Chico Sant’Anna*
Sem que ninguém, ou quase ninguém, percebesse, o governador Rodrigo Rollemberg, no apagar das luzes de 2017, deu início a uma privatização disfarçada do Banco Regional de Brasília, o BRB. Depois de duas tentativas – sem sucesso – de fazer aprovar na Câmara Legislativa leis que amparassem a venda total ou parcial das doze empresas estatais candangas, o GDF encontrou um jeitinho de se valer desse patrimônio para cobrir seus gastos. A privatização se deu mediante o repasse de ações do BRB para o Instituto de Previdência dos Servidores Públicos (Iprev-DF). A medida foi anunciada na véspera de Natal, dia 22. No lugar de devolver em dinheiro os recursos usados do Iprev em 2015 e 2016, o GDF repassou 16,47% do controle acionário do Banco de Brasília ao Iprev e ativos imóveis. A partir de agora, o Instituto, se precisar transformar essas ações em dinheiro vivo, poderá vende-las sem qualquer necessidade de autorização legislativa.
Leia também
Os repasses de ativos, com valor estimado em R$ 1,7 bilhão, são uma compensação de saques de dinheiro feitos nas contas do Iprev para que o GDF cobrisse despesas do Estado, inclusive salários e aposentadorias de servidores. Para quitar as aposentadorias do ano e liberar o valor necessário para fechar a folha de pagamento dos servidores, em 2015, foram sacados R$ 1,2 bilhão do fundo capitalizado do Iprev. No ano seguinte, outros R$ 493 milhões retirados do mesmo fundo.
Para o deputado distrital Wasny de Roure (PT) não há duvidas: “é um artifício que o governo utilizou para poder criar o mecanismo de privatização das ações do BRB, ainda que seja dirigido ao Instituto de Previdência dos servidores. Além disso, o Ministério da Previdência, em uma nota técnica especifica, demostra que não cabe a utilizações da ações do BRB para essa finalidade” – diz o parlamentar.
André Nepomuceno, secretário de bancos públicos da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte Fetec-CN, não há nada que sustente a ideia de que as ações serão mantidas pelo Iprev por longo tempo. “Ao contrário, a tendência é que sejam vendidas na primeira oportunidade, seja por necessidade premente de caixa ou simplesmente para aproveitar eventual valorização no mercado” – diz ele.
Eduardo Araújo, presidente do Sindicato dos Bancários do DF, rotula a ação do GDF de “jogada para facilitar a transformação do BRB num banco privado”. Ele considera a medida pouco inteligente, pois o banco é rentável e o GDF poderia usar os dividendos a que tem direito para cobrir as despesas que possui. Criado em 10 de dezembro de 1964, o BRB é a 34ª instituição bancária do país. Segundo o site especializado em análise bancária Econoinfo, ele tem ativos avaliados em R$ 14,1 bilhões. Em 2016, apresentou um lucro líquido de R$ 225,5 milhões e, até setembro do ano passado, de R$ 181,2 milhões.
Embora o GDF afirme ter repassado 16,47% do controle acionário ao Iprev, o Econoinfo afirma que aquele fundo de pensão possui, desde 27 de dezembro de 2017, 21,41% do controle da instituição financeira.
Controle acionário
Embora o GDF afirme ter repassado 16,47% do controle acionário ao Iprev, o Econoinfo afirma que aquele fundo de pensão possui, desde 27 de dezembro de 2017, 21,41% do controle da instituição financeira. Ao GDF restariam 75,44% e os 3,15% restantes das ações estariam pulverizadas entre acionistas privados: 1.059 pessoas físicas e 33 pessoas jurídicas. O Estatuto do BRB obriga que o GDF preserve 51% do controle acionário. Na transferência das ações ao Iprev, o GDF atribuiu um valor de aproximadamente R$ 500 milhões a cota dos 16,47%. Isso permite estimar que o valor de mercado do BRB seria de R$, 3,036 bilhões. Para os bancários, a diluição do controle acionário abre, na verdade, um horizonte de maior incerteza quanto ao futuro do BRB como banco público.
Caso tivesse decidido vender abertamente as ações do BRB em Bolsa, certamente Rollemberg não teria conseguido a permissão legislativa necessária. Enfrentaria a fúria da Câmara Legislativa, dos bancários e dos movimentos de esquerda contra privatização de estatais. Nada bom em época eleitoral.
