O governo federal e a Câmara costuram modificações na Lei do Caminhoneiro. Publicada no ano passado, ela obriga os motoristas profissionais a fazerem um descanso de meia hora a cada quatro horas ao volante. Também estabelece limitações da jornada de trabalho, o que levou vários caminhoneiros a entrarem em greve em julho do ano passado, em protesto – que causou desabastecimento e inflação em grandes capitais brasileiras – contra a perspectiva de redução da sua remuneração.
Agora, é o empresariado quem se queixa da nova legislação, que eleva o custo do frete e cria dificuldades para o transporte da safra agrícola recorde prevista para este ano. Além de aumentar as despesas de frete, empresários alegam que faltam caminhões e caminhoneiros para colocar em prática a nova lei. O Palácio do Planalto chegou a cogitar de baixar uma medida provisória para disciplinar o assunto. Depois, numa articulação com a Câmara dos Deputados, optou pela criação de uma comissão especial para rever a lei. A comissão será instalada nesta terça-feira (12) e deverá ser presidida por Nelson Marquezelli (PTB-SP), ex-caminhoneiro e produtor de laranja. Um dos cotados para a relatoria é o ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC).
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A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) afirma que as mudanças são um retrocesso proposto por uma minoria e que a lei é fundamental para reduzir os acidentes nas estradas, nas quais morreram mais de 2.600 caminhoneiros entre 2005 a 2011.
Marquezelli fala que o projeto original era dele e pretendia disciplinar a atividade de motorista, mas sofreu alterações que o deformaram. “Fui caminhoneiro, conheço bem isso, e a ideia era melhorar as condições de trabalho, mas não fazer algo que inviabiliza o frete”, diz o agora próspero empresário e fazendeiro, que já transportou muita cachaça e madeira entre São Paulo, Goiás e Tocantins. “Mas mexeram, e fizeram tudo errado.” A instalação da comissão será às 17h de hoje, na Ouvidoria da Câmara, informou Colatto. Entretanto, a previsão pode ser mudada porque falta a indicação de deputados do PT para compor o grupo, acrescentou a assessoria de Marquezelli.
Marquezelli e Collato defendem uma lei flexível. Em vez de descanso de meia hora a cada quatro horas, uma possibilidade seria exigir o repouso em um período de três a cinco horas de trabalho. A lei já permite, “em situações excepcionais”, que o tempo de trabalho seja de cinco horas contínuas. Collato defende que o trabalhador tire os 30 minutos de descanso em qualquer momento do dia, quando for mais conveniente. “Senão, vai aumentar o custo do frete e o consumidor vai pagar por isso”, argumenta.
Impacto bilionário
De acordo com estimativa apresentada ao governo pelos empresários, a lei aumentará em mais de R$ 20 bilhões por ano o custo do frete no Brasil. Ou seja, é um obstáculo a mais para um país que, em mais de dois anos de governo Dilma, ainda não atingiu um ritmo de crescimento econômico razoável.
Com a nova lei, simplesmente faltarão caminhões e caminhoneiros em número suficiente para atender às necessidades de transporte, aponta nota técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Segundo o documento, a Lei do Caminhoneiro aumenta de 20% a 40% as despesas dos produtores com frete. Somente a Cooperativa Aurora do Oeste Catarinense, que produz carnes no sul do Brasil, estimou que seria preciso contratar mais 243 motoristas, ao custo de R$ 4 mil por mês cada um, com com salários e obrigações trabalhistas. No ano, serão R$ 11,7 milhões a mais, de acordo com a CNA.
Outro problema é que nem sempre é possível repassar a elevação dos custos para o preço da mercadoria. “O preço da soja, dos grãos é commodity, não tem como você repassar para o preço o custo que você terá a mais com o frete”, afirma executivo de uma grande empresa. O agronegócio não é o único setor empresarial que está contra a Lei do Caminhoneiro. Também são fortes as pressões contrárias das principais entidades industriais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Já houve várias conversas entre empresários e governo sobre o assunto. Além das ministras Gleise Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Secretaria de Relações Institucionais), o ministro do Trabalho, Brizola Neto, também admitiu, em reuniões com representantes empresariais, que a lei precisa sofrer alterações, pelos prejuízos que causa e pela inviabilidade de aplicá-la imediatamente. “Temos que buscar uma saída”, disse ele a interlocutores recentes.
Mais tempo
Embora haja o entendimento no governo de que é preciso rever a nova legislação, não há compromisso em relação à solução que será dada. O governo chegou a atender o pedido das entidades empresariais de estender o prazo para a lei entrar em vigor.
No ano passado, após a greve, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) baixou uma resolução que, na prática, dava mais seis meses para a fiscalização exigir o cumprimento da lei. Esse prazo termina hoje, mas, segundo o diretor da CNTTT Luís Fontana Sestino, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu na Justiça que a fiscalização só comece no mês que vem. O Ministério Público do Trabalho também recorreu ao Judiciário, mas para suspender a resolução do Contran e exigir o cumprimento imediato da Lei do Caminhoneiro.
As entidades empresariais, por sua vez, continuam reivindicando mais prazo para que a lei seja aplicada. Na nota técnica, a CNA admite a necessidade da lei, por regular “assuntos que antes não eram tratados com a devida especificidade pela CLT”, mas observa que ela “traz os mecanismos que serão necessários para a sua efetividade, bem como não leva em consideração os problemas existente na malha rodoviária do país”. Entre esses problemas, a falta de pontos para parada para caminhões e as más condições das rodovias; a necessidade de aumentar a frota e contratar novos motoristas; e o aumento do tempo das viagens, sobretudo para aqueles que devem percorrer longas distâncias.
A Confederação da Agricultura estima que a Lei do Caminhoneiro eleva em média em 81,63% o tempo de transporte dos produtos agrícolas no país.
Só minoria está reclamando da lei, diz entidade
Íntegra da Lei do Caminhoneiro (12.619/12)
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