lei da Câmara 75/2015. Encabeçando a Comissão Especial da Reforma Política, instalada em junho, o peemedebista precisou de menos de três meses para ver a redação final do texto ser aprovada sem grandes dificuldades e seguir para a apreciação dos deputados. Com o regimento debaixo do braço e de tanto relatar matérias, o senador já é chamado por jornalistas que cobrem o Congresso de “relator do Universo”. Trata-se de nova alcunha para o “líder de todos os governos”, como vez ou outra é chamado pelos pares.