Lúcio Lambranho
Faltando quatro dias para o segundo turno, a gestão do candidato Geraldo Alckmin (PSDB) no governo de São Paulo sofreu raros e fragmentados ataques no terreno ético. Na matéria “Os escândalos de cada um”, o Congresso em Foco mostrou as vulnerabilidades do ex-governador tucano e as fragilidades do governo Lula nessa área (leia mais). Com a iniciativa, este site, que sempre se destacou pela vigilância que exerce sobre possíveis desvios éticos cometidos por integrantes do Congresso Nacional e do governo federal, procurou mostrar que os dois presidenciáveis devem explicações sobre fatos relativos às suas respectivas gestões, no Palácio do Planalto e no governo paulista.
Mas, obviamente, aquele levantamento não esgotou o assunto. No berço moral do PSDB e dos ideais de seu maior líder, a Fundação Mário Covas, que mantém em seus quadros tucanos de alta plumagem, encontra abrigo Goro Hama, tesoureiro de várias campanhas do PSDB, ex-secretário do partido em São Paulo e ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). No site da fundação, Goro Hama é apresentado como o presidente do Conselho Consultivo da entidade, criada em abril de 2001 com doações de R$ 3,5 milhões.
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Goro responde na Justiça a 82 ações por improbidade administrativa pela sua gestão na CDHU, impetradas pelo Ministério Público Estadual (MPE) e a outros nove inquéritos policiais em andamento, segundo a assessoria de comunicação do MPE paulista. Ele é acusado pela Promotoria de Justiça da Cidadania do MPE de causar prejuízos de R$ 685,7 milhões aos cofres do governo paulista.
A condenação
No dia 22 de março deste ano, Goro Hama e sua mulher, Luíza Lente Bittencourt Hama, foram condenados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por enriquecimento ilícito e improbidade administrativa.
O casal foi condenado a devolver aos cofres da CDHU mais de R$ 90,7 mil. Luíza, segundo a condenação, recebeu um carro importado, um Passat alemão, pago pela Consopave Administradora de Consórcios, justamente na época em que o marido ocupava o cargo de diretor-presidente da companhia paulista.
A Consopave era controlada pelo grupo Partsil, também réu na ação, proprietário de duas outras empresas (a Transbraçal e a Vilares) que prestavam serviços à estatal paulista. Os advogados dos Hama defenderam a tese de que o dinheiro usado no pagamento do veículo era referente a uma cota de consórcio da qual Goro Hama participou e depois transferiu para sua mulher. O promotor Nilo Spínola Salgado Filho, ainda em 2000, chegou a conclusão bem diferente (leia a íntegra da denúncia).
Foram apresentados documentos que confirmavam a sua adesão a um dos grupos de consórcio em 20 de fevereiro de 1991. O problema é que o consórcio era de um Monza, carro com valor de mercado muito abaixo do carro importado. Goro recorreu da sentença e ainda aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O processo está em fase final para decisão do ministro Castro Meira, da 2ª turma do STJ.
Goro e Alckmin
Goro anda longe dos holofotes da mídia desde que foi demitido do cargo de assessor especial do Palácio Bandeirantes, poucos dias após a morte do governador Mário Covas em março de 2001, pelo então governador de São Paulo e hoje candidato à Presidência da República, Geraldo Alckmin.
Mas sua proximidade com Alckmin sempre foi questionada, como neste trecho da reportagem do repórter Roberto Cosso, do jornal Folha de S. Paulo, no dia 13 de outubro de 2002, época em que ele disputava a reeleição para o governo do estado: “Mas as relações entre Alckmin e Hama não ficaram ruins. Há cerca de um mês, os dois estiveram juntos em um comício em São José dos Campos (SP). ‘Obrigado, Goro’ foi a frase de despedida do governador.”
Cinco dias depois, o então candidato a governador passou por uma saia justa durante o debate da TV Record. “Vai responder na Justiça”, disse Alckmin sobre as condenações de Hama, ainda em primeira instância naquela época.
Quando foi questionado pelo mediador do debate, Bóris Casoy, se Goro Hama trabalhava no governo, Alckmin lembrou que o ex-governador Mário Covas tinha demitido o colaborador e ex-tesoureiro de campanhas do PSDB. Boris não se deu por satisfeito e perguntou novamente se o ex-presidente da CDHU não havia retornado ao governo após a morte de Covas. Alckmin admitiu ao vivo que sim, mas que o demitiu depois.
