A eleição para presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados de um elemento considerado racista, homofóbico e explorador financeiro da superstição popular parece brincadeira de péssimo gosto e qualquer um que relate este fato fora do Brasil corre o risco de ser chamado de delirante. Analistas e celebridades da mídia chamaram o pastor de “monstro”, e vários parlamentares e outros dignitários expressaram seu repúdio. Até um grande grupo de entidades evangélicas se pronunciou contra sua nomeação, acatando aquele ditado tradicional que aconselha “perder os anéis para salvar os dedos”.
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É óbvio que ele deveria ser imediatamente destituído, mas, evitando qualquer maniqueísmo, é necessário analisar a causa de que esta aberração tenha acontecido. A causa principal é bem conhecida e existe há séculos: grande parte das instituições está totalmente desfocada em relação aos direitos humanos, com a ética social, e até com um sentido básico de civilização. Mais ainda, essas instituições antagonizam e combatem os direitos humanos.
Em primeiro lugar, o pastor não é o único “monstro” a receber o voto popular. Mais grave é o caso de um congressista psicopata que representa durante numerosos mandatos os piores resíduos da ditadura militar, e os lobbies de torturadores, genocidas e proprietários de escravos (!) que perfazem uma expressiva proporção do parlamento. Moralmente, o dano que se pode fazer desde a CDHM é imenso, mas não maior que o que fazem diariamente os membros do Congresso que apoiam o extermínio de favelados, as políticas de faxina étnica e social nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a destruição do ecossistema e a perpetuação de impunidade dos crimes de lesa humanidade.
Salvo em alguns poucos casos, os políticos, magistrados e outros dignitários manifestam desprezo e fazem chacota com os direitos humanos. O Judiciário, por exemplo, libera os autores de chacinas (Carandiru, Carajás, e centenas de outras), ludibria os tribunais internacionais e até atua como mandante das atrocidades, como em Pinheirinho.
Aliás, o caráter secular que se atribui ao Brasil é puramente formal, para não dizer mítico. Quase todas as propostas progressistas repudiadas pelas gangues teocráticas acabam sendo rejeitadas ou, se isso não for possível, enfraquecidas (casamento gay, cotas étnicas, aborto, etc.).
Um princípio básico da civilização moderna que começa nos séculos 17 e 18 é que os direitos humanos não podem ser definidos por nenhuma crença ou dogma filosófico alheio as necessidades concretas da espécie humana.
Mais grave ainda é a truculência militar, policial e carcerária, só comparável a que se pratica em ditaduras orientais geralmente defendidas pelo Brasil nos fóruns internacionais (China, Irã, Sudão, etc.)
Este desfoque em relação aos direitos humanos não se aplica apenas à direita bem definida, mas também a grupos que se autopercebem como “esquerda”, como o prova o caso da blogueira cubana.
Finalmente, há um fato elementar que parece não ter sido considerado: será que as coisas vão melhorar se o pastor for demitido, mas for substituído por algum dos 11 deputados que votaram em seu favor? Não tenho a resposta. Apenas coloco a dúvida.
O problema que está na base do racismo, da homofobia e de muitos outros é o caráter escravocrata e patrimonial das instituições e seu determinismo auto-reprodutivo. O Brasil, junto com alguns outros países da América Latina, está nas condições em que estava a Europa no século 18, e o melhor que pode ser feito é trabalhar pela educação e esclarecimento da população, embora saibamos que as elites e seus serviçais se empenharão em que esta iniciativa fracasse.
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