O relator da CPI do Sistema Carcerário, deputado Domigos Dutra (PT-MA), está sendo pressionado pela bancada mineira da Câmara. Dutra diz que sofre pressões dos deputados aliados do governador Aécio Neves (PSDB) para amenizar seu relatório sobre os problemas do setor encontrados no estado. Ainda no início dos trabalhos da comissão, que começou a funcionar em agosto de 2007, houve até restrições à entrada da imprensa nos presídios de Minas durante as visitas dos integrantes da CPI.
“Pode ser que no relatório final haja pressão. Eu pressuponho que vá haver. Como a bancada de Minas só comparece à CPI quando tem assunto deles, com certeza, haverá pressão, sim”, disse Dutra ao Congresso em Foco.
A CPI foi quatro vezes a Minas Gerais – uma delas de forma não-oficial. Lá, 33 presos morreram queimados em dois presídios em menos de quatro meses. No segundo semestre do ano passado, época dos crimes, o presidente da comissão, Neucimar Fraga (PR-ES), alertou para a possibilidade de omissão das autoridades locais. Num dos presídios, em Ponte Nova, um carcereiro facilitou a entrada de uma arma usada para intimidar os presos até que as celas fossem incendiadas.
Dutra ressalta os outros problemas das carceragens mineiras. “É onde existe mais superlotação. Havia locais com 70 presos onde só cabiam 12”, ressalta Dutra. Em Minas, há 14 mil vagas e 21 mil detentos, segundo o Departamento Penitenciário (Depen), do Ministério da Justiça. Apesar do alerta de Dutra, a superlotação no Rio Grande de Sul é maior que em Minas. As 14 mil vagas do sistema penitenciário gaúcho atendem apenas a 54% das necessidades do estado, segundo o Depen. No Paraná, o atendimento é de 56%. Em Minas, as 14 mil vagas atendem a 67%.
Para tentar despolitizar seu trabalho, o relator afirma que os problemas se alastram pelo país. No Maranhão, terra do relator, há presos com penas vencidas, que já poderiam estar soltos. No Piauí, foi detectada tortura. No Mato Grosso do Sul, porcos dormiam junto com os detentos. No Ceará, a comida era servida em sacos. Em Rondônia, salitre era adicionado às refeições para reduzir o apetite sexual dos encarcerados.
Segundo Dutra, a CPI deve encerrar os trabalhos em 6 de junho. Ainda precisam ser vistoriados presídios de cinco estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. A previsão da CPI era visitar 22 estados. Mas Dutra defende que todas as unidades da federação recebam a comissão. “Fica ruim falar de uns e deixar outros.”
“Pegar no pé”
O deputado Paulo Abi-ackel (PSDB-MG), vice presidente do partido em Minas, participou de acalorada discussão (leia as
notas taquigráficas da sessão) com Dutra no início dos trabalhos, acusando-o de partidarizar a CPI com um relatório parcial sobre a situação encontrada no estado. Mas ele nega que a intenção da bancada seja proteger o governo Aécio Neves. A discussão ocorreu na sessão da CPI em 6 de setembro de 2007.
O deputado entende que o relatório final da comissão não pode se limitar a fazer diagnóstico dos problemas, atribuindo a responsabilidade para os governos estaduais. Segundo Abi-ackel, é importante propor soluções para contornar a situação, de preferência cobrando do governo federal mais dinheiro para a construção de presídios. Isso, pelo menos, amenizaria a superlotação, de acordo com o tucano.
“O relator vai fazer um relatório para pegar no pé dos governadores? Tem que pegar no pé do governo federal também. Só tem um presídio federal”, reclama o vice-presidente do PSDB em Minas.
Para o deputado, há dinheiro de sobra no caixa do Tesouro. Como exemplo, ele cita os investimentos federais feitos para a realização dos Jogos Pan-americanos, e os recursos previstos para a Copa de 2014 e a recém-criada TV Brasil. Além de mais dinheiro para construir cadeias, Abi-Ackel defende mudanças nas Varas de Execuções Criminais para que não deixem detidos quem já cumpriu sua pena. Para ele, o relatório da CPI só será positivo se propuser meios de os presos se recuperarem e retornarem ao convívio da sociedade.
Apesar de reconhecer a pressão mineira, que houve ao menos no início dos trabalhos, o presidente da CPI, Neucimar Fraga, não acredita que a bancada de Minas vá insistir na tática, para que o relatório sobre o estado seja minimizado. “Nosso sistema carcerário está falido em geral, não só em Minas e no Rio Grande do Sul”, destaca o deputado. “Eles até podem fazer [pressão], mas vai ser o único soldado no passo certo. Se estiver tudo ok só lá, todo mundo vai começar a prestar atenção em Minas.”
Imprensa
O relator da CPI, Domingos Dutra, cita a restrição à entrada da imprensa nos presídios como uma das formas usadas pela bancada mineira de proteger o estado. Segundo o relator, alguns parlamentares chegaram a telefonar para a TV Globo, reclamando da presença de repórteres durante uma diligência da CPI.
Dutra afirma que, durante uma audiência pública da comissão na Assembléia Legislativa de Minas, o canal de TV da Casa ignorou os trabalhos do colegiado. “Protestei contra isso e depois eles ligaram”, reclama Dutra. Abi-Ackel diz que tudo foi transmitido sem nenhuma censura.
Vice-presidente do PSDB em Minas, o deputado classsifica como “inconveniente” a presença de jornalistas em presídios. “Contra isso, nós reagimos. Ele [Dutra] queria levar televisão para filmar presos. Se você quiser transformar um preso num herói, é só botar uma câmara nele. Ele começa a falar e isso é uma coisa extremamente delicada”, justifica. “Estamos do lado do relator para que ele faça um bom trabalho”, diz o tucano, ao negar qualquer pressão sobre o relator da CPI.
O coordenador da bancada de Minas na Câmara, Nárcio Rodrigues (PSDB), disse que não poderia comentar o assunto porque tinha outros compromissos de agenda. O deputado Alexandre Silveira (PPS-MG), que também participou da discussão sobre a partidarização da CPI, estava em viagem, de acordo com sua assessoria, e, por isso, não poderia ser localizado.
Atendimento
A assessoria de comunicação do governo de Minas informou que, em todas as três visitas oficiais da CPI ao estado, o Executivo local atendeu a todos os pedidos dos deputados. Os auxiliares de Aécio negaram qualquer tipo de pressão sobre a comissão ou orientação para que sua bancada mantivesse uma vigilância especial sobre o andamento dos trabalhos.
A assessoria do governo de Minas afirmou que não houve restrição de acesso aos presídios por parte da imprensa. Segundo o governo mineiro, foi a CPI que só autorizou a entrada de duas emissoras de TV estatais. Mas, continua a assessoria, como a TV Globo conseguiu entrar também, os outros veículos de comunicação reclamaram do suposto acesso privilegiado às cadeias.
“O governo de Minas questiona é se todos os estados que têm problemas do mesmo porte de Minas já receberam a visita da CPI”, comentou a assessoria, ao citar as três diligências no estado.
Deixe um comentário