O rombo de R$ 80 milhões no Ministério do Turismo já deu samba. Dos quase 500 convênios irregulares firmados pela pasta entre 2003 e 2009, vinte e seis estão ligados a eventos carnavalescos. No total, são mais de R$ 4,18 milhões devidos aos cofres públicos, quase o mesmo montante reivindicado de órgãos estaduais. Além de serem cobradas, essas instituições ficam proibidas de receber novos recursos do ministério enquanto não regularizarem sua situação.
Com nota 10 no quesito inadimplência, estão oito escolas de samba, que juntas devem devolver ao governo R$2,2 milhões por causa de problemas na prestação de contas dos convênios firmados com o Ministério do Turismo. No topo da lista, três escolas de samba cariocas figuram com os maiores valores devidos à União. A campeã é a tradicional Portela, que em 2006 recebeu o valor de R$ 525 mil para a proposta de enredo do desfile daquele ano, cujo tema foi “Brasil marca tua cara e mostra para o mundo”.
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Veja abaixo um trecho do desfile da Portela em 2006:
A análise do convênio já está em fase de instauração de tomadas de contas especial porque não se conseguiu comprovar a utilização dos recursos nos termos conveniados. Ou seja: a escola já foi cobrada e ainda assim não devolveu ao Ministério o dinheiro. O caso já foi remetido à Controladoria-Geral da União e a escola está temporariamente impedida de fazer novos acordos com o governo até que regularize a sua situação.
Mesmo inadimplente com o Executivo, a Portela atravessou as ruas da Esplanada e bateu em outra porta a fim de levantar fundos para o carnaval de 2007. Dessa vez, o Ministério do Esporte garantiu R$1,8 milhão para a promoção dos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos por meio do enredo “Os Deuses do Olimpo na Terra do Carnaval – Uma Festa dos Esportes, da Saúde e da Beleza”. E mais uma vez, a escola não conseguiu comprovar os gastos que deveriam ter sido realizados.
E aqui veja um trecho da passagem da bateria da Portela em 2007:
Confrontados com informações oficiais, a assessoria de imprensa da escola informou que já quitou as dívidas “há muito tempo”, mas não conseguiu especificar a data em que o dinheiro foi devolvido, nem acrescentar maiores detalhes. A assessoria também não quis informar qual foi o problema gerador da inadimplência. Os Ministérios do Turismo e do Esporte, porém, confirmaram as informações contidas no Portal da Transparência e ressaltaram que a escola já foi notificada sobre as falhas na prestação de contas.
Império Serrano
A vice-campeã da lista de inadimplentes é uma vizinha da Portela no Rio de Janeiro (ambas ficam nas imediações do bairro de Madureira): a Associação de Amigos do Grêmio Recreativo da Escola de Samba Império Serrano. Em 2006, o grupo recebeu R$ 499 mil, mas também não conseguiu comprovar se utilizou o dinheiro público para os fins especificados no contrato do convênio. Mesmo com a possível ajuda de meio milhão de reais, a escola acabou o Carnaval em penúltimo lugar na classificação geral do grupo especial do desfile carioca. O Congresso em Foco entrou em contato com representantes da Associação, mas não obteve resposta. Estes não souberam explicar se os problemas com o convênio já foram resolvidos ou se a dívida está em negociação com o governo.
Aqui, trecho do desfile do Império Serrano em 2006:
Ao todo, nove motivos levaram as instituições a serem incluídas na “lista de devedores” do ministério. Entre as causas mais comuns, estão a falta de prestações de contas ou de comprovação de que o evento foi realizado e o descumprimento da Lei de Licitações. Os convênios foram fechados nas gestões dos ministros Walfrido dos Mares Guia (PTB), Marta Suplicy (PT) e Luiz Barretto, também indicado pelo PT.
Os dados fazem parte de levantamento feito pelo Congresso em Foco a partir do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e do Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU). O elevado número de irregularidades nos convênios firmados pelo governo federal com entidades não governamentais fez a presidenta Dilma Rousseff assinar na semana passada um decreto restringindo a celebração desse tipo de acordo.