O colunista da Folha de S. Paulo Jânio de Freitas, no mesmo dia, questionou por que o PT, na época já enredado com denúncias de ligações do PT gaúcho com o empresários de jogos e donos de bingos, não batia na “tecla” Goro Hama:
“A dupla condenação, por improbidade e enriquecimento ilícito, do ex-integrante da cúpula do governo do PSDB em São Paulo e ex-secretário-geral do partido no Estado, Goro Hama, traz uma contribuição tão útil quanto involuntária para evidenciar os perigos da tática hoje chamada, eufemisticamente, de desconstruir o adversário. Se a propaganda de Luiz Inácio da Lula da Silva explorasse a condenação para mostrar o que é a administração do PSDB, a diferença entre o que eles dizem e o que eles fazem, estaria adotando, até com as mesmas palavras, o método legitimado pelo programa de José Serra e pelo próprio, ao invocar alegadas deficiências no governo gaúcho e em prefeituras petistas para atacar Lula”.
“Conversa fiada”
Quando ainda disputava o cargo de governador com Paulo Maluf (PP), Mário Covas também sofreu ataques relacionados com as denúncias contra Goro Hama. O episódio mais conhecido em São Paulo aconteceu no debate da Rede Bandeirantes e do Jornal da Tarde em 1998. A militância de Maluf, derrotado por Covas no segundo turno daquele ano, levou uma jaula com um ator dentro. Na jaula, estava escrito “Goro Grana”.
Recentemente, ou seja, quase oitos anos depois, a página do candidato Lula na internet publicou uma entrevista (leia a íntegra) em que Goro Hama é citado pelo deputado estadual José Caldini Crespo (PFL), presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Assembléia Legislativa de São Paulo. Crespo, mesmo sendo do PFL e aliado do PSDB na atual disputa pela Presidência da República, pediu uma CPI para investigar os 973 contratos julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado entre 1997 e 2005, nas gestões de Covas e Alckmin.
“Chegando lá, descobri estantes lotadas de processos do Tribunal de Contas, cuja função é analisar contratos de repartições estaduais. Eram quase mil documentos sobre irregularidades que estavam escondidos. Então, dei parecer em todos eles e os despachei para o Ministério Público, pedindo providências cíveis e criminais cabíveis. Na CDHU, principalmente, estavam as estripulias do senhor Goro Hama. Elas foram tão grandes que o governador Covas, que o queria tão bem, deu sumiço nele. O Goro Hama não foi punido. Nem sei se ele mora no Brasil ainda”, disse o pefelista em entrevista à agência Carta Maior.
Em entrevista ao Congresso em Foco, Goro Hama disse “que ajuda a Fundação Mário Covas nas suas decisões macro e que a entidade é formada por pessoas ilustres e do convívio pessoal de Mário Covas”.
Ao ser perguntado sobre as denúncias contra sua administração na CDHU, Goro Hama respondeu irritado que isso era “conversa fiada”. Goro Hama acrescentou que seu trabalho na fundação não tinha nada de partidário, e emendou, antes de encerrar rispidamente a entrevista ao telefone: “Você está a mando do Lula e do Berzoini, aqueles canalhas”.
“Motivação política”
O Congresso em Foco tentou contato com a assessoria de imprensa do comitê de campanha do candidato do PSDB, por e-mail e por telefone, mas não teve retorno. O presidente da Fundação Mário Covas, Antonio Carlos Rizeque Malufe, que também ocupa a função de secretário-adjunto de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento no governo paulista, foi mais solícito.
Respondeu aos questionamentos da reportagem afirmando que as acusações contra Goro Hama têm “motivação política”. Ele disse desconhecer a condenação do Tribunal de Justiça de São Paulo. E acrescentou que o ex-tesoureiro das campanhas de Covas não tem nenhuma função diretiva e possui apenas um cargo honorífico na fundação, concedido pela família do ex-governador de São Paulo, morto em 2001. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Como o senhor está vendo a disputa ética nessas eleições?