Rollemberg – tentativas de privatização
No atual governo, em 2015, Rollemberg teve diferentes iniciativas voltadas à privatização das doze estatais candangas. Primeiro, em maio daquele ano, encaminhou à Câmara Legislativa o projeto de lei 467, que autorizava o alienar participação societária de suas empresas. Seriam colocadas à venda ações das doze estatais da estrutura do GDF com o objetivo de arrecadar em torno de R$ 2,5 bilhões – o que equivalia a cerca de 50% do patrimônio total a época dessas estatais. O dinheiro, em tese, seria usado para equilibrar as contas governamentais. Em outra investida, no mesmo ano, tentou aprovar um projeto-de-lei que lhe dava poderes para disponibilizar as ações de empresas públicas candangas, entre elas a CEB, o BRB, Caesb e a Terracap, como garantia nos contratos das parcerias público-privadas. A proposta não avançou e foi retirada da pauta por falta de acordo. Em julho de 2017, foi a vez do secretário de Economia e Desenvolvimento Sustentável do DF, Valdir Oliveira, afirmar à imprensa que o GDF deveria vender estatais para fazer caixa.
Ministério da Previdência é contra
A criativa arquitetura legislativo-financeira de Rollemberg não agradou o Ministério da Previdência, a quem por lei cabe fiscalizar a saúde financeira dos fundos de pensões de servidores estaduais e municipais. As regras aprovadas pela CLDF contrariam normas da Secretaria de Políticas de Previdência do governo federal, que as considerou “inadequada a garantia em ações ao Iprev e sugeriu a substituição por outros ativos.”
Em razão dessa manifestação do órgão federal, a Câmara Legislativa aprovou projeto de lei substituindo a garantia em ações do BRB por imóveis. O projeto foi vetado pelo governador e agora, com a Câmara em recesso, ele apressou-se em comunicar o repasse das ações, para evitar a derrubada do veto.
Segundo a nota técnica da Previdência, os fundos previdenciários dessa natureza só podem investir em fundos financeiros de renda fixa e em imóveis. Trata-se de uma garantia de proteção ao patrimônio. Diz a nota que é expressamente proibido o investimento na aquisição de ações. É A própria secretária de Planejamento do DF, Leany Lemos, reconheceu o risco de volatilidade que o acervo de ações do BRB pode sofrer. Uma crise da bolsa, um problema de gestão no BRB, uma crise econômica no país e essas ações podem se evaporar.
Posição GDF
O GDF já foi notificado pelo Ministério da Previdência. De seu lado, o Tribunal de Contas do DF decidiu suspender a transação até averiguar os elementos, objetivo dessa transação e da utilização do recurso. O deputado Wasny de Roure estuda agora entrar com uma representação no Ministério Público. Da parte do Iprev, a sua Unidade de Comunicação Social afirma não proceder a informação de que a transferência de ações do Banco de Brasília para o Fundo Solidário Garantidor administrado pelo Iprev/DF seria uma privatização disfarçada da instituição bancária, considerando que as ações do BRB continuarão destinadas a uma finalidade pública (garantir o pagamento de benefícios previdenciários dos servidores do Distrito Federal) e cujo novo proprietário (Iprev/DF) é uma autarquia que integra a Administração Indireta do Distrito Federal com personalidade jurídica de direito público.
“Também não procede a informação de que a transferência das ações para o Iprev/DF feriria as normas de previdência complementar, considerando que o caso não se trata de ativo (ações) vinculado a planos de previdência complementar, mas vinculado a plano de previdência dos servidores públicos distritais (regimes próprios) em que o art. 249 da Constituição Federal autoriza ‘com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento de proventos de aposentadoria e pensões concedidas aos respectivos servidores e seus dependentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza’. O art. 54 da Lei Complementar nº 769/2008 e a Lei Complementar 920/2016 do Distrito Federal também permite a participação acionária do Iprev/DF para que as ações, e eventuais valores recebidos em razão da distribuição dos lucros, sejam direcionados ao pagamento de benefícios previdenciários dos servidores públicos distritais. Ou seja, há previsão constitucional e da legislação do Distrito Federal legitimando a operação de transferência das ações do BRB para o Iprev/DF” – conclui.
*Texto publicado originalmente pelo jornalista Chico Sant’Anna em seu blog.
Deixe um comentário