Ricardo Ramos
Não virá apenas dos oposicionistas a resistência à aprovação do Orçamento da União antes do início do recesso parlamentar, que começa na próxima sexta-feira. Se o governo não recuar da intenção de remanejar pelo menos R$ 2,3 bilhões em recursos da saúde para gastos com o programa Bolsa-Família, a bancada do jaleco vai convocar os seus 220 representantes na Câmara para obstruir a votação da proposta orçamentária em plenário.
“O governo não tem cumprido a lei ao mexer nesses recursos”, critica o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Saúde na Câmara. “Se eles não mexerem nisso, vamos dificultar e, se necessário, obstruir a votação”, avisa Guerra.
Os R$ 2,3 bilhões foram transferidos da fatia prevista para o Ministério da Saúde para o Fundo de Combate à Pobreza, do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS). “O Lula quer empenhar e gastar 27% do orçamento do Bolsa-Família (ligado ao MDS) com os recursos do SUS”, denuncia o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). “O interesse eleitoreiro é verdadeiro”, dispara Perondi, ao dizer que o governo tem optado em dar alimentação aos famintos a dar remédio aos doentes.
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Repetição prática
A birra da bancada contra a prática do governo de mexer nos recursos da saúde vem desde março. Há nove meses o Executivo enviou, pela primeira vez, um projeto de lei que remanejava recursos da pasta da Saúde para o do Desenvolvimento Social. O texto não foi aprovado.
No dia 30 de setembro, o governo voltou à carga ao editar a Medida Provisória 261/2005. A MP jogou R$ 1,2 bilhão da Saúde no Bolsa-Família. Só que, segundo a bancada, o governo gastou todo o dinheiro enquanto a matéria ainda tramitava no Congresso. No dia 22 de novembro, a medida foi aprovada na Câmara, contudo, com a exclusão do repasse dos recursos para o programa de transferência de renda.
“Agora, o governo vai ter que devolver esse dinheiro”, afirma o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG). “Se o Executivo não cumprir, vamos ao Tribunal de Contas da União, ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República”, ameaça o tucano, ao ressaltar que a repetição da prática do governo de mudar a destinação de verbas é mais um motivo para a obstrução da bancada da saúde à votação do orçamento.
A previsão inicial do orçamento do Ministério da Saúde era de R$ 43,6 bilhões, o segundo maior da Esplanada dos Ministérios. Mas a bancada do jaleco afirma que é preciso, no mínimo, mais R$ 4 bilhões para atender as demandas do setor, especialmente dos secretários estaduais de Saúde.
Três áreas são as mais deficitárias: média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar (R$ 3,4 bilhões), atenção primária à saúde (R$ 608 milhões) e aquisição de medicamentos excepcionais (R$ 710 milhões).
Se o orçamento não for revisto, poderá, por exemplo, faltar recursos para comprar medicamentos excepcionais nos três últimos meses de 2006.
Procurado ontem desde a manhã, o relator-geral do Orçamento, deputado Carlito Merss (PT-SC), não retornou as ligações do Congresso em Foco.
Briga de prioridades
Além da dificuldade em fechar as contas na área da saúde, a base aliada ainda mede forças com a oposição para votar os principais pontos do orçamento. O governo tem três prioridades: elevar o salário mínimo, corrigir a tabela do imposto de renda e implementar o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). A oposição, por outro lado, reivindica outros dois itens: o aumento em um ponto percentual do Fundo de Participação de Municípios (FPM) e a ampliação do tamanho da compensação dos estados atingidos pela Lei Kandir, que desonera as exportações.
Na semana passada, o relator-geral deu o sinal do lado para o qual a balança vai pender. Carlito Merss reestimou o aumento do mínimo para R$ 340 – a proposta inicial previa uma elevação para R$ 321. Isso só foi possível porque os técnicos da Comissão Mista de Orçamento (CMO) elevaram em R$ 10 bilhões a previsão de arrecadação do governo federal para 2006.
Cada lado luta com suas armas. Para abafar a crise política, dispensar a necessidade de uma convocação durante o recesso parlamentar e atrair votos favoráveis ao projeto, especialmente os do PMDB, o governo decidiu empenhar praticamente todas as emendas parlamentares de deputados e senadores.
A oposição aposta na desarticulação da base aliada para derrubar a peça orçamentária. “O Orçamento não é um problema só da Câmara, é do Congresso e precisa ser debatido em todas as instâncias partidárias. Nós não estamos falando em obstrução e sim no governo se articular e fazer votar”, afirmou o líder da minoria da Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA).
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