Para complicar o debate da secessão entre os estados, já foi iniciada a contagem regressiva para que deputados e senadores aprovem, até 31 de dezembro deste ano, uma revisão da legislação com novos critérios de distribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) – cabe lembrar que o cálculo do FPE chegou a ser levado em conta na partilha dos royalties do petróleo, com a aprovação da chamada “Emenda Ibsen” na Câmara, em 2010 (o autor da emenda foi o ex-deputado Ibsen Pinheiro, PMDB-RS). O então presidente Lula vetou o dispositivo, que entre outras coisas previa compensações bilionárias por parte da União a estados produtores afetados pela redivisão dos royalties, segundo as novas regras do FPE.
Foi então que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), entrou em campo para garantir a não apreciação do veto pelos parlamentares, deixando de convocar sessão do Congresso, mas com a contrapartida de articular a votação do substitutivo do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). Aprovado em outubro de 2011, o texto provoca perdas aos estados produtores, principalmente Rio de Janeiro e Espírito Santo, e aguarda votação na Câmara.
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Já aprovado no Senado, o Projeto de Lei 2565/2011 está em análise em comissão especial da Câmara, sob relatoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), e determina que o cálculo desse rateio reduza a participação dos estados produtores nos royalties, aumentando a dos não produtores (confira o quadro abaixo). Em entrevista ao site, Zarattini disse que não haverá problemas para o Congresso construir uma saída tanto para os royalties quanto para o FPE.
Mas ele admite que a disputa eleitoral pode comprometer as deliberações. “O único problema é o tempo. Sabemos que a partir de agosto teremos uma interrupção das atividades legislativas. Diminui muito o número de parlamentares em Brasília, e isso impede que votações importantes sejam feitas”, observou o deputado, também favorável ao tratamento fatiado dos temas do pacto federativo.
Nova distribuição
PublicidadeDeterminada pelo STF, a obrigação de uma nova lei complementar, com a atualização do rateio de recursos da União, tem como objetivo alterar os coeficientes usados no cálculo do FPE, que privilegia alguns estados menos populosos em detrimento de outros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em jogo, cerca de R$ 50 bilhões implicados na nova divisão do fundo. O modelo atual de distribuição do FPE foi considerado inconstitucional pelo Supremo em fevereiro de 2010.
Atualmente, 85% do dinheiro do FPE, que em 2011 distribuiu R$ 48 bilhões, vão para as regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste. Para efeito de comparação, o Maranhão, com seus 6,5 milhões habitantes, recebeu R$ 3,47 bilhões do fundo, ao passo que São Paulo, o estado mais populoso do país (41 milhões de habitantes), ficou com apenas R$ 480 milhões. Outros casos: o fundo rendeu R$ 1,19 bilhão a Roraima, o estado menos habitado (450 mil pessoas), e entregou R$ 730 milhões e R$ 720 milhões, respectivamente, ao Rio (16 milhões de habitantes) e ao Espírito Santo (3,5 milhões).
Dois projetos sobre a matéria estão em tramitação no Senado. Um deles é o Projeto de Lei Complementar 289/2011, de autoria de Randolfe Rodrigues (Psol-AP) e subscrito pelos senadores Romero Jucá (PMDB-RR), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Jorge Viana (PT-AC). A matéria promove a revisão do FPE levando em conta estudo técnico apresentado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em março de 2011 – “uma consistente proposta de utilização de vários critérios, para que o FPE cumpra seu preceito legal de promover equilíbrio socioeconômico entre os estados e o DF”, ressalta trecho do resumo do projeto.
A partir do trabalho do Confaz, a proposição inclui o critério “saneamento básico” na definição dos cálculos, mas mantém a reserva de 85% para os entes do Norte, do Nordeste e do Centro Oeste (“áreas de menor desenvolvimento”) – à exceção do Distrito Federal, que reparte com Sul e Sudeste os 15% restantes. Dentre as 27 unidades da Federação, diz o PLC 289, 16 recebem mais recursos em relação ao cálculo atual (GO, ES, TO, SC, DF, AL, RJ, PI, AP, MT, SP, AC, MS, RR, AM e RO), enquanto 11 registram perdas de repasse (BA, CE, PE, MA, MG, PR, RS, PB, RN, SE e PA). Uma vez aprovado, a matéria entra em vigor na data de sua publicação e produz efeitos já a partir de 1º de janeiro de 2013.
“O congelamento da tabela de repartição do FPE por mais de vinte anos aprofundou as flagrantes distorções nos critérios de rateio (…) alguns estados com notável capacidade tributária própria e que ostentam indicadores socioeconômicos acima da média nacional são aquinhoados injustamente com generosas parcelas do fundo, fissurando o pacto federativo em sua essência”, diz trecho da justificação da matéria, que tramita em conjunto com o PL 192/2011, de autoria de Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
A matéria de autoria de Randolfe (PLC 289/2011), além de manter a proporção inversa de população e renda per capita na definição do rateio, passa a levar em conta outros critérios. Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano dos estados; número populacional; preservação de áreas indígenas; superfície territorial; coeficiente de água potável; e rede de esgotos residenciais são outros elementos considerados para efeito de cálculo do rateio.
O Tribunal de Contas da União ficará responsável por divulgar o coeficiente de cálculo até 31 de agosto de cada ano. Os repasses para cada estado ficam limitados a 10% do montante do FPE (21,5% do total arrecadado pela União com impostos de renda e produtos industrializados), segundo critérios adotados gradualmente a partir de janeiro de 2013 até que, em 2018, o rateio observe integralmente os percentuais fixados como parâmetro de divisão. Por sua vez, a proposição de Grazziotin define diferenças pontuais que não modificam o montante de recursos destinados a estados menos desenvolvidos.
Tramitação
As matérias (PLCs 289 e 192 de 2011) tramitam na Comissão de Desenvolvimento Regional, onde teve relatoria avocada pelo senador Benedito de Lira (PP-AL), com parecer favorável. Os relatores na CCJ e na CAE são, respectivamente, os senadores Ricardo Ferraço e Delcídio Amaral. Só depois de aprovadas nesses colegiados as proposições seguem para o Plenário do Senado.
Depois de aprovadas pelos senadores, as matérias passam a seguir o rito regimental da Câmara, onde devem passar pela CCJ, pela Comissão de Finanças e Tributação e, ao menos, pela Comissão de Desenvolvimento Econômico antes da apreciação em plenário. De natureza complementar, os projetos precisam de dois turnos de votação em ambas as Casas legislativas, e precisam do voto de 41 dos 81 senadores e de 257 dos 513 deputados – maioria absoluta dos parlamentares. Caso a Câmara opere mudanças no texto, os projetos retornam ao Senado para uma votação final.