O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza – autor da denúncia do mensalão – e o Supremo Tribunal Federal (STF), recebem nesta semana, pedido para abertura de investigação de 63 deputados e um senador, citados na quebra de sigilo telefônico que deflagrou a Operação Sanguessuga da Polícia Federal. O pedido foi encaminhado pelo juiz da 2ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, Jefferson Schneider.
O requerimento com a relação de parlamentares foi enviado em segredo de Justiça por Schneider no último dia 29 de abril, segundo informa reportagem de Jailton de Carvalho, Maria Lima e Anselmo Carvalho Pinto, publicada hoje em O Globo. Os nomes dos parlamentares foram citados pelos assessores, mas a polícia ressalva que não há provas de envolvimento de todos no esquema.
Lideranças envolvidas
Da lista, além do senador Ney Suassuna (PB), líder do PMDB no Senado, aparecem outros líderes, como Rodrigo Maia (RJ), líder do PFL na Câmara, e o candidato do PSDB ao governo do Rio, deputado Eduardo Paes. Segundo a Polícia Federal, foi feita uma pesquisa no resultado da quebra de sigilo de assessores e empresários investigados. As menções a deputados foram separadas para serem remetidas ao STF, que precisa autorizar a abertura de investigação contra eles, em razão do foro privilegiado.
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"Importante consignar que, até a presente data, não foi possível definir se os deputados federais, autores das emendas respectivas, estariam destinando tais recursos com interesses ilegítimos, ou seja, interagindo com a organização criminosa", diz relatório da PF enviado à Justiça.
Vítimas dos assessores
A Polícia Federal não descarta a hipótese de que alguns dos parlamentares citados podem ter sido vítimas dos próprios assessores. Servidores teriam cedido a senha do sistema da Câmara à quadrilha.
O texto do relatório da PF diz que "a apresentação de emendas, com o objetivo de dotar recursos em proveito dos estados de origem, é apenas uma das atividades inerentes às funções do parlamentar. É possível que funcionários da Câmara e do Senado estejam fazendo uso indevido do nome de determinados parlamentares, em proveito próprio, como restará evidenciado adiante".
Na semana passada, quando ainda não havia concluído os inquéritos, o delegado Tardelli Boaventura, diretor-geral da PF no Mato Grosso, recebeu uma intimação da Justiça Federal para elaborar, em 48 horas, um relatório enumerando todos os parlamentares citados nas interceptações telefônicas.
"Determinei que o Núcleo de Inteligência fizesse uma busca no sistema. E todos os deputados que tiveram o nome citado foram incluídos na lista, sem fazer qualquer juízo de valor, sem qualquer cruzamento de dados. E enviamos para o juiz", revelou o delegado.
Negativas
O líder do PFL, Rodrigo Maia, confirmou que apresentou emenda para compra de ambulância em 2004 para o município de Macucu, mas nega qualquer ligação com a quadrilha investigada pela PF. Maia afirmou que não conhece nenhum dos presos e que seu nome apareceria apenas porque foi citado numa conversa entre dois dos investigados.
"Não tenho problema em deixar tudo claro. Não conheço as pessoas citadas. Mas aqueles que participaram têm que ser investigados e punidos", defendeu.
A deputada Juíza Denise Frossard (PPS-RJ) negou que tenha relação com as irregularidades e disse que apenas apresentou emendas na área de saúde a pedido de prefeitos. Nenhuma para ambulâncias.
"O Executivo é dono do Orçamento. Não entra mais nenhum trabalho do Legislativo aí, depois que as emendas são indicadas. Eu não acompanho porque não é da minha função", explicou Frossard.
As providências de Aldo e Renan
O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), afirmou na sexta-feira que as denúncias da PF contra deputados e assessores parlamentares são muito graves e que a Casa vai tomar providências rigorosas para punir os responsáveis.
"Quando funcionários da Casa e até parlamentares são envolvidos nesse tipo de denúncia, é evidente que a Câmara tem que adotar uma providência rigorosa tanto em relação aos funcionários quanto em relação aos parlamentares envolvidos nas ilicitudes. E é isso que pretendo anunciar no início da semana que vem, depois de examinar o processo no fim de semana", afirmou.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que vai esperar a conclusão das investigações para tomar as providências cabíveis. Entre as prisões efetuadas, estão dois assessores do líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB). Eles foram demitidos pelo senador.
"É necessário que haja o esclarecimento definitivo por essas autoridades para que, como conseqüência disso, nós possamos tomar as providências que a sociedade cobra", disse Renan.
Ele defendeu mudanças no processo de tramitação da proposta orçamentária no Congresso Nacional. Segundo ele, o atual modelo, concentrado numa comissão mista, está esgotado.
"No mundo todo se faz orçamento de forma diferente, envolve-se as comissões permanentes desde o início do processo orçamentário", observou.
Delação premiada
O repórter Anselmo Carvalho Pinto, de Cuiabá (MT), informa que a Polícia Federal e o Ministério Público vão oferecer o benefício da delação premiada aos 12 assessores parlamentares presos durante a operação.
"Há condição de a Polícia Federal oferecer, junto com o Ministério Público, um acordo para reduzir penas de acusados", disse o delegado Boaventura.
Todos os presos na operação devem ser levados para Cuiabá, onde o delegado irá confrontar depoimentos e fazer acareações. A prisão temporária decretada pela Justiça pode durar até cinco dias, prorrogáveis por mais cinco.
Sanguessugas do dinheiro público
A Operação Sanguessuga foi deflagrada na última quinta-feira (4), com a prisão de 46 pessoas, entre ex-deputados, funcionários da Câmara e do Ministério da Saúde. Na sexta-feira, a polícia ainda tinha mais oito mandados de prisão para cumprir.
A operação desmantelou uma quadrilha que comprava ambulâncias ilegalmente. Essa quadrilha, segundo a PF, era chefiada pela família Trevisan Vedion, proprietária de uma empresa de montagem de ambulâncias – a Planam -, e tinha pessoas infiltradas no Congresso, no Ministério da Saúde e em outros órgãos. Estima-se que a quadrilha tenha movimentado mais de R$ 110 milhões.
Os ex-deputados Carlos "Bispo" Rodrigues (sem partido-RJ) – expulso do PL após a prisão – e Ronivon Santiago (PP-AC) foram detidos na operação. Eles são acusados de receber propina para facilitar a ação da quadrilha no Congresso.
Ambulâncias 110% mais caras
A quadrilha contatava prefeitos interessados na compra de ambulâncias sem depender dos trâmites legais. A partir daí, os chefes do esquema acionavam assessores parlamentares, que preparavam emendas ao Orçamento da União, posteriormente apresentadas pelos congressistas. Essas emendas solicitavam convênio com a Planam e verba para o fornecimento de ambulâncias.
Após a aprovação da proposta em Plenário, cabia a Maria da Penha Lino, assessora do Ministério da Saúde, viabilizar a liberação da verba, segundo a denúncia. As ambulâncias eram entregues até 110% acima do preço normal de mercado e sem os equipamentos necessários para o atendimento de emergência. Ao todo, foram vendidos mil veículos no esquema desde 2001.
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