O menor valor de cerca de R$ 30 mil, foi pleiteado para o 1º Encontro de Intérpretes das Agremiações Carnavalescas Capixaba, realizado em 2007. De acordo com o Portal da Transparência do governo federal, o Grêmio da Escola de Samba Independentes de São Torquato recebeu o valor referido, mas até agora não apresentou documentação que comprovasse a realização do evento.
Campeã do bloco
Dentre os casos ligados ao Carnaval que ainda continuam inadimplentes com o governo federal, a campeã é a escola de samba Acadêmicos da Rocinha, do grupo de acesso do Carnaval carioca. Com dois convênios fechados com o Ministério do Turismo, a escola deve R$ 570 mil por não ter conseguido comprovar a execução física e financeira dos convênios assinados em 2006 e 2007. O Congresso em Foco tentou entrar em contato com representantes da escola por email e telefone mas não obteve resposta.
Um dos convênios, fechados no valor de R$ 270 mil, foi destinado à realização de eventos ligados ao aniversário da cidade do Rio de Janeiro. Mas o valor não foi suficiente para ajudar a escola a melhorar seu desempenho nos desfiles na avenida Marquês de Sapucaí. Em 2007, a escola não foi bem e ficou em oitavo lugar do grupo de acesso A.
E o outro, no valor de R$ 300 mil deveria ter sido utilizado para o desfile de 2006. No entanto, como a escola não prestou contas do valor pago pelo governo federal, não é possível saber quanto do dinheiro foi gasto e se houve o cumprimento das propostas estabelecidas no contrato.
Prefeituras também no samba
Municípios de todo o país aproveitaram o Carnaval para dar o calote no governo federal. No total, o Ministério do Turismo cobra de 145 prefeituras o montante de R$ 20 milhões. Desse valor, R$ 1,2 milhão está atrelado a eventos de Carnaval realizados entre 2006 e 2009. A cidade de Itiúba, na Bahia, recorreu ao Ministério para levantar R$ 200 mil destinados à realização do Carnaval de 2008. Outras prefeituras que não conseguiram regularizar ainda a situação pendente das farras carnavalescas são os municípios de Indiaroba e Tomar do Geru em Sergipe, Pintópolis em Minas Gerais, Pacajus no Ceará, Caseara e Palmas no Tocantins, Porangatu em Goiás e Bagé no Rio Grande do Sul.
Prestando contas
Para realizar uma festa, as ONGs e prefeituras assinam um convênio (espécie de contrato) com o Ministério do Turismo, estabelecendo direitos e deveres. Depois que as entidades e municípios recebem o dinheiro e fazem o evento, têm 30 dias para prestar contas. Ou seja, comprovar que realmente fizeram a festa conforme o combinado, incluindo os gastos previstos.
Se alguma parte do evento não foi realizada ou houve outro tipo de falha, o beneficiário recebe uma guia bancária para pagar à União a diferença devida. Se o pagamento não for feito, a ONG ou prefeitura vai parar no cadastro de inadimplentes.
Quinze dias depois, se não pagar o devido ou não comprovar que realmente realizou o evento conforme o combinado, o ministério abre uma tomada de contas especial (processo para recuperar dinheiro público) contra o município ou entidade. O processo é enviado à CGU e, de lá, ao TCU. É o tribunal quem julga a tomada de contas especial da ONG ou prefeitura.
As prestações de contas servem para, por exemplo, comprovar que os recursos foram usados corretamente e que não houve fraude ou desvio de dinheiro público. É um dos meios para se evitar e punir casos de corrupção. Constatado algum problema na prestação de contas, a regra determina a paralisação de novos repasses. No papel, as prefeituras, estados e ONGs que ficam inadimplentes não podem receber mais dinheiro da União. Mas nem sempre isso ocorre na prática.
A fiscalização do Ministério do Turismo é feita à distância. Só uma minoria dos casos é analisada presencialmente. No caso dos eventos, por exemplo, os técnicos verificam fotos do palco, das arquibancadas e os cartazes de divulgação, as notas fiscais e os papéis do processo de licitação. Até o primeiro semestre do ano passado, o ministério só tinha conseguido verificar “in loco” 15% dos eventos feitos com recursos que repassara. Com a contratação de novos servidores, esse índice passou para 35%, percentual que o governo considera “válido”.
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