Diego Moraes
Combinada com o discurso revanchista da oposição após a perda da presidência da Câmara e as divergências internas da base governista, a resistência das entidades de classe à medida provisória (MP) que unifica as Receitas Federal e da Previdência começa a ganhar corpo em Brasília e pode conduzir o governo Lula à sua primeira derrota na gestão Aldo Rebelo (PCdoB-SP). A mudança tem gerado protestos em todo o país, inclusive com a paralisação de servidores da Receita e da Previdência.
A MP 258/05 é apenas o quarto dos cinco itens que trancam a pauta da Câmara. É, porém, de longe a mais polêmica das propostas em discussão no plenário. Ontem mesmo, em São Paulo, 30 entidades – entre elas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – manifestaram, por meio de nota pública, o seu repúdio à proposição.
Após o vendaval político provocado pela disputa do comando da Câmara, apenas hoje os líderes partidários começam a discutir o que fazer da medida provisória que há um mês aguarda a votação dos deputados. “Pode ser a primeira derrota política de Aldo Rebelo na presidência”, alerta o vice-líder do PFL Onyx Lorenzoni (RS).
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Integrante da CPI dos Correios, o pefelista afirma que, se a base aliada se recusar a votar a quebra de sigilo dos fundos de pensão, a MP pode passar mais duas semanas na Câmara. “Se não conseguirmos as convocações necessárias nas CPIs, podemos obstruir as votações”, garantiu o parlamentar. Isso porque, com o feriado da quarta-feira (12), é provável que o Congresso se recolha a cinco dias de recesso branco na próxima semana.
A polêmica maior gira em torno da unificação dos caixas do órgão arrecadador de tributos previdenciários (Receita Previdenciária) com o da receita responsável por recolher todos os outros tributos da União (Receita Federal). As entidades de classe alegam que os recursos da Previdência Social são um bem do trabalhador e, por isso, precisam de um órgão específico de arrecadação. Misturar todas as verbas no mesmo cofre, argumentam, pode gerar desvios.
Superávit com dinheiro do INSS
Embora não deixe isso claro no texto da MP, com ela o governo abre a possibilidade de vir a usar recursos da Previdência Social ou do INSS para outros fins como, por exemplo, o pagamento de juros da dívida externa. Pela Constituição, os recursos da Seguridade Social e da Previdência só podem custear benefícios de segurados.
O presidente da Força Sindical, Paulinho Pereira da Silva, acredita que a unificação das duas Receitas dá margem para que o governo misture verbas de segurados com recursos da União. “Esse dinheiro é um patrimônio do trabalhador e nós não podemos admitir que o governo passe a tomar conta desse dinheiro. Com a desvinculação dos recursos da União, ele tem liberdade para manipular 20% da receita. Isso pode dilapidar o patrimônio da Previdência e destruí-la ainda mais”, alerta.
O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, desconversa sobre o assunto e apela para a eficiência do novo órgão para convencer os deputados a apoiarem as mudanças que, segundo ele, vêm na hora certa e vão beneficiar principalmente as empresas. “É uma boa idéia para simplificar a vida das empresas”, afirma o secretário. “A Receita tem um sistema de trabalho que tem se mostrado muito eficiente.”
Riscos para o contribuinte
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, reforçou ontem, durante ato contra a MP 258/05 na capital paulista, que a medida deixa brechas jurídicas que permitem o não-pagamento de impostos. Ele criticou também a criação do caixa único. “Há uma grande confusão em relação às verbas e ao patrimônio da Previdência, que poderá migrar para um caixa único e amanhã trazer riscos ao dinheiro do trabalhador”, afirma.
Secretário da Receita Federal do ex-presidente Itamar Franco, o tributarista Osíris Lopes Filho engrossa o coro dos que consideram equivocada a criação da Super-Receita. Osíris acredita que a mudança vai prejudicar ainda mais a qualidade do sistema tributário. “O INSS era um órgão específico para arrecadar recursos previdenciários. Agora, unifica tudo. Eu acho que perde a ênfase na arrecadação e na aplicação dos recursos”, analisa.
A dificuldade em fazer a proposta avançar é admitida até por um colega de partido de Aldo. Conhecido como um dos mais ferrenhos defensores do Planalto, Jamil Murad (PCdoB-SP) acredita que as negociações serão arrastadas e o resultado, incerto. “Vai precisar de um esforço especial do Aldo”, prevê. O comunista também não descarta a possibilidade de a MP se transformar no primeiro fracasso do governo na era pós-Severino Cavalcanti. “O Aldo é um articulador reconhecido. Mas será difícil (fazer a medida passar)”, ressaltou.
Rigor contra fraude
O governo alega também que, com a mudança, será possível combater fraudes no sistema tributário e, por tabela, coibir a sonegação de impostos, especialmente no âmbito da contribuição previdenciária. Ao englobar a arrecadação previdenciária e do fisco, a Super-Receita pode apressar a cobrança de dívidas e reduzir o déficit da Previdência, cuja projeção para 2006 está na casa dos R$ 39 bilhões, segundo estimativas do Ministério do Planejamento.
MP, não!
Mas o problema do Planalto para emplacar a MP 258/05 no Congresso está menos no teor do que na forma em que foi apresentada a medida. Tanto parlamentares quanto entidades de classe manifestam simpatia à idéia de simplificar o trabalho dos órgãos de arrecadação. Além de divergências pontuais, o que ameaça a aprovação do texto é mesmo a insistência do governo em tratar de temas complexos por medida provisória, em vez de recorrer ao tradicional projeto de lei, cuja discussão costuma ser mais aprofundada.
O presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal (Sindireceita), Paulo Antenor Oliveira, ressalta que a categoria é favorável à fusão dos dois órgãos. Exige, no entanto, que a proposta seja analisada com mais clareza e discussão pelos parlamentares, na forma de projeto de lei. “O problema é que não houve debate, mas é uma mudança que vai mexer nas carreiras e também no bolso do contribuinte e, inclusive, dos aposentados”, reclama.
Apesar dos protestos, o Planalto quer a aprovação da MP o quanto antes. Chegou a admitir inclusive retirar as outras quatro medidas provisórias que trancam a pauta da Casa, caso os parlamentares aceitem votar a proposta até o fim desta semana. Mas a “boa intenção” do governo ainda não convenceu a oposição nem mesmo os aliados. Os líderes do PFL, Rodrigo Maia (RJ), e do PSDB, Alberto Goldman (PSDB-SP), ainda não trataram do assunto com suas bancadas. Os petistas Dra. Clair (PR) e Tarcísio Zimmermann (RS) lideram uma frente suprapartidária contrária à proposta.
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