Ricardo Ramos |
Dois anos e cinco meses após deixar a oposição, o PT recorre, pela segunda vez, a um expediente que sempre condenou: o esvaziamento das comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Depois de liderar a resistência à instalação da CPI dos Bingos, no Senado, em 2004, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para sepultar a CPI do Setor Elétrico. E, até o momento, com sucesso, diga-se de passagem. A comissão criada para investigar as privatizações do setor elétrico durante a gestão FHC completa hoje dois meses sem sequer ter escolhido os nomes para compor a mesa de trabalho. O principal motivo do fracasso da CPI é o desinteresse do governo em levar adiante as investigações, admitem alguns petistas. O Palácio do Planalto e a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, não querem que as apurações avancem, com receio de que as investigações possam atrapalhar o lançamento do principal modelo de investimento no setor elétrico do governo Lula – o leilão de energia futura – previsto para o segundo semestre (leia mais – retranca abaixo). Na avaliação deles, a CPI pode afugentar os investidores e, por tabela, comprometer o abastecimento de energia elétrica no país, assim como a implantação das parcerias público-privadas (PPPs). Leia também Lideranças do PT e do governo atuam nos bastidores para retardar o início das investigações. Quanto mais o tempo passa, menores as chances de a CPI produzir efeitos concretos. Caso seja obedecido o prazo regimental, os deputados terão menos de dois meses para apurar a ocorrência de irregularidades no processo de privatização de 24 companhias, um negócio que movimentou mais de US$ 30 bilhões, entre 1995 e 2003. A comissão já tem data para acabar, se não houver prorrogação dos seus trabalhos: 14 de agosto. Vale lembrar que as investigações não poderão ser conduzidas em julho, mês de recesso dos parlamentares no Congresso. O esvaziamento da CPI do Setor Elétrico também agrada à oposição, que não terá o ônus de apurar irregularidades cometidas durante o governo anterior. Por essa razão, ninguém se arrisca a cobrar abertamente do Planalto o início das investigações. Último partido a concluir a indicação de seus representantes na comissão, o PT está numa encruzilhada. De um lado, a cúpula tenta frear o ímpeto da ala mais à esquerda do partido, que insiste em apurar a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nas privatizações, que teriam gerado prejuízos ao país. Por outro, trabalha para impedir que o comando das investigações caia nas mãos da oposição. Nos dois casos, a situação não é das mais confortáveis para o partido. Até o momento, o nome mais cotado para assumir a relatoria é de um ex-ministro de FHC, o deputado Luiz Carlos dos Santos (PFL-SP), que também presidiu a Furnas Centrais Elétricas S.A. As divergências internas do PT, por sua vez, já extrapolaram os limites dos gabinetes e se tornaram públicas. “Daqui a pouco vamos ter que criar a CPI da CPI a fim de investigar porque o PT não faz força para que a comissão trabalhe”, critica o deputado petista Mauro Passos (SC). Funcionário de carreira da Eletrosul, Passos chegou a ser indicado no ano passado pelo então presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), para relatar a comissão. Mas acabou sendo preterido, este ano, por Severino Cavalcanti (PP-PE). Há duas semanas, quando foi instalada a comissão, o governo era minoria absoluta na reunião. Dos 14 parlamentares presentes, além de Passos, apenas a suplente Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) era ligada ao Planalto. Depois do encontro, Passos foi até a sala da liderança do governo na Câmara cobrar do líder, Arlindo Chinaglia (PT-SP), empenho na instalação dos trabalhos. Os dois tiveram um bate-boca, e o catarinense saiu de lá sem resposta e respaldo. A falta de interesse do governo em levar as investigações adiante tem aumentado o mal-estar dentro do PT. Nas reuniões de bancada, vários parlamentares têm demonstrado incômodo com a situação, como Walter Pinheiro (BA), Chico Alencar (RJ) e Paulo Rubem Santiago (PE). “Vamos para a décima primeira semana sem trabalhar”, contabiliza Wladimir Costa (PMDB-PA), indicado por Severino para a relatoria e preterido pelos membros da comissão após ter feito um discurso incendiário na tribuna da Câmara, um dia antes da data prevista para o início dos trabalhos. “O ato de abortar a CPI é vergonhoso”, completa o deputado paraense, que, diante da pressão inicial, renunciou ao posto. Em entrevista ao Congresso em Foco em junho do ano passado, Chinaglia garantiu que a CPI não só iria adiante como resgataria uma bandeira do Partido dos Trabalhadores. “O setor elétrico precisa ser passado a limpo neste país. Não se trata de uma questão de governo. A bancada do PT está disposta a comprar briga para apurar as denúncias de lesão ao patrimônio e fraude na privatização dessas empresas”, afirmou o então líder do PT na Câmara (leia mais). Agora, à frente da liderança do governo na Câmara, Chinaglia prefere não comentar o assunto. Caso se confirme, esta não será a primeira vez que o Planalto enterra uma CPI. No ano passado, o governo abortou a CPI dos Bingos na esteira do escândalo Waldomiro Diniz. O método utilizado, na ocasião, foi diferente: a pedido do Palácio do Planalto, os partidos da base aliada não indicaram seus representantes para a comissão. A oposição, contudo, revoltou-se com a interferência do governo e impeliu o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a fazer a nomeação. Diante da negativa de Sarney, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir o início das investigações. O caso está sendo julgado pelo STF. O julgamento foi interrompido a pedido do ministro Eros Grau. O governo está perdendo pelo placar de quatro a zero, mas ainda falta o voto de sete ministros. |
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