Rodolfo Torres
O Projeto de Lei Complementar 518/09, que torna obrigatória a “Ficha Limpa” dos candidatos a cargos eletivos – ou seja, torna inelegíveis pessoas que respondem a processos na Justiça – está longe de ser uma prioridade na Câmara. Pronta para ser votada em plenário, a proposta apenas aguarda a vez de ser escolhida pelo presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), e por líderes partidários.
“O que percebo é que não há vontade da maioria para que o projeto seja votado”, resume o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), que subscreve o projeto com outros 32 deputados (confira a lista abaixo). O petista fluminense destaca que há uma “clara percepção” de protelar essa votação. “O trabalho da maioria é contra”, reforça.
Para o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), a reação da Casa é “previsível” e existe uma explicação para o fato. “É um assunto que atinge em cheio um grande número de parlamentares e seus aliados nos estados e municípios. Porque corta na carne”, explica.
Pela proposta, serão proibidos de concorrer a cargos eletivos, por oito anos, candidatos condenados em primeira ou única instância, ou que tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado por uma série de crimes.
São eles: abuso de poder econômico ou político; racismo; tortura; tráfico de drogas; terrorismo; improbidade administrativa; crimes dolosos contra a vida; crimes de abuso de autoridade; crimes eleitorais; lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão-de-obra em condições análogas à de escravo; crimes contra a economia popular; a fé pública; os costumes; a administração pública; o patrimônio público; o meio ambiente; a saúde pública; o mercado financeiro; e por crime a que a lei determine pena não inferior a 10 anos.
Membros da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, Biscaia e Paulo Rubem apresentaram requerimentos à Mesa da Câmara para que a proposta seja incluída na pauta. Eles também rebatem os argumentos de que o projeto é inconstitucional e fere a presunção de inocência.
“Os argumentos de inconstitucionalidade não procedem. O projeto trata da inelegibilidade e não do processo eleitoral”, afirma Biscaia, que é procurador de Justiça e professor universitário.
Conforme ressalta Paulo Rubem, ninguém será preso pelo fato de responder a processos na Justiça. O pedetista avalia que a forma atual estimula aqueles que usam o poder econômico para se manter na política. “Quem é decente, quem trabalha apresentando proposta, é completamente atropelado.” Para ele, é preciso que “desde a primeira instância não se crie o culto da impunidade”.
Líder do PPS e um dos deputados que subscreveram a proposta, Fernando Coruja (SC) afirma que é favorável à matéria, e que ela é constitucional porque não suspende direitos políticos. Contudo, ele ressalta que o simples oferecimento de denúncia não pode impedir ninguém de se candidatar. O deputado catarinense considera “razoável” impedir a candidatura de um cidadão que foi condenado por um colegiado. “Tem de debater o projeto. Não há dúvida.”
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promoverá um café da manhã na próxima quinta-feira (12) com parlamentares que apoiam a proposta para debater o andamento da matéria na Câmara.
O outro lado
O deputado José Genoino (PT-SP) subiu à tribuna da Câmara na semana passada para criticar a proposta. Citando a Constituição, votos de ministros do Supremo Tribunal Federal e documentos internacionais, o petista lembra que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Genoino é réu no processo do mensalão, suposto pagamento para que parlamentares votassem de acordo com orientações do governo. Atualmente, o processo tramita no STF. Em 2005, quando o caso veio à tona, o deputado era presidente nacional do PT.
“Essa ideia da hostilidade, da criminalização, produziria, caso este projeto tramitasse na Casa, centenas de prefeitos, alguns governadores e até o presidente da República, no caso de uma ação de improbidade recebida pelo juiz em primeira instância, estariam impedidos de se candidatar”, afirmou Genoino na tribuna da Câmara.
“Sempre defendi e defendo uma reforma política ampla e democrática na Casa, uma reforma que resgate o sentido democrático e republicano da política, com base no princípio de que todo o poder emana do povo e só pode ser exercido diretamente ou pela representação. Esse poder que emana do povo está passando por uma crise de legitimação. E temos que fazer uma reforma política. Agora, substituir a política pelo arbítrio da proibição, da discriminação, da vedação, é contrariar o princípio universal da democracia”, complementou.
O petista recebeu o apoio de diversos deputados que estavam no plenário da Câmara. “Tenho inquéritos, tenho processos, mas eles não têm fundamento. Processos até abertos por pessoas do MP (Ministério Público) que não têm direito constitucional de investigar, punir, ser polícia. Mesmo assim, tenho processos. Queria que o Congresso Nacional pegasse 1 milhão e 300 mil assinaturas e as passasse pelo crivo da investigação para ver quantos daqueles realmente seriam virgens, que nunca tiveram um processo ou parentes que nunca tiveram um processo”, afirmou o deputado Ernandes Amorim (PTB-RO).
“Poucos brasileiros sabem que este tema já é tratado na nossa Constituição, na nossa legislação eleitoral, na medida em que qualquer candidato que tem uma sentença criminal condenatória, com trânsito em julgado, é impedido de concorrer ao pleito eleitoral”, destacou Geraldo Pudim (PR-RJ).
“Nós temos inúmeros problemas para resolver e não podemos nos deixar levar por este debate”, resumiu o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Processos de um correligionário
O deputado Paulo Rubem Santiago lembra do caso do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que assumiu o mandato na quinta-feira passada na vaga deixada por Expedito Júnior (PSDB-RO). O tucano teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral por compra de voto e abuso de poder econômico.
“Ele já assume tendo de responder a 200 processos. Mas eu li declarações dele de que isso não é verdade”, afirma o deputado pernambucano.
Levantamento do Congresso em Foco de setembro do ano passado revelou que Acir respondia a cerca de 200 processos criminais na Justiça comum em junho daquele ano.
De acordo com levantamento, somente no Tribunal de Justiça do Amazonas, um dos negócios de Gurgacz, a Empresa União Cascavel de Transportes e Turismo Ltda (Eucatur) – de transporte interestadual de passageiros – respondia a aproximadamente 200 processos em setembro do ano passado. As acusações – direcionadas a ele e aos pais, seus sócios na empresa – iam de estelionato, crime ambiental, a pedidos de indenização por danos materiais e morais.
No dia de sua posse, Acir apresentou a este site um nada consta expedido pela Justiça Federal de 1º grau (Seção Judiciária do Estado de Rondônia). O documento, disponível na página eletrônica do Tribunal Regional Federal (TRF-1ª Região) daquele estado, refere-se aos “registros de distribuição” de 25 de abril de 1967 até 14 de abril deste ano. Acir não apresentou nada consta referente à sua situação na Justiça dos outros estados mencionados acima.
“A minha situação atual na Justiça é tranquila, não tenho nenhum processo, em qualquer instância da Justiça. Essa informação alguém plantou, e parece que está pegando”, disse Acir ao Congresso em Foco
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