Ricardo Ramos
Ameaçados de perder o direito a cargos de liderança, assentos nas comissões, tempo de propaganda no rádio e na TV e acesso aos recursos do Fundo Partidário, os pequenos partidos se mobilizam para ir à Justiça, caso o Congresso não aprove a redução do percentual da chamada cláusula de barreira. Prevista para valer já nas eleições de outubro, a regra restringe o direito a esses benefícios aos partidos que obtiverem, no mínimo, 5% dos votos válidos para a Câmara. E essa não é a única: 2% desses votos têm de ser alcançados em, pelo menos, nove estados.
Apesar da pressão dos partidos com menor bancada, a proposta não foi sequer incluída na pauta da convocação extraordinária do Congresso. O abrandamento da cláusula de barreira é defendido abertamente pelas lideranças do PPS, do PCdoB, do PV e do PTB, partidos que, em 2002, não atingiram o percentual previsto em lei. Outras quatro legendas estão seriamente ameaçadas pela regra: o PL e o PMR, do vice-presidente José Alencar, o Psol, da senadora Heloísa Helena (AL), e o Prona, do deputado Dr. Enéas Carneiro (SP), também estão ameaçados de perder direito à estrutura partidária na Câmara.
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“A cláusula é inconstitucional e um equívoco”, critica o líder do PCdoB na Câmara, Renildo Calheiros (PE). “Se o Congresso mantiver essas regras, iremos questionar a legalidade da lei na Justiça”, avisa o deputado, que também é vice-líder do governo. “Já discutimos essa saída pela via judicial”, completa o vice-líder do PV, Marcelo Ortiz (SP).
Calheiros x Calheiros
Para fazer valer a sua proposta, Renildo busca apoio dos grandes partidos e tenta vencer resistências dentro da própria casa. O irmão do comunista, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é um dos principais defensores da adoção da cláusula de barreira como um dos itens da reforma política. “Deve ser aprovada a cláusula de barreira para acabar com os pequenos partidos de aluguel, preservando os partidos políticos históricos", diz Renan.
O presidente do Senado faz alusão aos partidos que existem apenas no papel e usufruem de dinheiro público e tempo na televisão. Das 31 legendas inscritas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), só 16 têm representantes no Congresso. O argumento do peemedebista é o mesmo utilizado pelas maiores bancadas, que criticam o excesso de legendas com assento no Parlamento.
Mesmo filiado a um partido histórico como o PCdoB, Renildo argumenta que a barreira introduzida pela Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) vai de encontro à Constituição. Segundo ele, a Carta Magna diz que é livre a associação em partidos políticos. Dessa forma, no entendimento dele, o Congresso não pode impedir o funcionamento parlamentar sob qualquer argumento.
Próximo de deixar a presidência do TSE, o ministro Carlos Velloso não compartilha da mesma posição do vice-líder do governo e sinaliza com um eventual posicionamento da corte. "Acho que como está na lei é interessante. O Congresso não deve reduzir. Deve ficar mesmo em 5%", avalia o ministro. "Algo como seis partidos fortes seria um número adequado para o Brasil", considera.
Ganhando tempo
Nesta segunda-feira, os líderes das pequenas legendas se reúnem com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para pressionar pela votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 446-2005), que permite mudanças nas regras eleitorais a menos de um ano da disputa. A redução da cláusula de barreira, ainda em 2006, depende da aprovação dessa PEC, de autoria do deputado Ney Lopes (PFL-RN). Sem a aprovação dessa proposta, qualquer mudança aprovada pelos parlamentares este ano só poderá entrar em vigor na eleição seguinte.
“Vamos lutar para cair esse índice para 2% (dos votos válidos)”, aponta Geraldo Thadeu, um dos vice-líderes do PPS. O percentual, mais generoso com os pequenos partidos, está previsto no principal projeto da reforma política, em tramitação na Câmara. “Os eleitores é que devem decidir se os partidos podem ou não funcionar no Congresso”, sustenta Renildo Calheiros. “(A cláusula) é um instrumento reacionário”, critica o ex-deputado Milton Temer (Psol-RJ). “Se ela vigorasse nos anos 80, o PT não existiria”, afirma o ex-petista.
Efeito-cascata
Nas eleições de 2002, só sete partidos – PT, PMDB, PSDB, PFL, PPB (hoje PP), PSB e PDT – ultrapassaram o mínimo exigido. Além de contarem com até duas horas de horário na TV e no rádio por ano, essas legendas repartiram, ano passado, R$ 94,7 milhões dos R$ 110,5 milhões distribuídos pelo Fundo Partidário. Ou seja, nada menos do que 85,7% dos recursos públicos repassados aos partidos políticos em 2005.
A proposta tem efeito-cascata nas assembléias legislativas e nas câmaras municipais. É que, se os partidos não atingirem uma bancada mínima na Câmara dos Deputados, os vereadores e deputados estaduais das respectivas legendas também perdem o direito a funcionamento parlamentar, mesmo que, eventualmente, sejam maioria nas respectivas Casas.
Puxando as bancadas
O PL e o PTB – dois dos partidos mais atingidos pelo escândalo do mensalão – parecem não estar preocupados com a exigência legal. Depois de mais que dobrarem suas bancadas entre outubro de 2002 e o fim de 2005, as duas legendas apostam que vão conseguir aumentar, ainda mais, as suas representações no Congresso. “Estamos trabalhando para ganhar musculatura parlamentar”, afirma o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO).
Além de investir em candidatos à Câmara que possam puxar uma votação expressiva nos estados, o PL cogita lançar candidaturas competitivas no Amazonas (com o atual ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento), em Pernambuco (com o deputado Inocêncio de Oliveira) e em Goiás (com o próprio Mabel). Tradicionalmente, o partido costuma indica nomes a vice nas chapas ao Executivo. “Se fizermos uma boa bancada na Câmara em 2006, podemos, em 2008, ter mais candidatos competitivos a cargos de prefeito”, prevê o líder do PL.
Para o advogado Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os dez anos que os partidos tiveram para se adaptar às novas regras da cláusula de barreira são mais do que razoáveis. “A lei impõe isso e deve ser seguida”, sustenta Neves.
"Cláusula de extermínio"
Autora do estudo “Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar", a consultora legislativa Kátia Carvalho afirma que, apesar dos “elevados propósitos”, o sistema representativo do Congresso mais perde do que ganha com a instituição da cláusula de barreira. “É uma cláusula de extermínio”, afirma. “Ainda que se considerem os percentuais propostos na norma de transição, ainda assim, parece-nos por demais rigorosa e nefasta ao sistema partidário”, revela.
“Em síntese, com exceção do PT, todos os demais partidos de esquerda seriam afetados pela medida, ficariam diante do dilema de optarem por manter a sua identidade ideológica e histórica e perder sua expressão parlamentar, ou se fundirem a outros partido, como deseja a lei, e perder sua identidade”, concluiu no estudo, publicado em fevereiro de 2003.
Entretanto, Valter Costa Porto, outro ex-ministro do TSE, acredita que a corte não deve mudar essas regras este ano. “A nossa cláusula de barreira é amenizada em comparação à experiência alemã, onde extinguiram os partidos”, afirma Costa Porto. “É uma mudança salutar para diminuir a quantidade de partidos que têm representação no parlamento”, avalia.
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