Quando se fala no aspecto ético, na verdade, está se fazendo certa confusão. Ética é uma ciência que você estuda dentro da filosofia do Direito e que tem a ver com um monte de coisa. É muito mais abrangente. Eu não acho que a discussão é por aí não. Acho que a discussão é mais político-partidária e de programa de governo e de postura de partido. Eu não estou vinculando a figura ou a fundação, os valores do Mário Covas, a esse processo eleitoral. A gente está querendo pegar os valores do Mário Covas como valores suprapartidários. Não compete a gente julgar quem tem ou não caráter, isso extrapola nossa função institucional. A fundação não está participando da campanha eleitoral.
Mas o ex-presidente da CDHU Goro Hama ainda participa da fundação como presidente do conselho consultivo, não?
Ele e quase 300 pessoas. O conselho consultivo agora tem uma outra figura e não é um órgão que se reúne. Ele não tem função diretiva e é um corpo formado por ex-colaboradores do período de governo, empresários, jornalista e uma série de pessoas. Eu tenho um apreço pessoal muito grande pelo Goro. A coisa do conselho consultivo foi formada quando fundamos a associação, em 2001. Naquela época, foi o Goro que, a pedido da dona Lilá [viúva de Covas], presidiu o conselho, não me lembro quem era o secretário. Esse conselho, que era conselho consultivo, naquela época, em 2001, foi desenhado para ser um órgão dirigente, mas depois acabou não funcionando. Acabou sendo um orgão, vamos dizer, honorífico, de pessoas indicadas pela família, que tinha convocado o Goro. Eu tenho uma opinião pessoal sobre todos os processos do Goro. Eu não reconheço nada neles, mas a minha opinião pessoal também não vale nisso.
O senhor acredita que ele não deveria ter respondido a esses processos?
Acho.
Por quê?
Então agora vamos parar de falar de fundação. Na minha opinião pessoal, esses processos na época tiveram motivação política. Podemos discutir o teor de cada um deles porque eu acabei conhecendo intimamente como é que era essa coisa. O Goro foi acusado de ter supervalorizado preço de terrenos naquela época do chamado Plano Empresário. Só que na hora que você vê o preço do terreno mais o preço da casa, ele estava bem abaixo da média de todos os outros praticados. Eu acho que a filosofia do Plano Empresário era isso. Se o Goro cometeu algum erro administrativo, você pode até questionar o modelo do Plano Empresário, se proporciona concorrência ou não. Mas que não botou dinheiro no bolso, não botou. Eu conheço a vida do Goro há 30 anos.
Pois é, presidente Malufe, mas o Goro foi condenado no início do ano por enriquecimento ilícito em segundo instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Eu estou sabendo disso pela primeira vez e para mim fica difícil comentar isso. Estou ouvindo isso pela primeira vez.
Mas essa condenação é de março deste ano. Eu achei que o senhor já soubesse disso.
Não sei. Não estou acompanhando e não acompanho.
Mas o senhor não acha que ele deveria se afastar das funções da Fundação Mário Covas?
Mas ele não tem funções na fundação.
Ele disse que tem função e que participa como presidente do conselho consultivo e faz parte da tomada de “decisões macro” da fundação?
Se você entrar no nosso site, você vai ver que tem o nome dele e de mais cento e poucos e não tem presidente não.
No site, ele ainda consta como presidente desse conselho.
Tudo bem. Você pode me questionar, mas a única informação que eu posso lhe dar é que o conselho consultivo não tem função diretiva e para mim nunca constou. Eu me lembro, e não estou negando, que o Goro na época, por indicação da dona Lilá, tinha sido colocado como presidente do consultivo.
Mas qual é a função desse conselho?
Função honorífica.
Só honorífica?
É. Agora eu estava imaginando que você iria me entrevistar sobre a fundação em si. Sobre o momento político eu estou totalmente afastado. Não estou questionando nada disso. Sobre o Goro, a fundação reconhece nele todos os méritos. Não sei. Seria coisa de foro íntimo de ele participar ou de não participar, mas eu não vejo nada de complicado nisso.
Mas ele ficou bastante irritado quando eu fiz essa pergunta para ele, se ele deveria se afastar ou não da fundação.
A impressão que dá é que é uma pergunta dirigida ao envolvimento da Fundação Mário Covas ao momento político atual, o que não é o caso. A fundação não desenvolveu e nunca vai desenvolver nada nessa área.
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