A aproximação com países da península arábica foi assunto de destaque nas agendas do presidente Jair Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao longo dos dois últimos meses. Países como Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos receberam os dois em viagens oficiais, que resultaram inclusive no anúncio de uma embaixada brasileira no Bahrein. Apesar do aparente mérito diplomático, essa aproximação é vista com preocupação tanto por especialistas na área quanto por parlamentares.
De acordo com o professor de relações internacionais Ricardo Caichiolo, esses três países representam um forte interesse econômico para o Brasil quando tratados de forma pragmática, tendo em vista que podem se tornar consumidores de produtos brasileiros como carne, soja e minério de ferro. Esse, porém, não é o interesse do presidente, que procura explorar o potencial eleitoral dessas aproximações. “Trata-se de uma ação que vai ao encontro da política externa que seus apoiadores esperam”, explicou.
As visitas do presidente e, especialmente, de Eduardo Bolsonaro ao Golfo Pérsico foram acompanhadas de uma série de vídeos e publicações exaltando esses países, retratados como modelos a serem seguidos de desenvolvimento por conta de seus elevados índices econômicos. O internacionalista alerta que a riqueza não é a única semelhança entre os três países. “Todos eles são regimes autoritários; variam entre eles quais violações aos direitos humanos são cometidas: sejam elas no âmbito da liberdade de imprensa e da participação política, seja na questão dos direitos das mulheres, dos direitos dos gays e dos seguidores do cristianismo”.
Os Emirados Árabes Unidos são uma federação de reinos com leis próprias, onde um rei é escolhido como presidente pelos demais. Este cargo é exercido há mais de 15 anos por Sheikh Nahyan, rei do emirado de Abu Dhabi. Catar e Bahrein já são países unitários, onde os reis exercem o poder a partir de gabinetes cujos membros são escolhidos pelos mesmos, não raramente membros das famílias reais.
As ditaduras socialistas constantemente atacadas pelo discurso bolsonarista compartilham com os reinos do Golfo Pérsico as últimas posições no relatório Democracy Index, do jornal The Economist. Catar, Cuba, Venezuela, Emirados Árabes e Bahrein ocupam, respectivamente, a 126ª, 140ª, 143ª, 145ª e 150ª posições em um ranking de 160 países.
A preferência de Jair Bolsonaro pela aproximação com autocracias é, segundo o cientista político André Pereira César, parte de uma estratégia eleitoral mais ampla. “Há uma afinidade ideológica entre o governo Bolsonaro e esses governos. (…) Ele sabe que o eleitor acredita nisso, e concorda com isso. Com isso, ele reforça os laços com os bolsonaristas mais radicais, com a ala mais ideológica da direita”.
Com a proximidade das eleições de 2022 e a divulgação de pesquisas demonstrando a perda de apoio do eleitorado, André César destaca que há a tendência de se intensificar a interação do governo com países não democráticos. “Ele precisa se aproximar mais e mais da direita ideológica, e um dos elementos é esse: estar próximo desses países”.
Eduardo Bolsonaro é o principal interessado. Ao mesmo tempo que ganha destaque dentro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados ao participar de missões nesses países, as viagens ao oriente permitem estreitar laços entre o Instituto Conservador Liberal, do qual é presidente, com instituições semelhantes no Golfo Pérsico.
O deputado chegou a protocolar na Câmara um Projeto de Resolução para que seja criado um grupo parlamentar Brasil-Bahrein. O parlamentar defende que existe um esforço legítimo desses países, tradicionalmente monarquias autocráticas, em se abrir para a democracia. Ricardo Caichiolo desmente. “Não há esse entendimento. Isso é uma narrativa utilizada por ele para justificar a aproximação”, alega.
Temor parlamentar
A aproximação de Jair Bolsonaro a países autocráticos é observada com atenção na Câmara dos Deputados, e é vista como uma tendência pelo líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ). “Há uma tendência antiga da família Bolsonaro em ter como referência não as grandes democracias do mundo, mas sim ter como parâmetros e como paradigmas de relacionamento do país outras formas de Estado e de organização social”, explicou.
O deputado afirma ver com preocupação essa postura do governo, levando em conta principalmente o fato dessa aproximação não se limitar apenas a interesses ideológicos, mas também políticos. “São países que trataram a independência dos poderes de forma inaceitável do ponto de vista democrático. Que empacotaram o judiciário, que substituíram juízes da Suprema Corte, tudo aquilo que Bolsonaro tentou fazer aqui mas não conseguiu”.
Raul Henry (MDB-PE), membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, também acompanha a aproximação de Bolsonaro com governos autoritários, e aponta para o fato disso não ter começado no relacionamento com o Oriente Médio. “Desde o início eles trataram de estreitar a relação com Donald Trump, visto por muitos como uma ameaça à democracia mais antiga do mundo, e procuraram fazer parte de uma mesma aliança internacional”.
A postura de Bolsonaro ao tratar desses países não deve ser, na visão do deputado, motivo de alarde, mas de atenção cuidadosa. “Precisamos ser vigilantes para ver até que ponto essa relação é apenas expressão de uma afinidade política e a partir de que ponto isso compromete o interesse nacional do Brasil”.
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