A sólida maioria no Supremo Tribunal Federal (STF), de oito votos favoráveis e dois contrários, à suspensão do chamado “orçamento secreto” em 2021 é, na visão do secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, uma vitória da transparência nas contas públicas do país. O recado da corte, no entanto, não deve impedir Câmara e Senado de construírem outro caminho para o repasse das verbas a obras pleiteadas por parlamentares.
“Estas emendas vinham sendo usadas como um instrumento de cooptação de parlamentares, para votar como o governo e a cúpula do Legislativo, que comanda as emendas de relator, desejam. É uma vitória da transparência e disso nós precisamos”, disse Gil. “O Congresso vai insistir em criar ou recriar um sistema que seja algo semelhante, porque afinal esse RP-9 vinha sendo um grande instrumento de barganha.”
Ao julgar um pedido do PSOL contra as chamadas “emendas de relator”, cujo nome técnico é RP-9, a ministra Rosa Weber passou um duro recado não apenas ao Legislativo que criou e opera a rubrica, mas também ao Executivo, que é uma parte interessada e quem efetivamente dá vida aos planos do Legislativo, ao construir pontes, escolas e hospitais: a proposta fere os princípios da isonomia e da impessoalidade, ao determinar mais capital a parlamentares que têm se mostrado mais aliados ao governo de ocasião.
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Ao final da noite desta quarta-feira, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux haviam acompanhado esse entendimento. Nunes Marques, o ministro mais novo, e Gilmar Mendes, o mais velho, foram contrários. A corte ainda tratará da constitucionalidade da RP-9 em um julgamento futuro.
A emenda de relator- cuja primeira aparição remonta ao primeiro Orçamento desenhado pelo governo Jair Bolsonaro – deixa nas mãos do Legislativo uma parte bilionária da decisão sobre o que fazer com o dinheiro daquele ano. Quando o Orçamento é aprovado, as definições vagas sobre o que fazer – não há uma verba destinada para aquele hospital específico, mas sim um montante destinado à construção de hospitais- que são pleiteadas por parlamentares que buscam atender suas bases eleitorais.
O valor das emendas é um cobertor curto, e não alcança os desejos de todos os deputados e senadores desde sempre. A divisão ficou ainda mais desigual com a entrada das emendas de relator. Aqueles mais ideologicamente afinados com a cúpula do Legislativo (e do governo) passaram a ter acesso a um volume quase desproporcional de capital. Com isso, um hospital pode ser construído em uma área ligada a um deputado específico, mesmo que áreas mais populosas e com necessidade maior acabem por ficar sem o mesmo aparelho, porque o parlamentar dali não possui a mesma simpatia com quem libera o dinheiro.
Como a corrente vencedora no STF foi taxativa ao proibir o uso da RP-9 neste ano, Gil acredita que nenhum órgão teria coragem de executar emendas assim – e, de acordo com as análises da própria Contas Abertas, realmente não teriam sido empenhadas nenhuma das verbas desde o início dessa semana. O problema é que seria relativamente simples mudar as regras orçamentárias para manter tudo como antes: “Esse RP-9 pode se tornar emendas de comissões, e isso é uma possibilidade concreta”, alerta o especialista, atentado para a rubrica conhecida como RP-8, “ou ou então o recurso retornar para o Executivo e continuar sendo utilizado como uma espécie de barganhas.”
Essa última alternativa seria conhecida como despesa primária discricionária, ou RP-2. A decisão de como e onde gastar passaria novamente para debaixo das asas de Jair Bolsonaro, mas isso não impediria o apetite do Congresso.
“Os parlamentares podem tentar manter estes recursos no Legislativo, ou ficam mantidos sob a orientação do Legislativo ou vão para o Executivo”, ponderou Gil Castello Branco. “Isso não impede que, por exemplo, o presidente da Câmara faça contato com a Secretaria de Governo e diga a eles quais interesses dos parlamentares ao seu redor, e que isso seja transmitido às pastas”. Esse crescimento da RP-2 poderia ocorrer com uma alteração legislativa orçamentária vinda do próprio governo, solicitando a alteração.
E mesmo o presidente Jair Bolsonaro teria interesse no tema, aponta o analista das contas públicas. Bolsonaro tem, nos valores da RP-9, uma moeda de troca de apoio muito valiosa para seus interesses políticos no Legislativo. O Advogado-Geral da União, Bruno Bianco, defendeu a manutenção da RP-9 em uma das sustentações orais na suprema corte.
Na semana passada, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) disse, ao comentar a PEC dos Precatórios, que o presidente “paga aluguel da Presidência da República” ao Congresso Nacional. Ironia ou não da deputada, a aprovação desta emenda na Câmara – que permitirá ao governo alterar o pagamento de títulos judiciais já decretados – foi um dos momentos de maior liberação de emendas parlamentares a deputados no ano.
Por isso, defendeu Gil, a existência da emenda do relator é por si só um desserviço à sociedade. “Eu nunca tinha visto um instrumento tão promíscuo”, definiu o integrante da Contas Abertas, que estuda o tema há quatro décadas. “A decisão do supremo foi corretíssima – e agora temos que ver qual é esse novo caminho. Nessa barganha entre Executivo e Legislativo, há muitos anos acontece isso: uma porta se fecha, outra se abre…e a barganha continua.”
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